Sinopse Cal junta contos, uma peça de teatro e poemas em torno de um tema pouco usual na literatura: a velhice, com a sensibilidade inconfundível de José Luís Peixoto.Cal de José Luís Peixoto
Excerto «As mãos de Ana eram velhas. Os dedos eram grossos e tinham riscos feitos pela lâmina da navalha de retalhar azeitona. As palmas das mãos eram grossas e tinham o toque da superfície serrada de um tronco. As mãos do velho Durico eram magras e escuras. As costas da mãos, quando as estendia debaixo de um candeeiro de petróleo, eram suaves. As unhas eram certas por serem cortadas com uma navalha»
Este livro foi uma das minhas maiores desilusões na literatura. Para começar, não possuía qualquer indicação acerca do género, que me pudesse preparar para a leitura de Cal: comecei a ler um livro de crónicas, ou de pequenos contos, com uma peça de teatro lá pelo meio, a pensar que iria sair dali um romance. Obviamente, também me senti desiludida devido à falta de abrangência de temas nos livros de José Luís Peixoto. Quando lemos uma data de histórias que se passam no mesmo cenário ou em ambientes semelhantes e que nos trazem personagens parecidas, ficamos - enquanto leitores - desmotivados pela ausência de novidade. Até a qualidade das histórias contadas em Cal é medíocre. Não encontrei nenhuma inovação, nenhum trecho cujas características de escrita me empolgasse, nem nenhuma ideia que me desafiasse à reflexão. Excepto um ou outro texto deixado para o final, Cal mostrou-me uma face monótona e indesejável de um dos meus escritores portugueses favoritos. Esforcei-me por gostar deste livro de JLP, mas não fiquei com vontade de lhe pegar de novo.
Nem só de abandono, isolamento e solidão é feita a vida de um velho. Esta será, porventura, a maior de todas as ideias que atravessam “Cal”, oitavo trabalho publicado de José Luís Peixoto, conjunto de dezassete contos aos quais o autor acrescenta três poemas e ainda uma pequena mas particularmente divertida peça de teatro. Apesar das fotografias amareladas nas molduras, dos azulejos baços da casa de banho, das enciclopédias nas estantes cobertas de pó, dos sonhos acordados feitos de cabelos brancos e secos, peles muito moles e rostos muito velhos, os dias da Ana, da Estrudes, da Ti Carlota, do Josué ou da Ti Julha, também podem ser limpos de sol e céu azul, compridos e fartos de histórias, com uma ou outra aventura de permeio. Em cada uma destas figuras percebemos que a vida pulsa ainda com força, como quando corriam a recolher os pedacinhos de cortiça, mergulhavam no rio ou jogavam à apanhada com o Peixoto, o pai do escritor.
José Luís Peixoto tem esse dom de pôr por palavras aquilo que há de mais simples no nosso quotidiano. Apropriando-se do tempo guardado nas memórias, estruturado na relação de cada pessoa consigo própria, o autor faz dele uma entidade corpórea, emprestando-lhe princípio, meio e fim. Estes velhos não estão presos ao passado. O autor recusa resumir a sua vida a um punhado de recordações estéreis que sejam a única razão de ser da sua precária existência. Antes nos mostra que cada tempo tem na história o seu lugar preciso e que o presente é para ser intensamente vivido antes que a noite eterna venha e cubra tudo com o seu manto. É por isso que estes velhos continuam a fazer a sua vida normal, a regar a planta da borracha da entrada, a fazer o almoço, a ouvir os tangos que antigamente, depois de afastarem a mesa e as cadeiras, dançavam na sala, habituados que estão “ao olhar amarelo dos objectos, ao calor a arder debaixo da pele, como se tinham habituado ao reumático e a tudo”.
Preenchendo quase metade das páginas do livro, a peça de teatro intitulada “À Manhã” é nele um caso à parte. Nela, Ti Estragão (Trinta Cabelos), Ti Olga Despedida, Ti Macha do Artilheiro, Ti Irininha e Ti Vlademiro Costelas Bambas têm em comum o facto de contarem para cima de setenta anos. Percorrendo os doze meses do ano, a acção tem essa particularidade de nos mostrar que, a partir de certas idades, os tempos e as estações metem-se uns nos outros de forma indistinta. Com um espírito vivo e livre, a escrita busca a intemporalidade das emoções e dos gestos, mergulhando o leitor numa rábula divertida, pontuada por termos como “moquino” ou “bocanço”, que a vestem de um picaresco quase vicentino. A peça esteve em cena no Teatro São Luiz, em Janeiro de 2006, com dramaturgia de Natália Luíza, que assinou também a encenação, juntamente com Miguel Seabra. Globalmente, “Cal” não estará no leque das obras maiores de José Luís Peixoto. Mas oferece, inegavelmente, um contributo importante para a compreensão do conjunto da obra deste escritor maior.
Nunca tinha lido um livro que se dedicasse inteiro a personagens com muitos anos de vida! As palavras imediatas que classificam este grupo de personagens (velhotes, idosos, terceira idade...) perdem sentido ao longo do livro, sobressaem caminhos percorridos, identidades marcadas e únicas, histórias que se perdem no tempo e na memória mas que estão nas raízes da nossa identidade colectiva... Predominam os pequenos contos, todos bons e alguns excepcionais, alguma poesia e uma peça de teatro divertidíssima, pertinente e com uma surpresa final de abrir um sorriso e relativizar uma data de clichês associados às pessoas com rugas e cabelos brancos! Claro que me lembrei muito dos meus queridos e tão saudosos avós, cada um extraordinário à sua maneira! Dois deles, os maternos, até me deixaram a maior prova de que o amor existe, que é uma coisa maravilhosa e transcendental e que bem ficariam num dos contos... Também fica claro o desencaixe que acontece vezes demais a muitas pessoas no fim da vida, os lares, as temporadas em casa dos filhos longe da sua casa, a solidão que devia ser impossível... tudo coisas que não fazem sentido e para as quais merecemos todos (porque a maioria lá chegará) outras respostas.
A idade das mãos - 5* O sorriso dos afogados - 4* Olhe os seus netos - 2* Os velhos - 5* A mulher que sonhava -5* O grande amor do mudo -5* As mulheres dos anos 80 - 3* Febre - 4* As mãos e as vozes - 3* O dia dos anos -5* Na claridade e nas sombras - 5* A mulher da horta - 2* O último dia de todos os verões - 5* A velha Carlota - 2* À manhã - 1* Ti Julha - 4* A gente corremos pelas ruas da vila - 3* Ver a minha avó - 4* A mulher de negro - 5* A viúva junto ao rio - 3*
" Hoje, preciso de ti. Depois de nós, nesse tempo, houve uma verdade que ficou parada nos meus olhos: alguém de quem gostamos muito, o amor, ficará nas árvores, continuará a crescer, como uma criança, dentro dos troncos e dos ramos mais finos das árvores."
Sendo este um livro de contos e poemas, não me pareceu particularmente memorável. Ainda assim, o facto de todas as histórias serem inspiradas em pessoas reais da terra natal do José Luís Peixoto, acrescenta-lhes uma dimensão especial e torna a leitura mais interessante. Gostei, também, bastante da peça de teatro. Espero ler mais do autor!
Vou citar uma leitora que na sua crítica diz basicamente tudo sobre o Cal. Contudo, não sou tão brando no meu rating, e dou mesmo apenas 2 estrelas. Não desperta interesse nem paixão esta leitura. As estórias são monótonas e secantes. Uma desilusão.
"Este livro foi uma das minhas maiores desilusões na literatura. Para começar, não possuía qualquer indicação acerca do género, que me pudesse preparar para a leitura de Cal: comecei a ler um livro de crónicas, ou de pequenos contos, com uma peça de teatro lá pelo meio, a pensar que iria sair dali um romance. Obviamente, também me senti desiludida devido à falta de abrangência de temas nos livros de José Luís Peixoto. Quando lemos uma data de histórias que se passam no mesmo cenário ou em ambientes semelhantes e que nos trazem personagens parecidas, ficamos - enquanto leitores - desmotivados pela ausência de novidade. Até a qualidade das histórias contadas em Cal é medíocre. Não encontrei nenhuma inovação, nenhum trecho cujas características de escrita me empolgasse, nem nenhuma ideia que me desafiasse à reflexão. Excepto um ou outro texto deixado para o final, Cal mostrou-me uma face monótona e indesejável de um dos meus escritores portugueses favoritos. Esforcei-me por gostar deste livro de JLP, mas não fiquei com vontade de lhe pegar de novo."
"Cal" deixa-me quase sem saber o que escrever! O gigante aglomerado de poesia, prosa e teatro que assenta de um jeito sublime sobre os vários romances e problemas sociais dos idosos.
A Solidão, a esquizofrenia, a doença, a vontade de não viver, o abandono, a mentalidade.... são apenas alguns tópicos que podem ser encontrados nesta verdadeira obra de arte escrita por José Luis Peixoto. A meu ver não é um livro excecional mas merece sem sombra de dúvida uma oportunidade de ser lido.
O que mais me fascina neste livro é a inexaurível capacidade que JLP revela para quase sentir aquilo que alguém com longevidade sente à flor da pele - na escrita essa capacidade é louvável!
3 Estrelas para este livro, uma vez que houve situações em que não me senti cativado a ler para além do que já tinha lido. O Teatro veio resolver o problema!
Adorei, fiquei fascinada, maravilhada e rendida com a sensibilidade do livro, com as histórias que me tocaram de uma forma tão intensa, com os poemas e a peça de teatro que é qualquer coisa de bestial. o meu coração ficou pequenino o tempo todo. Espero um dia poder vê-la em cena.
De todos os contos e histórias que li, podia dizer que não consigo destacar uma só porque todas me marcaram bastante, ainda assim, as minhas favoritas foram “A idade das Mãos”; “O Sorriso dos Afogados” “Ver a minha avó” (que inspirou a música “Cal” do João Pedro Pais), “Ti Julha” e “Viver junto ao rio”.
Um livro emocionante e tocante a todos os níveis, uma leitura imprescindível, que vos fará olhar para o mundo com outros olhos.
A compilation of short texts (mostly short stories, but also a short play and three. previously unreleased, poems) with a common denominator between them: the elders. In each of the stories Peixoto adresses several themes associated with the elderly, such as loneliness, sickness but also love (not just of relatives). Written, as usual, in a smooth a simple style, Peixoto delivers very poignant stories to which we can also relate at some levels by personal experience direct (grandparents) or indirect (news, people on the street). A touching book well worth the few hours it takes to complete, even if not as intricate as some of his other works.
Cal Um livro de contos que se lê num fôlego! Gente a preto e branco, parada em fotos no imaginário de quem viveu num país rural. Um livro que nos fica na memória por muito tempo. Um dos melhores livros de José Luis Peixoto, depois dos de poesia - onde o sinto melhor. É sobretudo um livro de memórias, não apenas as do escritor, que não me parecem fícticias, mas as memórias de todo um povo que aos poucos, vai dando o lugar aos novos, com mais mundo, mas menos história. Gostei muito!
Mesmo perfeito, mesmo bonito... A inocência da infância entende a beleza triste da velhice. Abriu-me muito os olhos para a importância de relembrar a simplicidade. E há coisas que não são verdadeiramente vividas quando as vivemos. É mais tarde, na memória e na saudade impressas na cristalização de um momento no tempo, que nos apercebemos do valor que elas têm.
Muito interessante, original pois contém poemas, contos (maior parte) e uma peça de teatro. Livro bem escrito, o tema da morte muito bem retratado, apurando-se todavia o conceito de vida. Retrato da vida no interior, num certo passado não longínquo.
Este livro reune textos que foram dados a conhecer em várias publicações e 3 que são aqui editados pela primeira vez. São muitos, mas há algo que os une, a terra. Gostei muito!
Eu estava á espera que este livro fosse diferente e normalmente até gosto de livros de contos. Contudo foi quase uma leitura indiferente pois nem desgostei totalmente mas também não gostei por ali além. É um autor que não conhecia e fiquei com pena de ter sentido que este livro foi uma leitura mheé... Talvez o mais positivo que possa dizer é que é um forma de encarar a velhice por diferentes formas, em diferentes vidas.
Que bonito é sentir a vida entre os dedos, vestir a simplicidade do interior, de saber as pessoas pelos passos. Como minhota senti este livro na pele. É de uma sensibilidade extrema navegar por temas que nos dizem tanto como a solidão, o interior, as relações familiares, o apoio. Pessoalmente sinto que a peça de teatro no meio destoa do resto, o livro teria funcionado melhor sem ela. O conto dos dois irmãos e do pai lavou-me em lágrimas. Acho que é isso que irei sempre recordar deste CAL.
"Olhe as suas filhas. Elas hão-de querer um pai ainda mais velho. "O som liso da terra interrompido por pedras. Pedras como a pontuação da tarde. Pedras pequenas como vírgulas, pedras maiores como pontos. "Fiquei toda a manhã a olhar o seu espaço vazio debaixo da árvore velha. Ele não estava lá, mas estava lá a sua ausência. O rio, a árvore, as casas todas da vila sentiam a sua falta."
Para mim, foi como se José Luís Peixoto quisesse dar voz àqueles de quem ninguém se lembra, ou àqueles de quem nos lembramos mas de quem pouco falamos, ou a quem pouco temos a dizer.
Alguns contos mais interessantes do que outros, mas todo o livro é cheio de amor.
José Luis Peixoto tem uma forma de escrever sublime. :) Adoro o tema da velhice e do fim de vida, mas houve contos que não me cativaram muito. O meu favorito até foi o primeiro da Sra com a burra e o ex prisioneiro.
José Luís Peixoto é sempre generoso nas descrições, sem maçar, deixando nos imaginar. Ao final de cada conto fico sempre com o coração muito apertado e com a sensação de que conheço melhor Galveias e tudo o que esse pedaço ribatejano do país pode representar para o autor e para quem lá vive. É sempre um prazer.
poemas, contos, e até uma peça de teatro, todos escritos com uma grande sensibilidade, que nos leva imediatamente para dentro da história, da vida destas pessoas, e que não deixa vontade de sair.