Eva tem o diabo no corpo. Segundo corre na família, seu nome atrai pecado. A dependência afetiva pela figura materna é padrão nos relacionamentos abusivos que a narradora vive quando adulta. Agora, com a mãe morta, o casamento fracassado e um filho ausente, passa a limpo a infância e a juventude. Este é um romance magistral sobre a perda, mas também sobre o acúmulo de controle e violência que pode caber na relação entre mães e filhos e entre amantes.
Acaba de chegar às livrarias o segundo romance de Nara Vidal. Intitulado Eva, ele aborda a violência contra a mulher a partir de relacionamentos abusivos entre mãe, filha e casais. Resumidamente, uma violência normalizada e repetida, envolvendo consequências físicas, emocionais e psicológicas.
Essa situação já é visível logo nas primeiras páginas: “A primeira decepção que eu dei à mãe foi meu nome. A única vez que o pai insistiu em falar mais alto. Quis um nome fácil para ajudar na alfabetização. A vó ficou para morrer de desgosto. A mãe fez novena para pedir perdão a Deus por um nome de filha tão mundano, um símbolo de pecado. Tereza, Francisca e Rita era o que ela tinha em mente. O diabo se apossou do meu corpo antes mesmo de eu nascer. Ao chamar meu nome, minha mãe se lembrava de pecado e maldição.”
A bem da verdade, Eva cresceu com o “diabo no corpo”, não houve benzedeira nem surra que desse jeito e de tanto apanhar, aprendeu que ela era a culpada pela violência que provocava e que amor é controle, manipulação, a ponto de ser melhor desaprender como amar: “Descontrolada, acabei por engravidar. Tudo que eu pude fazer para não ser mãe eu fiz. Cheguei a tirar de mim uma vida insistente umas quatro, cinco vezes. Mas o menino nasceu, no fim. De todas as sementes, duvido que tenha sido a melhor. No fundo, nunca nos demos bem. Eu o achava bom demais para viver uma vida que prestasse. Quando passei uma noite com ele no hospital, o médico informou que era o crânio que tinha fraturado. Talvez o cérebro tivesse sido afetado. Rezei para que morresse, e essa foi minha maior prova de amor a ele. Se fosse ficar dependendo de mim, enquanto vegetasse numa cama que cheirava a mijo, com fome, tenho certeza de que eu me esqueceria dele como se esquece de um forno ligado. Mas o menino era forte e herdou de mim essa sobrevivência teimosa.”
Com um belo trabalho de linguagem e explorando a técnica do fluxo de consciência, Nara presenteia o leitor com uma fascinante personagem esférica. Eva, narradora e protagonista da própria história, está longe de ser uma heroína ou o estereótipo de uma vítima. Ao mesmo tempo, ao repetir os padrões de violência e abuso que foram aprendidos e, consequentemente, convencionados, a personagem encaminha-se para a solidão em vida, um exílio auto infringido para poder conviver com seus fantasmas: “Tive muita raiva de mim porque vinha me tornando uma senhora digna, apesar de não ter o que comer, às vezes. Mas tinha livros, muitos. Tinha música, conseguia ouvir ópera. Tinha meus pensamentos e gostava de solidão. A comida me fazia falta do mesmo jeito que o sexo me definhava. Minhas roupas eram básicas, sem grandes cores e estampas, vinham durando apesar do tempo, exatamente feito eu. Tanto tempo eu vinha durando…”
A narrativa, que a princípio foi planejada para ser um conto, desdobra-se por um caminho pantanosa, enquanto Eva passa limpo sua vida. A bem da verdade, ela representa todas as vítimas de abuso, inclusive, aquelas em que ele prima pela sutileza e mal é percebido. Essa foi a maneira que a autora escolheu para trazer à pauta um assunto até o momento pouco explorado pela literatura: as “tentativas de apagamento, coerção, ridicularização e subestimação baseadas no gênero” mediante a perspectiva da mulher.
Uma perspectiva que divide o romance em três partes: Superfície, Profundo e Fundo e como a autora explica: no momento final, certo ponto da narrativa é recuperado. “Quando o leitor chega na última linha, do “fundo”, é convidado a se lembrar do “profundo” que, na verdade, é a parte da história que lida com o destino da narradora”.
Finalmente, a escritora Nara Vidal nasceu na cidade mineira de Guarani e é formada em letras pela UFRJ, com mestrado em artes e herança cultural pela London Met University. É autora do romance Sorte (editora Moinhos, 3º lugar do prêmio Oceanos) e do livro de contos Mapas para desaparecer (Faria e Silva), entre outros. É colunista da revista Quatro cinco um.
ainda tentando elaborar como essa leitura bateu por aqui. demorou pra engrenar, mas depois foi. limites borrados entre sanidade, vulnerabilidade, violência, loucura, ausência, culpa, trauma e a vida de eva que mais parece uma lembrança ruim.
O fluxo de consciência da narradora é construído em grande parte de forma interessante - em alguns momentos, ficou meio piegas.
Nara Vidal coloca bastante psicanálise em seu texto, e em seus personagens (desejos, projeções, recalque, sonhos, simbologia), mas acho que ficou um pouco exagerado.
No mais, um livro sobre luto, sobre relação mãe-filha, que trata também de misoginia, machismo.
Obs: Achei a terceira parte (“fundo”) meio desconectada com a história principal.
Eva se realiza por meio das memórias dessa menina/mulher de nome bíblico, que para a mãe é o nome da primeira pecadora e, para sua, avó, é pessoa com o diabo no corpo. Nos conflitos entre a busca de uma vida em que é aceita e a realidade da manifestação de seus desejos, Eva avança aos trancos e barrancos, mas sempre com a memória das palavras e dos alertas de sua mãe. É na busca de fugir ao que lhe parece um jugo que toma as decisões que vão construindo uma personalidade instável, em que a violência das relações são aceitas como se fossem culpas suas, em que os sentimentos só podem se realizar quando não são diretos.
A segunda parte já nos apresenta uma Eva próxima à meia idade, vivendo os resultados dos conflitos que nunca puderam ser superados. Torna-se vítime e carrasco de si mesma, ou melhor, de sua mente enferma. E, no entanto, é capaz de gestos a estranhos os quais não é capaz de conferir aos seus.
Gostei mais da ideia do que do deenvolvimento do livro.
Como a violência da família e da comunidade pode afetar no seu modo de ver o mundo?
Segundo uma religião, quando você nasce, se torna pecador. Eva antes mesmo de nascer já era pecadora por seu nome. Enquanto todo mundo era batizado e deixava de ser pecador, Eva vivia num mundo que as pessoas abominavam sua existência. Para piorar, quando crescida, tinha uma perna machucada que, segundo as pessoas, fazia ela se tornar atrativa aos homens pelo andar.
Acabou que tanto falassem sobre isso com ela, se tornou assim. Aos poucos, vemos uma narrativa alucinadora, com relapses do passado, tornando não muito confiável se é realmente realidade ou uma alucinação da personagem.
A escrita é muito fluída. A poesia, o lirismo, me lembram "Memórias Póstumas de Brás Cubas" falando sobre a vida e a morte, já que muitas vezes mataram ela com palavras e atitudes, machucaram físicamente e emocionalmente, criando um demônio nela ao ponto dela realmente acreditar que isso existe e se virou um apêndice.
Descobrimos que Eva, apesar de odiar muitas vezes a mãe, ama ela e manda cartas mesmo morta. Quando ela morreu, descobriu um mundo além do que mãe é mãe, mas também, mulher. Vemos a amargura preencher Eva e, assim, um possível diagnóstico para esquizofrenia, explicando algumas visões, atitudes da personagem.
Temos muito luto, muita violência, muita história dentro desse relato do que a mente pode se tornar após perturbarem ela. Nunca aprendeu de fato o que era o amor, mas desejava e se negligenciava disso. Sempre machucou e foi machucada. Nunca se entendeu e, culpava seu nome. "Se fosse Rita, Teresa, nada disso teria acontecido" dizia ela.
Eu adorei! Para quem gosta de livros de romance em desenvolvimento (famoso "mulher maluca") é perfeito para compreender a mente feminina e mais ainda, sobre psicanálise com simbolos, desejos, sonhos, luto e muito mommy issues.
"impressiona-me quem tem medo da solidão: é a única coisa que me cai bem."
o diabo no corpo de eva foi criado pela própria mãe dela, que insistia em inventar em sua filha tudo aquilo pelo que ela sentia culpa em si mesma. eva cresceu infeliz, não recebeu amor, não se viu digna de amor e não buscou por ele nem mesmo quando deu à luz a um filho próprio. viveu uma vida carregada de culpa e vazia de afeto. ela não foi ensinada a amar, como poderia dar a alguém o que ela nunca recebeu, o que lhe era desconhecido, inexistente?
Li Puro da Vidal e adorei. Fiquei empolgada para mergulhar em outros livros da autora.
Porém, essa animação desapareceu já na primeira página de Eva. Que livro chato. Não há dúvidas de que Vidal escreve bem, mas esse “estilo” está saturando a literatura brasileira contemporânea. De cada 10 livros que pego para ler, 7 seguem: um fluxo interminável de sentimentos, metáforas e uma escrita excessivamente poética. Tudo isso esgota o leitor. Onde está a história? Cadê os personagens além do protagonista? E os diálogos? A ação? O conflito externo? Parece que tudo acontece apenas na cabeça do personagem. Muito blá-blá-blá.
Fico pensando se isso é uma herança de Lispector, essa tentativa de mergulhar na psique do personagem e ficar lá, remoendo-se e se deleitando. Mas há uma diferença: Lispector escrevia filosofia. Ela não se limitava à poesia pela poesia.
Esses livros contemporâneos parecem presos à estética, sem avançar para alguma outra coisa. É muito "telling, not showing". Até as situações que deveriam causar atrito não causam impacto. Exemplo: Eva, ainda criança, deixa o terço cair, e ele vai parar aos pés do padre. Por causa disso, o padre não permite que toquem os sinos, e todos saem de cabeça baixa, olhando atravessado para a menina. Por causa de algo tão pequeno, esse alvoroço? Não convence. E a questão do nome dela causar o maior bafafá... Sério? E há muitos outros exemplos.
Sobre o final:
Um dos piores finais que já li. Meu Deus. Qual era a intenção? O que acrescentou? “O diabo no corpo,” “o diabo no corpo” — e o irônico é que nada do que ela faz realmente comprova esse alvoroço todo. Ok, ela faz sexo. Com várias pessoas! Oh! Que diabo! Até entendo que, para uma família conservadora, essa promiscuidade é o cúmulo, mas a escrita não convence. O trabalho do texto seria exatamente esse. E não vai. E esse namorado violento, era para justificar algo na personagem? Me perdi. Nada a ver. Essa parte ofuscou o brilho escasso do livro.
Sabe, quando um livro se dedica a falar apenas sobre coisas ruins e sofrimentos por tantas páginas, cansa. Satura. Mesmo as pessoas mais infelizes e amarguradas costumam ter alguns momentos de felicidade (exceto se estiverem passando por um quadro clínico, como uma depressão). Parece uma masturbação de infelicidades. Para que? Este livro é realmente ruim. Um desperdício.
A única coisa positiva é que é curto, embora eu tenha demorado semanas para conseguir terminar.
Um romance sobre como os padrões em relacionamentos abusivos se repetem, tendo como base a repressão da mulher numa sociedade patriarcal. A sexualidade como algo pecaminoso, a imposição da maternidade, e como por trás de atos de amor podem se esconder uma tentativa brutal de anulação da personalidade. Temas pesados, mas com uma leitura que flui muito bem.
Sem dentes é ainda mais cômico. Há quem me veja como uma falha de caráter, uma doença, um distúrbio, um crime. Há quem me veja como um esquecimento, um problema, uma ausência. Há quem não me veja. [...] Descascando quem eu sou, tento meu desaparecimento. Fui enfim esquecida. Depositada aqui, ninguém se lembra de mim. (p. 93) ________________________________________________________
Evite o sexo, tenha culpa no prazer e será desejada, levada a sério, terá um casamento feliz. (p. 74) _________________________________________________________ Sobre maternidade e dia das mães: [...] Mas naquelas celebrações forçadas éramos violentados, arrombavam nosso desejo de distância, de frieza, num desrespeito descomunal, e tentavam inaugurar uma vida melhor entre nós. O que as pessoas sabem da vida alheia é tão pouco ou nada que o ridículo de festas assim se alastra rapidamente para uma espécie de violação emocional. (p. 42) __________________________________________________________ Que suplício o amor. O amor é sim um ato solitário. Só se sente amor sozinho, e por isso me casei e tive um amante: para ficar a sós comigo. (p. 17)
A obra: narrativa justa. Não há motivos, as coisas acontecem e só. Há uma negação do desejo feminino, contido já no nome - Eva - da sexualidade feminina, manifestada desde a infância porque sim, por que há desejo de vida, apenas explicada como possessão demoníaca e rigorosamente punida e exorcizada. Um tema comum é a relação mãe e filha, um amor incapacitante, controlador e mesquinho. Não sabemos o que essa mãe faz (ou deixa de fazer), a mãe de Eva, e em poucos momentos ouvimos sua voz - o que se escuta é o eco da voz materna no discurso de Eva. E a mãe, num contínuo de ausência e presença, morte e vida, é tão potente que apenas sua evocação é o suficiente para diluir os contornos da protagonista. Eva se dilui na loucura, na inadequação e no desamparo, este último único lugar a que lhe foi permitido existir. No caso de Eva, desistir, foi seguir a vida.
Eva é a narradora do livro e já inicia a estória explicando sobre o peso de seu nome, escolhido pelo pai a contragosto da mãe. A mãe de Eva é uma figura dominadora e manipuladora, juntamente com a avó desde a infância dizem que Eva nasceu com o diabo no corpo, e tudo de errado que acontece é culpa da menina. Eva cresce, casa, comete seus pecados, tem filho e separa. Ela chega aos 50 anos completamente sozinha e sem saber quem é. Casou-se para sair de casa e teve um filho sem ser a sua vontade. A dominação e dependência da mãe a acompanha em todos os dias da vida, nas lembranças do dia a dia, em sonhos, em todos os momentos da vida. Sua mãe morreu quando Eva estava grávida do único filho e a mesma não soube viver esse luto. Em um momento do livro ela tem essa obsessão com Ana, que como Eva também perdeu a mãe mas vive seu luto de maneira saudável ao contrário de Eva que se sente culpada e um vazio pela morte da mãe. Eva vive em um mundo de delírio com o tule que cobre a cortina, com o telefone que toca o tempo inteiro, com as mulheres desdentadas que se ocupam na sua sala. É um livro sobre castrações femininas e desejos não realizados e seus efeitos.
Eva é um livro muito forte, acho que um dos mais fortes que já li. Você se sente deteriorando com a personagem em meio às suas alucinações, a leitura te penetra tanto que as vezes você se pega assustando-se com tamanhas palavras e pensamentos e até mesmo ações. Eva cresceu em meio a uma toxidade religiosa anormal, já com seu nome, sua família a determinou como maldita, endemoniada, com um "diabo" dentro de si. Isso nunca saiu da personagem que passou sua vida perturbada com tais coisas que já ouviu de sua mãe mesmo quando ela já não existe mais. Eu devorei este livro em menos de um dia e recomendo para quem gosta desses temas mais psicológicos, pois em determinados momentos se assemelha até à um terror psicológico.
Esse livro é a definição da citação do Lacan: “Também o sujeito, se pode parecer servo da linguagem, o é ainda mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar já está inscrito em seu nascimento, nem que seja sob a forma de seu nome próprio.”.
Muito interessante a forma como a relação entre mãe e filha é retratada e a única saída de Eva é a subversão que a custa tanto. De certa forma me lembrou o enredo de Véspera. O início e o fim do livro são imperdíveis, mas ele fica meio cansativo no meio. Foi uma boa leitura e quero ler mais Nara Vidal.
“Que suplício o amor. O amor sim é um ato solitário. Só se sente amor sozinho, e por isso me casei e tive um amante: para ficar a sós comigo.”
QUE LEITURA TÃO DURA! Apanhou-me numa altura complicada, também. Mas dei por mim a ter de pausar a leitura deste libro várias vezes. A data de início está 6 de maio, mas na realidade eu comecei a tentar lê-lo no final de janeiro... e depois em meados de março... Mas a 2ª parte do livro batia-me sempre que nem um murro no estômago. Mas a escrita é muito poética. E é tão interessante seguir esta "unreliable narrator", que aos poucos e poucos continuei a ser puxada para a história, até que um dia me agarrei ao livro e só parei quando acabou.
Narrativa poderosa, cheia de simbologia. Um livro forte e que traz o tema da manipulação e do controle como formas de amor aceitáveis na nossa cultura. Já conhecia o trabalho da autora com o excelente Mapas para Desaparecer e com Sorte que venceu um Oceanos. A escrita da autora não é para os fracos, e em Eva ela pode dar um nó no leitor que apressa a leitura. Leitura exigente e muito bonita.
leitura rápida e eu esperava muito mais. achei uma aula de como se escrever uma narradora não confiável, mas algo se perde na loucura de Eva que não afeta só ela como personagem, mas a inteireza do livro. não entendi bem a necessidade da terceira parte, teria sido ótimo se terminasse na segunda. a terceira dava um caldo pra outra história, outro livro.
Tanta amargura que me deu dor de cabeça. Me vi preso num loop de abuso materno, que se repetia a cada carta lida por Eva. Nunca vou deixar de aplaudir obras com personagens tão reais e humanos.
na maravilhosa escrita da nara, a potência de uma personagem subversiva no próprio ato de existir, de ousar ser. o peso e a complexidade de carregar esse nome.
esse livro é o puro suco do gatilho, mas eu adorei. mexeu comigo, me perturbou. nunca tinha lido nada tão consistentemente amargo - a amargura, aqui, chega a um ponto desconcertante. é brevemente interrompida, às vezes, mas volta, afiada, dilacerante, condensada numa massa da qual só se distingue isso e a infelicidade. top 3 livros sobre mommy issues.
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