Delicadíssima história de uma criança em torno da ansiedade por uma resposta de Deus. Retrato de um Portugal recôndito ao tempo da Revolução dos Cravos que nos conta como em lugares pequenos as ideias maiores são relativamente intemporais e o que acontece ignora largamente o tempo exacto do mundo.
O belo livro de estreia de valter hugo mãe é uma fulgurante prova de imaginação e beleza. Entre a profunda ternura e a difícil aprendizagem da vida, cada dia é um esforço para que se prove a existência do milagre de se ser alguém.
«A narração do autor é quase que um sussurrar de lembranças, o resgatar de um tempo vivido entre o temor e a confiança nos valores divinos. Mas esse falar deixa às vezes de ser sussurro (…) quando a linguagem se torna menos mansa e lógica, para então enfurecer-se, tornar-se deliberadamente incongruente e torna-se alquimia verbal.» Ferreira Gullar, Prefácio
valter hugo mãe é o nome artístico do escritor português Valter Hugo Lemos. Além de escritor é editor, artista plástico e cantor. Nasceu em Saurimo, Angola em 1971. Passou a infância em Paços de Ferreira e, actualmente, vive em Vila do Conde. É licenciado em Direito e pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea. Vencedor do Prémio José Saramago no ano de 2007 É autor dos livros de poesia: Livro de Maldições (2006); O Resto da Minha Alegria Seguido de a Remoção das Almas e Útero (2003); A Cobrição das Filhas (2001); Estou Escondido na Cor Amarga do Fim da Tarde e Três Minutos Antes de a Maré Encher (2000); Egon Shiele Auto-Retrato de Dupla Encarnação, (Prémio de Poesia Almeida Garrett) e Entorno a Casa Sobre a Cabeça (1999); O Sol Pôs-se Calmo Sem Me Acordar (1997) e Silencioso Sorpo de Fuga (1996). Escreveu ainda o romance O Nosso Reino (2004). Organizou as antologias: O Encantador de Palavras, poesia de Manoel de Barros; Série Poeta, em homenagem a Julio-Saúl Dias; Quem Quer Casar com a Poetisa, poesia de Adília Lopes; O Futuro em Anos Luz, por sugestão do Porto 2001; Desfocados pelo Vento, A Poesia dos Anos 80, Agora.
“o nosso reino” é o primeiro romance de VHM e o primeiro de uma tetralogia dedicada ao ciclo da vida, sendo este centrado na infância. A escrita está ainda muito vinculada à poesia (género com que VHM se iniciou na literatura), assentando numa linguagem que, na minha opinião, não resulta convenientemente quando transposta para o romance. Senti uma excessiva preocupação com o estilo em detrimento daquilo que me fez gostar tanto dos outros livros que li deste autor: a construção de universos, cenários e personagens sempre muito marcantes, consistentes não obstante a sua singularidade, e intensamente cativantes.
“o nosso reino” apresenta-nos, através das percepções e experiências de uma criança de oito anos, um retrato psicológico de uma pequena comunidade do litoral português no final do Estado Novo, cuja vivência é comandada pelo regime e pelo peso de uma religiosidade profunda e quase fanatizadora. A premissa é interessante, mas o percurso emocional das personagens acaba por se diluir no excesso de retórica estilística. Perde-se, assim, grande parte da força potencial deste romance que acaba por não inspirar o leitor como “a máquina de fazer espanhóis”, nem lhe sacudir as entranhas como “o remorso de baltazar serapião”.
Apesar da classificação 2 estrelas, este é um livro que vale a pena ler. Acredito que, na minha valoração, saia penalizado pela comparação com os outros quatro romances que já li deste autor e que, uns mais do que outros e cada um de sua forma, tanto me impressionaram.
"O Nosso Reino" foi o romance de estreia de Valter Hugo Mãe, o meu sexto livro do autor e, até me dói o coração por ter de escrever isto, o que menos me agradou.
O estilo deste romance é semelhante ao de grande parte dos outros romances de Valter Hugo Mãe, quase uma prosa poética com passagens profundas, uma escrita que se tenta aproximar do português falado e uma característica singular no que toca à pontuação. Se este tivesse sido o meu livro de estreia do autor, admito que o estilo atípico ter-me-ia (provavelmente) conquistado e a dispersão da história e falta de um fio condutor não teriam afetado a minha perceção. Talvez nesse caso o balanço tivesse sido positivo. Acontece que quando comecei a ler este livro já tinha uma opinião, inevitável de quem leu quatro livros fantásticos e um bastante bom, e uma expectativa bastante exigente.
As temáticas deste "O Nosso Reino" são a morte (comum a todas as obras do autor) e a religião. A história em si tem potencial. A personagem principal é um menino de oito anos que procura a "perfeição espiritual", é através da sua perspetiva que o leitor obtém um retrato de uma comunidade portuguesa fanática pela religião, característica observada durante o Estado Novo, época em que decorre a ação. Uma outra personagem, talvez a que mais me agradou, é o coveiro, denominado pelo autor como "O Homem mais triste do Mundo".
"esta noite sonhei com o futuro e pude imaginar todas as coisas manuel. no futuro, daqui a muitos anos, o corpo dos homens vai mirrar porque não vai ser preciso para nada. as pessoas serão seres minúsculos a ocupar um espaço ínfimo e tudo estará preparado para que toda a actividade seja só mental. que importa pôr os pés no chão se tivermos um cérebro tão perfeito que consiga reproduzir essa sensação a cada momento. (...) todas as coisas de que precisarmos estarão já ao nível da nossa vontade, e se algo for mecânico existirão máquinas que se recuperam com o nosso pensamento a executarem o que quer que lhes ordenemos."
Valter Hugo Mãe é um dos autores, juntamente com Afonso Cruz e Fiódor Dostoiesvki, que quero ler na íntegra. Esta obra foi até ao momento a que menos me agradou, principalmente por sentir que faltava orientação na história, foram vários os momentos em que me senti perdida. Para quem não leu Valter Hugo Mãe, esta poderá não ser a obra ideal para a estreia, se me perguntassem recomendaria sem hesitação "A Máquina de Fazer Espanhóis" ou "A Desumanização", fica a dica.
Antes de ler o nosso reino, o romance de estreia de valter hugo mãe, a minha interação com este autor resumia-se à máquina de fazer espanhóis. Essa primeira experiência de leitura tinha-me deixado com uma impressão quase hercúlea deste senhor autor, pelo que decidi medir as minhas expectativas irreais contra esta primeira obra (porque se não o fizesse, seria simplesmente injusto para com os outros autores).
Se alguma coisa, a leitura deste volume fez-me apreciar ainda mais a máquina de fazer espanhóis. Não me interpretem mal – não é por um ser mau que o outro se torna melhor. Simplesmente, ler o nosso reino foi como ir à praia apanhar búzios e conchinhas e encontrá-los dispersos um pouco por todo o lado, pedaços de génio num areal. a máquina de fazer espanhóis é mais como caminhar montanha acima, ir vendo a copa das árvores e as flores, e chegar ao topo e dar com um pôr-do-sol derramando-se como uma gema líquida sobre colinas azuis e roxas. (Vá, se agora forem ler a máquina de fazer espanhóis e não gostarem, a culpa não é minha!) Todas estas imagens para dizer: falta alguma coesão e capacidade de maximização do clímax ao nosso reino. Porém, a semente está lá.
E parece que esta vai ser uma crítica à base de comparações, porque não consigo evitar uma referência ao Uma Casa na Escuridão do José Luís Peixoto, que tanto me veio à memória ao ler este livro. Ambos são negros, encolhendo a toalha da mesa que, por baixo, esconde o grotesco, o animal, o visceral. Tenho a certeza que se tivesse lido este livro na mesma altura em que li o Uma Casa na Escuridão (quando tinha uns 17 anos) teria gostado dele muito mais, porque nessa altura o fascínio pelas trevas ainda me sabia a novo. Agora já não me impressiona por aí além – e também sei o que o futuro reservava para valter hugo mãe quando o escreveu. E, portanto, com estas três estrelas, aqui temos, valter hugo mãe um pouco mais humano. Talvez para a próxima tente A Desumanização?
Livro de uma religiosidade terrível, feita do desespero de querer ainda ser santo, perante a perda e o medo de que afinal se mereça novo sofrimento. Uma investigação, talvez se possa dizer assim, do que é o humano, na dor, através da precariedade e da miséria. Ou melhor, da sua mais perfeita superação, quando a fé parece obscena e excessiva. Pela irrealidade da sua manifestação. Ou inevitabilidade da sua sobrevivência. Por vezes parece que se a fé é a última a morrer, então tudo o resto terá de morrer primeiro. A escrita é bela e tão familiar, num país ao mesmo tempo devoto e não praticante, católico e moralista, pagão e romano. Vemos, página a página, surgir um cristianismo que não é o do catecismo, mas é, de alguma maneira, um cristianismo que conseguimos imaginar a enfiar as espadas no coração da senhora das dores, a fazer milhares de pessoas rastejar a pagar promessas, outros milhares a nunca mais deixar de usar negro depois da morte de um cônjuge, ou a vestir uma criança com a roupa de um santo favorito durante uma procissão, ou a fazer murmurar preces como encantamentos de outros séculos e que já não conhecemos. Esta criança parece ser de outro século, viver com intensidade de outro século. Como de resto, algumas práticas com que nos cruzamos. Fazer o trajecto emocional com a personagem é difícil. Mas soa a genuíno, tudo, neste livro.
Review O Nosso Reino, de Valter Hugo Mãe. 50/2020 3⭐️
Este foi o primeiro romance de Valter Hugo Mãe, editado a primeira vez em 2004.
Gostei, mas não fiquei rendida como com os outros cinco dele que li até agora. Não consegui conectar-me com as personagens deste livro.
Sem revelar nada da história, quero dizer-vos que gostei da abordagem à crença que é feita na obra, muito interessante.
Gostei muito do facto de a perspectiva ser a de uma criança. Gosto sempre muito de livros criados com o objectivo de dar o ponto de vista das crianças.
E se esta criança é especial...no entanto, o Benjamim e a sua capacidade para ver a luz do cu das pessoas (desculpem-me os mais sensíveis, mas é assim mesmo) não me conseguiu seduzir. É uma obra extremamente freudiana, de um modo geral.
Há também qualquer coisa na narrativa que não funciona para mim. Sendo este o romance de estreia, talvez fosse necessário um amadurecimento até ao brilhantismo de um Remorso de Baltazar Serapião ou um Apocalipse dos Trabalhadores, por exemplo.
Estamos num ambiente rural oprimido pelo regime salazarista, no início da década de 70. A Igreja é uma das entidades superiores e a forma como 'controla' a vida do rapaz que narra a história é impressionante.
Sei que não tenho a maturidade para compreender este livro por completo, mas sei que gostei. Aquele último capítulo está qualquer coisa, acabei por o ler 2 ou 3 vezes!
“a cabeça, dizia eu ao paulinho preocupado, é muito frágil e, embora não dê para abrir e ver, ela tem coisas dentro, que são coisas que se dizem ou que se vêem, e nós devemos ter cuidado com o que nunca mais possamos tirar de lá.”
Um livro com uma escrita muito boa (habitual nas obras de Valter Hugo Mãe). Gostei, mas sinto que faltou algo. "a morte, manuel, é só a junção das memórias, como se se arrumasse tudo numa caixa que se fecha." Recomendo.
Não posso dizer que foi um livro fácil de ser lido. Por ser o primeiro romance do autor, talvez, sua prosódia característica, tão poética, dê lugar a uma dureza que me lembrou muito Lobo Antunes. Outra coisa que me incomodou é saber ser esse narrador uma criança de 8 anos. Qual criança poderia ter tal linguajar? Ok, esse tipo de coisa é complicado e não estraga o livro. O mundo imaginário de Benjamin, em uma sangria desatada para compreender o bem e o mal, buscando nada menos que sua santidade, a fim de conseguir a absolvição das pessoas de sua vila, parece aniquilar qualquer contato com o mundo real. Benjamin procura soluções para escapar do nosso reino e viver em paz - essa busca me lembrou muito o livro do Reinaldo Arenas (O reino deste mundo). Muitas imagens interessantes, em especial "o homem mais triste desse mundo". Vhm implacável, como sempre.
infelizmente, em comparação aos outros livros dele que já li acho q este ficou uma beca aquém. admito que fiquei super confuso na reta final do livro e perdi track do que estava a acontecer. de qualquer forma a premissa e a atmosfera são mesmo boas, e os eventos que decorrem no livro despertam curiosidade i guess
Um livro que gostei de ler, apesar de não ter sido dos meus favoritos do autor. Em certos momentos fez lembrar o livro "em teu ventre" de José Luís Peixoto e isso devido ao tema do mundo católico e a religião que é parte central da história deste livro. A parte final do livro fez - me um pouco de confusão por se apresentar de uma forma um pouco mais abstracta e de confusa até certo ponto.
Quanto a escrita em si, conseguimos encontrar aqui aqueles elementos que distinguem a escrita de Valter Hugo Mãe e que agrada aos seus leitores.
eu amo intensamente o valter hugo mãe e só li duas obras dele, ambas com protagonistas crianças. sinto que antes de entrar no livro é preciso pedir licença e prestar atenção, porque ele escreve só como ele escreve e respeito muito esse desconhecido. esse livro me embalou pela cabeça de uma criança com crença e vontade de ser santo, é um retrato lindo e literal até demais da fé católica, o que deixa ainda mais interessante. ele ficcionaliza tudo, e é difícil dizer qual o real e qual o inventado. foi uma experiência intensa entrar e sair desse livro. "em toda a loucura se ficciona a libertação da alma, mas só a renúncia à matéria a produz verdadeiramente. por isso deixemos esta casa e partamos. outros lugares serão tão bons como este. qualquer caminho, como num qualquer caminho encontraremos a mais divina presença, porque ela está dentro de nós. e em qualquer caminho encontraremos a morte. não faz falta que a esperemos aqui."
Quem acompanha minhas resenhas sabe que quando eu gosto de determinado autor, eu não meço esforços de ler qualquer coisa nova ou antiga, eu gosto é de completar o álbum. Mas, quanto mais a gente lê determinado autor, maior a probabilidade de encontrar algo dele que não nos agrada.
Infelizmente esse foi o caso com o nosso reino do português Valter Hugo Mãe. Apesar de eu adorar o português, ter quase que todos os seus livros, e de forma geral adorar a sua obra, preciso ser sincera e dizer que não gostei desse livro.
A história se passa num vilarejo português na década de 70, e é narrada do ponto de vista de Benjamim, uma criança de cerca de 9 anos. História talvez seja exagero, o livro é quase que uma coletânea de impressões e pequenos causos, onde a percepção carregadíssima de catolicismo do menino é o fio da meada.
Valter Hugo Mãe faz uso da sua forma de escrever repleta de lirismo e poesia, mas, as imagens não me agradaram e nem me prenderam na narrativa. De forma geral, achei tudo muito exagerado por um lado e grosseiro por outro. Nada contra os exageros ou grosserias de forma geral, mas, precisa ter um objetivo ou um papel na narrativa. E sinceramente, não achei que agregou, ficou só com cara que o autor queria chocar o leitor só pra chocar mesmo.
O resultado ficou um tanto quanto desconjuntado, numa leitura sonolenta e sem graça. O resultado certamente independe de qual edição você encontre, a antiga pela Editora 34, e a nova pela Biblioteca Azul.
Minha nossa, como me doeu escrever isso sobre o autor... então, vou terminar dizendo que ele tem coisas incríveis, mas não recomendo o nosso reino como uma das suas obras a serem lidas. Pega qualquer outro livro, é provável de acertar.
"o nosso reino" é o romance de estreia de valter hugo mãe e também a minha primeira experiência de leitura com o autor. Infelizmente, não posso dizer que tenha sido uma leitura especialmente prazerosa.
A primeira coisa que salta à vista é sem dúvida o estilo de escrita do autor. Quem já leu sabe do que falo: falta de letras maiúsculas, uma pontuação que se resume a pontos e vírgulas, numa narrativa graficamente corrida que se procura aproximar ao português falado.
Se este estilo de escrita — que o autor define como "limpeza formal do texto" — é uma mera despreocupação estilística ou, pelo contrário, um rasgo de génio, não o posso dizer. Que o torna diferente, disso não tenho dúvida. Independentemente de toda a discussão que se pode ter em torno do estilo peculiar do autor, a verdade é que me deparei com um texto extremamente denso, até difícil de ler, exigindo uma grande atenção por parte do leitor. É verdade que o ritmo de leitura vai aumentando à medida que nos habituamos à escrita, mas a verdade é que continua lento.
Posto isto, acredito que o que prejudicou a minha leitura foi o facto do livro ter sugado por completo a minha atenção para a componente estilística, ao invés da história em si, que essa sim acredito ter uma premissa bastante interessante.
Em traços muito gerais, acompanhamos a busca de perfeição espiritual por parte de um menino de oito anos, que quer ser santo. O livro começa com uma personagem muito intrigante (que adorei): "o homem mais triste do mundo", correspondente à figura do coveiro, a pessoa que anda de mão dada com a morte. São precisamente a morte e a religiosidade os pontos fulcrais do livro. valter hugo mãe tem o mérito de nos transportar directamente para o ambiente criado, fazendo-nos sentir dor, medo e desespero perante a perda de entes queridos. Em "o nosso reino", procuramos, juntamente com o narrador, compreender o mundo dividindo-o entre o céu e o inferno, numa visão muito realista do Portugal de outrora (que talvez não seja tão outrora assim).
I love this Author... but it was extremely difficult to read this ~book, because of its emotional violence and pressing images. The Author is successful creating an atmosphere of doom, but unlike "O Filho de LiL Homens" - for instance - it does not inspire the reader... It is infinitely sad the boy who wants to be a saint and suffers such terrible tragedies and loss in his life. So much love that did not succeed in healing or saving... It is almost as a nightmare.
não foi um livro fácil. em vários aspectos me lembrou a escrita de José Saramago, o sobrenatural que faz parte do real, o fluxo de consciência, a invasão do narrador nos personagens, as peculiaridades gráficas.
o artifício de colocar o ponto de vista da narrativa nos olhos de uma criança de 8 anos é cativante. o narrador escreve já adulto sobre sua infância e parece fluir entre a sua consciência presente e a de seus 8 anos.
o livro proporciona e incentiva reflexões interessantes sobre a religiosidade de uma comunidade, sobre a relação dos homens com o divino, ao mesmo tempo que o regime ditatorial permeia toda a narrativa e se faz presente nos detalhes.
no fim, senti que faltou algum tipo de organização diferente pra narrativa e que, por essa falta, certas coisas ficaram desamarradas.
as ilustrações e o trabalho gráfico da edição da Biblioteca Azul são muito bem feitos.
A minha primeira experiência com este autor. Ouvi falar dele num episódio de "Conversas de Miguel" (Pedro Teixeira da Mota e Carlos Coutinho Vilhena), e desde aí que fiquei curioso para o ler. Comecei, então, com esta sua obra que, por sinal, é a sua obra de estreia.
Logo de caras, é impossível o seu estilo de escrita não lembrar Saramago: apenas pontos finais e vírgulas. A história centra-se num menino de oito anos, que anseia ser uma santo, vivendo a sua vida num constante medo de pecar. Aliás, toda a comunidade daquela localidade assemelha-se a um culto de fanáticos cristãos, levando a sua existência temendo que Deus os castigue por qualquer passo em falso.
Gostei da narrativa, mas penso que por vezes se torna confusa e é complicado distinguir o que é real do que não é.
O ambiente do livro fez-me recordar o "Cem Anos de Solidão", uma pequena localidade que parece estar isolada do resto do mundo, amaldiçoada por Deus ou outra qualquer entidade divina.
Algo que eu não entendi, é onde é que o Benjamim, o nosso protagonista, vai buscar tanta sabedoria religiosa. Que me recorde, em nenhum momento da história é dito que ele tem uma Bíblia ou textos sagrados em casa. Aquilo que, realmente, há em muita quantidade em sua casa, são figuras de Cristo. Talvez ele se tenha tornado, de facto, num santo, e Deus sussurava-lhe ideias ao ouvido.
No geral, apreciei o livro, mas não me parece que este seja o melhor trabalho do autor. Curioso para o próximo.
valter hugo mãe já mostra uma voz forte e marcante desde desse seu primeiro livro. eu amo esse estilo de escrita dele, uma melancolia, uma atmosfera de mistério e tristeza que, por mais que de início seja um pouco complicado para pegar o ritmo e se acostumar, vale todo o esforço.a poesia de cada frase e o que parece uma escolha das palavras feita com tanto cuidado são detalhes da narrativa de vhm que o tornam tão especial para mim. "era com buraco no peito que estávamos. [...] sangrávamos dias inteiros de amor por saudade deles. éramos manchas no silêncio, um soluço que não se apagava" p.147
Foi o primeiro livro que li do VHM e não sabia quer era o primeiro livro dele, quando o comecei a ler. Não adorei a escrita porque e custou-me a entrar na mesma. Talvez por isso também tenha sentido que a história era ainda mais pesada do que já era. Mas talvez seja a intenção do autor. Remeter-nos para uma realidade pesada que retrata a realidade de um Portugal pobre, em que a vida era entendida como uma passagem para a vida eterna e a fé era a única razão da vida. O retrato da morte como algo por vezes bom e que justificava a dor que a vida era. “a morte, manuel, é só a junção das memórias, como se se arrumasse tudo numa caixa que se fecha”.
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Este é o romance de estreia da valter hugo mãe. Faz parte de uma tetralogia da qual já li “O apocalipse dos trabalhadores”. Fiquei fã da escrita deste autor por ser diferente, irreverente e ter uma base fortemente poética. A sua forma de escrever prende-nos como leitores porque é uma escrita crua, dura e arrebatadora.
Esta história é contada na primeira pessoa por um menino de 8 anos, em 1970 (nessa altura tinha eu 4 anos), e conseguiu fazer-me reviver e recordar passagens desse tempo, nos anos finais do salazarismo. Este menino vive num vai e vem entre o bem e o mal, vive na dura e pobre realidade que o cerca e num mundo cheio de magia e fantasia, de medos e anseios marcado pela forte crença em Deus. Fala-nos da infância aos olhos de uma criança ingénua dividida entre um céu e um inferno. Fala-nos da tentativa de compreensão do mundo, dividido entre uma aldeia piscatória e a visão da igreja na época. O desejo desta criança é simplesmente ser salva, ter o seu lugar de paz no céu, sobreviver. Será ou não um desejo universal
Um primeiro romance muito bom! Um autor que, para mim, é obrigatório seguir.
Primeiro livro que li de Hugo Mãe e não fiquei desapontado. A ideia central do livro não se pode dizer que seja original mas o ângulo é único e isso dá muita força e vontade de ler. Os parágrafos e palavras sem maiúsculas e pontuação etc, com o intuito de tornar a própria escrita mais ritmada, foi um desafio para mim porque Hugo mãe não tem a mesma intenção que Saramago. Essa "libertinagem" na escrita é conhecida e explicada pelo autor. Ao início atrapalhou mas facilmente se entra na atmosfera e percebe-se que isso acrescenta algo ao livro, existe uma fluidez diferente que contribui de facto, para que o livro seja um objecto de arte e não um mero artefacto de entretenimento
É prazeroso ler Valter Hugo Mãe. Tudo o que escreve é escrito como deve ser. Conhece as palavras e usa-as corretamente, emparelhando-as de forma perfeita, criando harmonias e transmitindo a sensação de que aquilo que lemos só assim escrito é que faz sentido. Não adorei esta história, mas senti que era culturalmente correta. Portugal, país de fé e religião, com casas repletas de elementos religiosos, tradições cristãs e familiares crentes. Mas depois temos a morte, o homem mais triste do mundo, Deus e as dúvidas de uma criança que quer compreender o mundo. "como dizem as pessoas, ninguém morre de véspera. hei-de morrer certo. no momento certo, é uma certeza que temos todos."
Esse reino, ambientado num vilarejo português, tem como protagonista o pequeno Benjamin, menino especial e devoto como todos de sua cidade. Ao lado dos amigos Manuel e Germana, e dos familiares, Benjamin descobre sobre a vida, a morte, o sexo, o puro e o impuro.
Com uma reflexão profunda sobre a religião, e como esta afeta a vida do vilarejo, Benjamin não só quer ser santo como todos acham que Deus o escolheu para tal. Ele tem visões do homem mais triste do mundo - que, junto com seu cachorro endemoniado, levam as almas dos mortos tal qual um Caronte terreno - e de coisas que os outros não sabem.
Sob a perspectiva infantil, fala-se sobre tudo e explica-se quase nada: o realismo fantástico do autor, que se assemelha tanto ao de outros grandes como García Marquez e Jorge Luís Borges, está sempre presente e cumpre seu papel de maneira extraordinária.
Embora não seja meu livro favorito, é uma excelente narrativa, com reviravoltas e escrito na maneira fluida de Hugo Mãe. Recomendo àqueles que querem se inicar na obra dele e aos que já conhecem - ainda que estes, como eu, talvez prefiram outros.
foi este o romance de estreia de valter hugo mãe... leva-nos a uma pequena aldeia portuguesa num regime salazarista através dos olhos e experiências de um menino de oito anos chamado benjamim. não é propriamente uma condenação ou explicação do estado novo, mas sim uma espécie de paródia desta época, mostrando o quão envolvidas (resignadas) as personagens estavam com a religião e a sua pobreza, uma luta constante entre a salvação e o pecado... conseguimos perceber (e quem tem/teve família desta época em pequenas aldeias mais ainda) sem duvida que esta era a característica desse regime, era a receita destas localidades, promoviam a pequenez para defender o poder instalado.
vi o episódio herdeiros do saramago deste autor no fim do ano passado (salvo erro) e talvez tenha conseguido detetar alguns traços autobiográficos neste livro. a aldeia em que o benjamim vive tem a pesca como o sustento primário, o escutar as conversas dos outros,... acredito que os escritores podem muitas vezes se disfarçar nos seus romances mas nunca desaparecer totalmente.
Um livro emocionalmente violento escrito com a suavidade e beleza característica da VHM.
O narrador é um menino de 8 anos ,vivenciando o reino dos céus e dos infernos, enquanto traça o seu destino de Santo.
Numa vila pobre do Portugal de Salazar, a pobreza extrema e a religião fanática entrelaçam-se e dão origem a personagens ricas tais como “o homem mais triste do mundo” ou a dona darci, uma sra “discreta como um vida toda por dentro” p. 95. E depois a loucura vinda do sofrimento, mas “em toda a loucura se ficciona a libertação da alma” p. 205, portanto, podem-se cozinhar pedras para delas extrair o silêncio e o sossego.
O menino debate-se no reino do mal, mas também vive na bondade da sua professora, da tia Cândida e da colega da escola. A menina “fez um coração na areia e pôs-se dentro dele sentada, obrigou-me a ficar sentado também, ao seu lado, e disse, agora acho o mar ainda mais bonito” p. 151
É isso, apesar da crueza e dureza das suas histórias, VHM, consegue tornar o mar ainda mais bonito.
Eu gosto demais do autor, sempre termino os livros muito mexido e com esse não foi diferente. Mas achei o livro estranho. O estilo da escrita de Valter Hugo é algo que me cativa, o texto lírico sem ser pesado e o fluxo contínuo que nos indica o desenrolar da história sempre nos deixando meio perdidos nas incertezas do subjetivo. Esse livro me surpreendeu pelo realismo fantástico que se constrói, algo que de um modo ou de outro estava presente nos outros livros que li, mas não com tanta intensidade. Não sei o quanto retomar a narrativa tem sentido, a sinopse do livro já foi dada, Acompanhamos benjamim, uma criança de uma vila portuguesa na década de 70 que reflete sobre a morte, a religião, os milagres e o custo que temos que pagar. É um livro bonito, uma história interessante e com algo de bizarro. Gostei bastante de ter lido, gosto de me por perdido nas linhas do autor, mas gosteis mais de outros livros dele.
Um livro que explora a fé, a religião e o desejo de viver, ver e ser o bem. "o nosso reino" vale pelo poder das imagens que Valter Hugo Mãe desperta com as suas palavras. num questionamento moral de bem e mal, certo e errado, fala-se de santidades, pecados e equipara-se um reino terrestre ao reino dos céus. a narrativa, na sua especificidade, é abrangente o suficiente para despertar no leitor os seus próprios dogmas e crenças espirituais. uma vírgula pode fazer toda a diferença, e por isso, embora não muito extenso, a particular forma de escrita do autor confere ao texto uma densidade que impede uma leitura rápida. livro para ser digerido lentamente, relido e aprofundado. a sua maior beleza reside no estilismo rude-poético e na indagação existencial-filosófica.