Se o deslocamento social já era um tema no seu primeiro livro de crônicas, é muito natural que Yuri trate com certa intimidade o isolamento social.Quando cada um está voltado para dentro, para o próprio quarto, Yuri ausculta os elementos que, durante a quarentena, ganham novos teores simbólicos, desde o vinho até a máquina de lavar, a poeira composta de pele humana, a luz do sol que bate na parede da sala - tudo tem contornos renovados e se ressignifica à medida que o mundo se modifica de forma brusca e inadvertida.Colado num presente que ainda carece de entendimento, A volta ao quarto em 180 dias é um livro para ser lido enquanto ainda está sendo escrito.
Yuri Al'Hanati nasceu em 1986, em Praia Brava, distrito de Angra dos Reis (RJ), e reside em Curitiba desde 2004, onde estudou Comunicação Social e Filosofia na UFPR. Jornalista e cartunista, colaborou para diversos veículos impressos e online, e atualmente escreve crônicas semanais para o portal A Escotilha. Criou, em 2010, o Livrada!, plataforma multimídia que experimenta abordagens leves na crítica literária.
Achei que estabelecer um recorte na situação pandêmica ajudou muito o Yuri: o livro acabou sendo muito mais forte do que o "Bula para uma vida inadequada". Muito bom
"Percebo que, lentamente, começo a achar o rosto humano uma aberração, uma indecência. Algo que deve permanecer no cinema e na televisão, assim como tiros e explosões. Ou algo muito íntimo, reservado para amigos próximos, familiares e amores."
Como seguidora do canal literário do Yuri há anos, este era dos livros que queria muito ler e sem dúvida correspondeu às expectativas. As suas crónicas fazem não só uma análise social geral da pandemia, abordando a desestruturação social e trauma cultural, mas expõem igualmente a experiência pessoal durante esse período, discorrendo acerca da solidão, resignação e das tentativas de restabelecer ordem interior face a um exterior incerto e incontrolável.
O autor faz reflexões bastante perspicazes sobre a sensação inicial de cumprimento e de resiliência face ao desconhecido, comparado ao comportamento comum atual de displicência - que revela das principais falhas da nossa tão moderna e apta sociedade, a falta de paciência e de empatia.
"Cansados de observar da janela do apartamento a vida passar, temos um desejo de normalidade em meio do qual se camufla a boa e velha pulsão da morte."
De todas as crónicas, destaco "As Coisas Que Deixamos Para Trás" pela nostalgia que provoca ao descrever atividades tão simples de um longínquo quotidiano:
"Ficar bêbado na casa dos outros e cantar em uníssono atonal quando alguém inventar de puxar o violão; Caminhar pelo centro da cidade depois do cinema, pensando em onde comer; Evitar armadilhas turísticas, mas cair nelas todas as vezes em que for inevitável. Se perder de propósito; O vazio das ruas experimentado como excepção e não como regra; Ler um livro no banco de uma praça, no café preferido. O vento que bate no rosto e não arrasa. "
O Yuri é um excelente cronista. Escreve na medida certa. Um texto de frases curtas que formam um texto leve e intenso (se é possível falar assim). Será que ele vai se ofender se eu disser que ele é um sulista que manja de crônica? Acho que não. A Martha Medeiros está por aí fazendo sucesso e brilhando há anos! Espero que o Yuri nos brinde sempre com livros assim. Ele é incrível.
Achei que esse livro tem maior valor histórico que literário. De fato o autor conseguiu capturar as sensações de estar vivendo uma pandemia e a escrita é boa, mas foi tão fiel ao que eu pelo menos passei que acabou que não fez nada por mim, não ofereceu um ponto de vista diferente, nem uma reflexão a mais.
*4.5 Gostei muito, vou atrás de ler o 'Bula para uma vida inadequada' também agora.
"Enquanto o sol da manhã é uma opressão que se impõe a cada minuto e nos apressa para a vida, o laranja do fim de tarde é humano como nós — se acredita imortal, mas definha gentil rumo à escuridão e cede lugar ao devir. E nos acalma, nos convida à lentidão de sua descendência."
"Decaímos a cada segundo e descartamos a sujeira seguros de que nada em nossa essência se altera com essas microscópicas perdas. Para nós, tudo aquilo que nos constitui apenas o é enquanto nos reveste e nos amplia o espaço ocupado no universo. Qualquer dissidência é descartável, asquerosa. Mal nos suportamos fora de nós mesmos."
Eu gostei mais do 1° livro do Yuri Al'Hanati do que deste. Mas também, o tema não ajudou...😅 Acabei relembrando tempos levemente traumáticos. É perceptível a evolução do autor! Enquanto em "Bula para uma vida inadequada" a linguagem começa meio truncada, aqui, está bem mais fluida.