Seguimos Beno a par e passo, escutando-lhe as narrativas, as paixões efémeras, a vida boémia, as noites de amor e de diálogos secretos.
"Naqueles anos, todos eles se tinham movido sem saberem muito bem se acordariam na manhã seguinte. Viviam numa febre constante, numa vertigem, num excesso permanente. Era preciso viver depressa e morrer, de preferência, ainda jovem. Nenhum deles alimentava projectos ou ambicionava fosse o que fosse. Era-lhes indiferente estar vivo ou morto. Mantinham-se nesse lugar mal iluminado e sem saída: a vida. Uns tinham fugido de casa dos pais, outros tinham-se exilado voluntariamente do mundo. Viviam espalhados por apartamentos de subúrbio, ou tinham viajado para países distantes de onde raramente regressavam. E, dos que ficaram, nenhum possuía uma ideia precisa daquilo que seria necessário fazer para não sucumbir em tamanha desolação. Nenhum deles tentara sequer explicar aos outros que estranho vazio que se apoderara de si. Restava-lhes a amizade e a cumplicidade de alguma paixão para resistirem ao caos devorador da cidade, e à moleza quase beata da ‘geração’ a que se recusavam pertencer", escreve Al Berto em "Lunário".
Al Berto, pseudonym of Alberto Raposo Pidwell Tavares, was a poet, painter, editor and cultural worker.
He was born in an high class burgeois family (with english origins from his grandmother). A year later he moved to Alentejo and in Sines he gets through all his childhood and teenagehood until his family sent him to the arts school António Arroio in Lisbon.
14th of April 1967, he went to study paiting in Belgium at the École Nationale Supérieure d’Architecture et des Arts Visuels, in Brussels.
After getting his degree, he decided to abandon painting in 1971 and get dedicated exclusively to writting. He comes back to Portugal at 17th November 1974 and at that time, writes his first book entirely in portuguese, Á procura do Vento num Jardim d'Agosto".
O medo, an anthology of his work from 1974 until 1986, is edited for the first time at 1987. It became his most important masterpiece and his definitive artistic testemony.
He left some incomplete texts for an opera, for a photography book about Portugal and "a false biography, as he called it.
For more information, in portuguese, go to: Wikipedia.
“Não sei... talvez coisas de bêbedos. Nada que tenha verdadeira importância.” Esta frase sintetiza bastante bem a impressão com que fiquei da segunda vez que li “Lunário”, há dois anos. Um grupo de pessoas que vivem sob o efeito de drogas e álcool mas que se admiram bastante ao verem-se gradualmente a enlouquecer e a perder a noção da realidade. Homens e mulheres que parecem viver num eterno cio, sem muita coisa com que se preocupar a não ser onde se vão masturbar a seguir e com que ideia vão deprimir ou qual será o motivo que vão inventar para sair da cidade e passar umas semanas de férias com a desculpa do “auto-conhecimento.”
Já da primeira vez que li o livro de Al Berto, aos 19 anos, o meu coração parou. Bebi toda aquela poesia, o imaginário de seres etéreos, que se alimentam de sonhos e sensações, que pairam numa existência decorada de figuras oníricas e intercalam dimensões de cores e desenhos a que só acedemos através dos sonhos. Lembro-me de ler e reler a última página, de sonhar com Beno e Nemú, de achar o auge do romantismo toda aquela abdicação, aquela existência que só avançava pela força dos sentimentos.
Hoje, li “Lunário” pela terceira vez. E decidi brincar um pouco com um livro que me despertou opiniões tão diferentes. É deprimente? É. É um grupo de pessoas que, caso tivessem uma loiça para lavar ou um irs para fazer, não viveriam tão angustiados com problemas totalmente imaginados e evitáveis? É.
Mas também é poesia, e que direito temos nós de exigir que a poesia se canse de ser poesia e passe a ser o mundo real? É um livro altamente datado, que dirá pouco a quem vive a sexualidade em 2020 mas que representa a forma como uma geração (que hoje terá 50, 60), viveu a diferença em idade jovem. O mundo era tão feio, tão violento, que para eles mais valia mesmo inventar sonhos e delirar.
Hoje, “Lunário” é para mim uma referência disso mesmo: pessoas com tempo para pensar, dinheiro para gastar (ao contrário das outras duas vezes que li o livro, desta vez imaginei-os a morar em “T0+1 luxury prime apartments” do centro de Lisboa e bastante desafogados) mas a lidar (mal) com as suas diferenças, e a reagir a um mundo opressor da pior maneira possível: com muito álcool e droga. Mas tudo regado com muita poesia.
Não é, claro, a primeira leitura que se faz destas personagens. Mas já era a minha terceira vez com aquele grupinho e apeteceu-me brincar um pouco com eles.
"Um dia, quando a minha memória de homem fugitivo alcançar a idade de um deserto, debruçar-me-ei num poço e tentarei beber o tempo esquecido do teu rosto. Estarei lucidamente morto, eu sei, e os meus olhos já não prenderão a adolescência, nem as imagens que dela se soltaram. E a minha cegueira surgirá cercada por frondosas árvores e pássaros, mas não os verei mais. O rosto, o teu rosto, já não conseguirá atrair-me para o fundo circular do poço.
O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se perdeu contra o meu corpo.
Por isso me ergo daqui e atravesso estas imagens coladas às paredes, e ao atravessá-las descubro que estou perdido, e condenado também a perder-te.
Levanto-me do fundo de mim mesmo e abandono a casa, os bens que herdei, e vou pela memória daqueles vestígios que se me cravaram no interior das pálpebras, mas não semeio nem recolho nada. Apenas persigo os passos que outrora abandonei pelas cidades onde te procurei, antes mesmo de saber que existias.
E perco-me, perco-me onde a sombra dos corpos é um sudário de melancolia sobre o mar. Mas, ainda aqui estou, quase vivo, atento ao movimento perene de tuas mãos sobre o meu corpo. E sem bússola, nómada até aos ossos, sigo pela noite onde aportei, e não reconheço a casa que me destinaram para morrer.
(...)
As cidades seduziram-me com imagens de abismos subterrâneos, vertigens de esperma que se vende, compra e troca. E sonhar com essas cidades de medo e fascínio é ainda uma maneira de saciar parte do desejo que me assola. Mas já só existo no que de mim se cristalizou nas palavras, e é tão pouco...
De imobilidade em imobilidade a vida avançou, avançou por ininteligíveis iluminações. Hoje, neste fim de século, desloco-me sem saber como dentro das fotografias que revestem as paredes deste quarto. E é-me indiferente estar aqui. Sempre que posso fujo, fujo no olhar que cegou o meu. Porque eu fujo e vou com tudo aquilo que me chama e toca. Vou com o azul dos olhos do marçano ali da esquina, vou com as folhas das árvores no outono da minha rua, vou com a noite à procura da manhã sobre o rio. Vou pelos arranha-céus acima e contemplo dos altos terraços o sono esbranquiçado dos mortos. Vou com o teu corpo que me desgasta a memória doutros corpos e me transforma em esquecimento... vou, vou sempre, pela humidade dos cardos presos em tua boca.
Abro depois as mãos, e não há mar nas suas linhas, nem barcos que venham descansar na ponta dos dedos, e a linha do coração - repara - é uma calosidade. E por uma noite da imensa cegueira, quando já morar definitivamente em ti, abandonar-te-ei... à hora dos répteis recolherem o calor nas fissuras do tempo.
São poucos os livros que no final me apetece ler outra vez. Este é um desses livros. Sei que o vou fazer, provavelmente até mais que uma vez. Este livro é um mimo. Um verdadeiro banquete de poesia. Não vou dizer mais nada... não é preciso.
UAU!
Nota final: Se porventura pertencerem ao grupo de imbecis que defendem a homofobia, aviso desde já que este é um romance vincadamente homossexual. Com toda a certeza não conseguirão reconhecer nela uma belíssima história de amor. Se for esse o caso, não leiam este livro. Vai ser areia demais para a vossa camioneta intelectual. Considerem-se avisados.
"De imobilidade em imobilidade a vida avançou, avançou por ininteligíveis iluminações. Hoje, neste fim de século, desloco-me sem saber como dentro das fotografias que revestem as paredes deste quarto. E é-me indiferente estar aqui. Sempre que posso fujo, fujo no olhar que cegou o meu. Porque eu fujo e vou com tudo aquilo que me chama e toca. Vou com o azul dos olhos do marçano ali da esquina, vou com as folhas das árvores no outono da minha rua, vou com a noite à procura da manhã sobre o rio. Vou pelos arranha-céus acima e contemplo dos altos terraços o sono esbranquiçado dos mortos. Vou com o teu corpo que me desgasta a memória doutros corpos e me transforma em esquecimento... vou, vou sempre, pela humidade dos cardos presos em tua boca. Abro depois as mãos, e não há mar nas suas linhas, nem barcos que venham descansar na ponta dos dedos, e a linha do coração - repara- é uma calosidade. E por uma noite da imensa cegueira, quando já morar definitivamente em ti, abandonar-te-ei... à hora dos répteis recolherem o calor nas fissuras do tempo. Intacto, irei à procura do merecido repouso."
O único arrependimento que tenho em relação a este livro foi não o ter lido mais cedo. Perdi-me na escrita maravilhosamente poética de Al Berto. Senti-me despida e tocada na alma com cada página. Senti em cada sílaba, que o escritor entrava na minha mente e me despia aos olhos do mundo. Bravo Al Berto. Bravo. Obrigada por me meteres inspirada e com os olhos molhados prestes a precipitarem-se. Obrigada por me colocares desconfortável e melancólica de um modo tão inteligente. Obrigada por esta obra de arte.
"Fornicar - pensava Beno -, fornica-se com quem quer que seja, ou com quem seduzimos ou desejamos. Mas dormir, dormir é muito mais complicado, leva tempo até se perder o medo de entregar o corpo, assim ... ao outro. E a lassidão dos corpos abandonados aos segredos do sono um do outro ... é bela!"
"Tudo vem ao chamamento. Penso mar, e o mar enche-me a alma e as mãos. Balbucio cal, e na pele do tempo cresce uma casa onde não viverei, ergue-se uma cidade de melancolia na incerteza dos punhos, e nela nos ferimos. Digo sol, e quase cega consigo tocar-lhe. Só por ti clamo, e não te acendes, nem regressas, e me queimas." "Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar "amo-te" pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."
A decadência humana, corpos e almas sem nome, a noite dos tigres nocturnos; A paixão e o seu máximo esplendor em contraste com a ausência da mesma e o vazio quase palpável que a mesma deixa; Prosa tão fortemente poética, um livro que levamos na alma
Lunário de Al Berto Nesta Obra vamos encontrar Beno, um homem devorado pela solidão e é através dele que vamos encontrar o ambiente da noite nos anos 80/90 os engates de rua,prostituição, droga muito álcool e a morte ao virar da esquina. Só, sentado num quarto de pensão, vai desenrolando o seu drama pessoal, memórias da mulher Alba com quem viveu e viajou e teve um filho, Nému um rapaz que conhece e de quem nunca chega a saber o verdadeiro nome, apesar de terem vivido juntos vários anos, Kid, um travesti cuja personalidade, vai fundindo o masculino e o feminino, Zohía, com as suas alucinações que acabam por levá-la a um hospicio, Alaíno companheiro de Zohía, que acaba por ter que lidar com o desaparecimento dela e de um casal que gostava de assaltar casas apenas para ter sexo em camas alheias. Por mais que possa encontrar alguma estabilidade, a vida de Beno caminha sempre para uma espécie de perdição, de vazio, de solidão e separação do próprio corpo. Aliás, o narrador diz-nos logo no princípio, “o corpo magro que transportara de um lado para o outro, sem descanso, fora sempre a sua única morada.” Com uma escrita em prosa e muito poética Al Berto leva-nos a seguir duas ideias a de que Beno é um sujeito que na realidade não pode existir tal o nível de depressão e solidão, e o seu contrário porque Beno, ou “Lunário”, não é exactamente um deserto, a vida dele é construída sobre um vai-e-vem de pessoas,que conforme chegam assim acabam por sair, ou por se perder de alguma forma. Al Berto é exímio nas muitas descrições sexuais e no ambiente em bares e nas ruas tipico desses anos mas acima de tudo na maneira como nos apresenta a tristeza e o isolamento que tudo isto causa no interior do seu personagem. Um livro com traços autobiográficos, onde escreve sobre álcool, droga e sexo , com a mesma ternura que descreve o amor a paixão e a dor.Desde a primeira página até à última senti-me completamente despido pelas palavras que ia lendo. Uma sensação de tristeza e alegria um misto de agonia e respirar fundo, foi um regresso aos meus 18/20 anos e soube muito bem andar por lá. "Lunário "vai ficar encastrado em mim para sempre. Leiam vale muito a pena...
“O dia começava a morrer. A espuma das ondas tornara-se quase vermelha, a água ardia. Beno sentiu-se envolto numa espécie de torpor que o cegava. Olhava o mar, pressentia-o mais do que, na verdade, o via. E tudo o que via, afinal, não era senão uma mancha azulada estendendo-se a perder de vista, metalizada e ondulante, onde o crepúsculo derramava breves incêndios.”
Este livro… Já o tenho na minha estante desde o verão e só agora me dignei a pegar nele… Faço sempre isto. Nossa senhora! A escrita deste livro é bonita e delicada de uma forma que nunca tinha lido; usa objetos e cenários comuns, coisas banais que ninguém diria terem potencial de sonho, e por serem incorporados nesta escrita de deambulações feitas por pessoas da noite abandonadas à luz do dia, tornam-se relíquias. As frases e as descrições das memórias de Beno são escritas como ondas, literalmente ondas, com ritmo e padrões, que acabam por quebrar no final de cada parte do livro. E toda a história deste livro parece existir num mundo à parte, onde tudo é rodeado por treva e apenas se conseguem ver instantes das vidas das personagens; tudo menos as memórias descritas é escuro e desconhecido, e o leitor não tem acesso a muito mais, não tem contexto, não tem um mundo real onde inserir estas personagens. Apenas pequenos espaços em pequenos momentos, mas que são tão belamente descritos que parecem sempre encher o espaço que lhes é dado para existir. E neste mundo feito de instantes, todas as personagens são poetas, todas elas falam como se a vida fosse um palco e cada palavra uma oportunidade de criar arte, como se eles soubessem que cada palavra e frase sua será parte da única oportunidade que eles têm de existir (no livro) e como se não estivessem dispostos a sacrificar a beleza do sonho em que vivem pela razão do mundo real, mesmo que isso faça os seus diálogos parecerem pouco naturais - “Mas já só existo no que de mim se cristalizou nas palavras, e é tão pouco…”
De certa forma, estas personagens parecem viver entre o sonho e a realidade. Por vezes num, por vezes noutro; sempre algo perdidas e sem sentido de pertença; a única lealdade e comprometimento que têm é dado a outras pessoas; mas sempre se sentindo abandonados, como se residissem no vazio, ou num limbo interminável e constantemente tentando escolher entre ser real ou ser infinito, em que a única estabilidade são aqueles que consigo partilham este viver de submundo.
E durante toda a estória nunca parece existir espaço ou tempo suficiente para alojar toda esta melancolia e solidão de ter de existir na sombra do mundo.
Várias passagens relembraram-me de vários outros livros que adoro, como Noites Brancas, The Picture of Dorian Gray, Os Cús de Judas, Survivor, The Great Gatsby.
A sabedoria popular apregoa que “a noite é boa conselheira”. Quiçá a penumbra e o silêncio, a ela associados, facilitem uma clara auscultação do que vai cá dentro. Este íntimo diálogo interior, em solidão aparente, é, no entanto, testemunhado pela senhora das trevas: a maga Lua, tão encantatória com as suas diferentes fases, tão enigmática com a sua face oculta. Alumiados por ela, uma transfiguração é perceptível, com a do chamado lado lunar.
De potencial inspiração autobiográfica, o anjo caído Al Berto cerze um ror de vidas errantes, cuja única nação é o próprio corpo. Contra as normas constritoras da sociedade, estas criaturas noctívagas, quais vampiros, iniciam uma fuga, alimentada pelo âmago de cada um, numa orgia abissal que consome qualquer réstia de energia. O que fica? Um céu sem estrelas, melancolia pura num vazio interior a exigir redenção, concedida por um regresso ao zero, real ou hipotético, semelhante a um Big Crunch.
Através de um brilho baço (de esperma?), característico do autor, constrói-se uma narrativa aos solvancos, carregada de analepses e memórias, ou meras “tripes de heroína”, que dificultam a tarefa de montar o puzzle. No entanto, a sobrevalorização surge com as reflexões imersivas, carregadas de um tom filosófico provocante. Qual metamorfose, também o leitor sofre uma transformação ao longo da leitura - de um tigre com olhos de rubi para uma borboleta de asas de jade, ou vice-versa. Nem sempre visível - culpa dessa escuridão que amansa a noite…
Al Berto escreve muito bem, os poemas são lindíssimos. No entanto, este livro é deprimido e depressivo. Não gostei nada. Este personagem, Beno de seu nome, é o ser mais desesperançado, desalentado, deprimido e depressivo que já li. Bom para curtir a fossa, este livro. Como não estou para aí virado... Next!
pensar nas frases que em cadência doce se dobram umas nas outras para pintar o relato de melancolia de um final é um ponto dúbio entre a profunda admiração e o ciúme de saber que o autor destas páginas viveu e escreveu tanto, tanto
Este é, sem dúvida, o livro que li mais vezes. E a cada vez fica mais extraordinário, só Al Berto o conseguiria fazer. Todos estes anos passados e ainda não encontrei as palavras certas.
Gostava de poder sentir o que «Beno» sente e não sente, o que viveu e recordou e o que lhe faltou viver e recordar. Queria mudar-me para o corpo dele, para o pensar dele. Beber um copo e ouvir Velvet Undeground no «Lura». Conhecer «Alba... Silko... Zohía... Kid... Alaíno... Nému» e desfrutar sozinho, com eles, ao deus-dará a noita e as cidades.
Amores e desamores, memórias e perdas delas, encontros e desencontros.
Não é que eu tenha uma vida má, sem sabor, sem experiências, sem nada que me faça gostar dela.
As fases da lua vão dividindo o livro nas diferentes etapas da personagem principal,
Muita simplicidade na escrita, fluída e nada aborrecida, onde é contada a história de Beno e dos seus amigos, pessoal que vive no momento sem se preocuparem com destinos.
..'Nenhum deles alimentava projetos ou ambicionava fosse o que fosse. Era-lhes indiferente estar vivo ou morto. Mantinham-se nesse lugar mal iluminado e sem saída: a vida'
After reading Proust, this book was really a breath of fresh air.
I've been waiting to read Al Berto for ages and I got impressed with his writing style and plot. There is some sort of darkness into his characters even though everything is involved in a cloud of lightness and pretension to evolve into a free mind-set. It is very poetic and beautiful.
Com este livro, consegui sentir a angústia que o autor quis passar, creio. Há uma agitação interior e exterior permanente na vida de quem não pode ser quem é na sua totalidade. Se hoje em dia, é uma ideia que (felizmente) parece estranha; na altura, era um modus vivendi de fuga, vertigem, excesso, anseios e sonhos destruídos sem razão que se justificasse.
Assistimos aos processos de metamorfose de várias personagens. Beno, Nemúr, Alba e o filho Silko, entre outros. Constantes viajantes e apátridas. Nómadas e fugitivos. A vida de um homossexual nos anos 80, numa sociedade preconceituosa, era uma vida incompleta.
Temos episódios de confronto com a morte, o suicídio de Kid; com a loucura com o caso de Zohía, internado aos 22 anos, já com uma vida repleta de drogas e alucinações; com o amor por si mesmo, sem olhar a géneros, quando Beno diz que pode amar qualquer pessoa, independentemente do seu sexo.
É um livro triste, sem consolo nem redenção, não há espaço suficientemente grande para passear a melancolia desta vida, como diz uma das personagens. Se, por um lado, pode parecer demasiado deprimente, até violento, ou melancólico em excesso visando apenas numa parcela da vida, a verdade é que, acredito, a nossa identidade tem um impacto em qualquer área, em qualquer forma de viver, em cada dia.
Vi, sim, passagens em que parece que o autor quer chocar porque sim, gratuitamente, e que não faz sentido organicamente com o livro. Numa forma completamente estranha ao livro.
Lunário retrata os encontros e desencontros de um grupo de amigos e conhecidos que se movem por um mundo decadente de excessos. Entre amores fortuitos e uma ou outra relação que se prolongou no tempo, ficam marcas profundas com as quais as personagens têm dificuldade em lidar. É um universo atravessado por drogas, álcool e prostituição, alimentado por uma liberdade sexual e de género escolhida como forma de existência - e, talvez, de fuga. São personagens errantes que não procuram verdadeiramente um lugar no mundo nem um sentido último, apenas o prazer imediato. Ainda assim, em alguns deles - incluindo Beno, o protagonista - existe o desejo de deixar um legado artístico e emocional, como forma de não cair no esquecimento.
Trata-se de uma obra claramente autobiográfica, que revela muito do estado emocional, dos pensamentos, dos afectos e das amizades de Al Berto e da comunidade de Montfaucon. Esse carácter confessional torna a leitura particularmente interessante, quase íntima. Ao mesmo tempo, Lunário é um livro profundamente melancólico e reflexivo, construído a partir de imagens metafóricas intensas, que aborda temas difíceis como o abuso de substâncias, a liberdade vivida até ao limite e a doença mental. Não é uma leitura leve, mas é uma obra honesta, sensível e marcada por uma beleza triste que permanece depois da última página.