Camaleónico, esquivo, errante, o Santo Ilusionista, protagonista deste novo romance de Cláudia Andrade, é um vagabundo em fuga (ou em busca?) do seu passado. Incapaz de se fixar num único lugar, a sua vida é feita de encontros episódicos e de aventuras sucessivas, nas quais, como um espelho invertido, veste a personagem que os outros procuram nele para a sua felicidade ilusória: assim, tanto é o amigo que precisa de ajuda altruística, como o líder impassível que faltava para orientar uma ação violenta, o marido e pai improvisado de uma família desajustada, ou o peregrino depois transformado em mediador de conflitos conjugais.
Criatura de mil rostos e nenhum, perdida no seu próprio abismo e que encontra repouso no vazio, sem querer, vai compondo um retrato mordaz de outras tantas mil vidas.
COMENTÁRIO ⭐⭐⭐⭐ "O Santo Ilusionista" Cláudia Andrade
Um escrita cuidada, metafórica, que leva o leitor a caminhos nada fáceis. Encarar este livro de Claúdia Andrade foi uma tarefa que me parece terei realizado com menos pro-eficiência.
"O Santo Ilusionista" é o terceiro romance da autora, que a crítica "considera" um dos mais destacados nomes da literatura. Foi uma primeira experiência de leitura desta autora. Direi que foi uma experiência francamente positiva à qual quererei voltar.
Neste livro Andrade presenteia-nos com uma personagem em contínua metamorfose e vivacidade. Uma personagem em mobilidade, que dos desencontros da vida nos vai dando sinais de que tudo é mais dificil e complexo, ao contrário do que os simplismos que nos querem impôr.
Da ilusão que a aparente vida nos dá, dessa ilusão nos fala este livro. E da falência real das ilusões do nosso quotidiano. E sobre iso temos tanto que pensar...
Bom livro para quem quer expandir o vocabulário em português. História diferente, difícil de seguir mas pouco previsível e, por isso, interessante. Talvez demasiado negativo
Cláudia Andrade escreve este livro no estilo em que já nos habituou, de maravilhosa e densa prosa poética que nos mina qualquer ilusão de que a vida e a existência possam ser minimamente semelhantes a qualquer dos matriciais decalques eufemísticos que nos têm querido vender desde que a humanidade começou a imaginar criaturas de barbas sentadas num trono terreno ou celestial a cuidar de nós.
Mas sim, há alegria, sim há prazer, sim há momentos em que o corpo se refastela. E depois? Resta-nos o quê? Neste ponto concordo com a autora: resta-nos este furtivo, discreto, silencioso, perigoso exercício de espremer o sentido "até às fezes do pensamento", ou qualquer coisa do género que Pessoa escreveu.
Mas quero relevar: foi, é, um enorme prazer ler este livro!
A densidade filosófica e humorística deste livro é um prato gourmet para os degustadores dos micro e macro pormenores da inútil, fastidiosa e excruciante existência humana, pois encontra-os bem esgalhados, bem ironizados... Isto é, aqueles que na sua natureza são tristes, e ociosos, e a quem resta do fastio de viver a frustração e impotência abissal de nada fazer com esse fastio. Não sabia que queria tanto ver e rir o que este improvável personagem vive. Não sabia que precisava disto! Esta leitura é uma necessidade que descobri ter. É como provar queijo e perceber que é o que buscávamos toda a vida. O queijo compreende-nos e nós compreendemos o queijo. Tem caseína. É talvez abusivo dizê-lo, mas todos os inadaptados deste mundo estão chapados aqui, quais Mister Beans num espetáculo para deleite dos deuses... (ou seja, de nós, em cosplay de deuses em auto-engano). Mas não rimos só dos seus absurdos, das suas manobras circenses... Cláudia abre-nos os olhos, põe-nos mesmo palitos nas pálpebras para que vejamos, colorida, a arte de instalação onde estão as fezes da vida bem ornadas em exposição. "NÃO SE ESQUEÇAM DAS FEZES", parece dizer. Por fim: quem sofreu algum grau de inadequação social está já dotado de skills necessárias para apreciação desta leitura... Na verdade, pensando melhor, quem desaguou aqui por marés amnióticas já possui os requerimentos essenciais.