O Cão e os Caluandas lança um olhar inteligente sobre a realidade do pós-independência de Angola, e retomam algumas obsessões mais frequentes da literatura a busca das raízes de uma identidade nacional, a dualidade tradição/modernidade e o lugar
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos is a major Angolan writer of fiction. He writes under the name Pepetela.
A white Angolan, Pepetela fought as a member of the MPLA in the long guerrilla war for Angola's independence. Much of his writing deals with Angola's political history in the 20th century. Mayombe, for example, is a novel that portrays the lives of a group of MPLA guerrillas who are involved in the anti-colonial struggle, Yaka follows the lives of members of a white settler family in the coastal town of Benguela, and A Geração da Utopia reveals the disillusionment of young Angolans during the post-independence period. Pepetela has also written about Angola's earlier history in A Gloriosa Família and Lueji, and has expanded into satire with his series of Jaime Bunda novels. His most recent works include Predadores, a scathing critique of Angola's ruling classes, O Quase Fim do Mundo, a post-apocalyptic allegory, and O Planalto e a Estepe, a look at Angola's history and connections with other former communist nations. Pepetela won the Camões Prize, the world's highest honour for Lusophone literature, in 1997. Pepetela is a Kimbundu word that means "eyelash," as does "pestana" in Portuguese. The author received this nickname during his time fighting with the MPLA.
Com Pepetela aprendo sempre um pouco mais sobre Angola. Nesta obra aprendi um pouco mais sobre Luanda e sobre os seus habitantes, os Caluandas. Este é apenas o terceiro livro que leio deste autor, mas a bagagem proporcionada pelos anteriores permitiu-me adentrar-me na narrativa e sobretudo na sua linguagem, repleta de termos e expressões do português angolano, sem que isso se revelasse uma grande “maka”. Tal como o título indica, esta obra, uma das primeiras escritas por Pepetela, segue as pisadas de um cão, um pastor alemão que deambula pelas ruas de Luanda sem trela nem dono e que se vai aproximando de um número significativo de pessoas com quem se cruza. Não pede nada, deixa que lhe afaguem o lombo, segue a pessoa para onde quer que ela vá, instala-se temporariamente na sua vida, recebe mimos ou patadas e um dia, sem que ninguém saiba porquê, desaparece e segue o seu rumo de cão sem dono. Mas deixa sempre marca naqueles com quem se cruzou e é essa marca que o autor tenta registar nas páginas da sua obra, interpelando um poeta de rua, um primeiro-oficial, um operário fabril, tendo acesso a atas, a um argumento de uma peça teatral ou falando com o mais comum dos caluandas. Através destes testemunhos, vamos ganhando simpatia e fascínio pelo canídeo ao mesmo tempo que vamos compreendendo a sociedade angolana dos anos oitenta, recém-saída da dependência colonial. Todos aclamam orgulhosamente essa libertação de um jugo de séculos, todos continuam a apontar o colonizador como culpado de todos os males que lhes aconteceram ou acontecem. Mas todos (e isso vamos captando através da escrita do autor, suave e paradoxalmente irónica e humorística) vão demonstrando o longo percurso que Angola teria que percorrer como jovem nação independente e exemplificando vícios e erros que infelizmente perduram nos dias de hoje, mais de trinta anos depois – o suborno, a corrupção, a disparidade entre as classes sociais e as consequentemente distintas condições de vida entre um camarada diretor e um camarada empregado fabril. A obra, para além dos testemunhos reunidos pelo autor sobre a passagem do cão na vida de alguns caluandas, apresenta uns capítulos escritos em itálicos intitulados “buganvília” e que relatam a vontade de uma família (que casualmente – ou não – tem um cão) em criar uma quinta numa localidade perto de Luanda e que lhe possibilite enriquecer com os produtos que cultivam aí. Junto à casa da quinta, plantam uma buganvília que crescerá a um ritmo voraz, espezinhando tudo o que esteja à sua volta e devorando terreno e as paredes da casa. Confesso que não entendi muito bem o propósito desta parte. Talvez o autor queira simbolicamente associar a voracidade da buganvília à voracidade e velocidade com que a corrupção e a desigualdade abocanharam e se assenhoraram da jovem nação angolana, o quanto a sua semente parecia, à partida, insignificante e inofensiva e num ápice esmagou tudo o que se lhe apresentasse à frente… Talvez seja esse o significado destes capítulos em itálicos, talvez não seja em absoluto esse o seu significado… Ficarei eternamente na dúvida. Foi uma leitura agradável. Simpatizei imenso com o cão, adoraria poder afagar-lhe o pelo e seguir as suas deambulações. Gostei do registo inovador que preenche grande parte da narrativa, traduzido em testemunhos de diversas proveniências e em interferências pontuais do próprio autor. Gostei de saborear, uma vez mais, a língua portuguesa temperada com expressões e vocábulos angolanos e sentir-me satisfeita por não ter que recorrer, com a frequência que havia feito em leituras anteriores, ao glossário presente no final da obra ou a um dicionário online. Porém, não gostei muito de tropeçar com ideias e factos de forma repetitiva – eu sei que a corrupção e o suborno são gigantescos em terras caluandas, mas já sei disso desde que comecei a ler autores angolanos. Também não gostei muito da parte intitulada “Buganvília”, sobretudo porque não entendi bem o que a mesma significa ou representa. E por fim, refiro que não gostei muito das últimas partes – as que poderemos apelidar de epílogo – porque me deixaram baralhada e sempre certezas nenhumas sobre o que havia lido até aí. Bule-me com os nervos tudo aquilo que não consigo entender com clareza, tudo aquilo que saia de alguma forma do concreto, passe para o lado fantástico e não entre no meu entendimento. Enfim, uma leitura interessante. Não a melhor, no meu ponto de vista, que fiz de obras de Pepetela, mas uma leitura que os amantes de autores africanos e de narrativas onde o real anda de mãos dados com a fantasia devem ter em conta.
Um retrato da sociedade luandense pós-independência contado a partir do rasto de um pastor alemão... é uma perspetiva bastante original. Gostei bastante da investigação, do formato das recolhas e nem me interessa saber o que é verdade ou ficção, se o cão é sempre o mesmo ou não, pergunta aliás, que eu nunca coloquei, porque parece realmente que o canito tem uma "personalidade" bastante peculiar, e não me admirava muito se conseguisse estar em dois sítios ao mesmo tempo, ou viajar centenas de km num só dia (se atravessa o rio de ferry, também facilmente entra no carro de alguém à boleia e à aventura). Parti o côco a rir com os despachos que levam meses a ser despachados, a pontos de as vacinas passarem de prazo (e o proponente levar uma censura escrita pela proposta não ser concretizável!) com o cão estrela de futebol e do desfile de carnaval (ainda mais porque no dia em que li isso era terça-feira gorda e no corso onde fui mascarada de cupido havia também um cão mascarado, que não sendo pastor alemão, poderia ter tido algum antepassado dessa raça, quem sabe, o próprio Lucapa, também chamado por alguém de Cupido, e sem dúvida que nesse departamento, consegue ser mais competente que eu, pois é um espalha-amor!)! Gostei de conhecer a teoria dos mulatos "judeus" e a sua história, pena não saber de que escritor se trata, era capaz de espreitar alguma coisa escrita por ele. Bem sei que a buganvília é infestante e tal como os embondeiros, é preciso ter cuidado com ela, ir podando, mas é uma trepadeira bonita e perfumada. Haja espaço, cão e planta conviverão em harmonia (tenho provas disso). O que pergunto é o que fazia o escritor em cima da árvore na história dos dois amantes e da toninha, isso é que eu gostava de saber!
Leitura com leveza mas a percepção de tantas pequenas coisas. Muitos sorrisos. O tom coloquial a transportar-me para cantos de uma Angola que não conheço mas que nos é tão próxima. Sentir a portugalidade nostálgica ali deixada em tempos difíceis, num país que procura refazer-se, independente. As histórias de um cão na mão de tantos donos, por eles contadas. Conquistou-me, este meu primeiro encontro com Pepetela. (http://www.debdiletante.com/2016/08/0...)
(PT) Pepetela conta a história de um cão, um pastor-alemão, no Luanda dos primeiros anos pós-independência. São contos com episódios do dia-a-dia da metrópole angolana, passados em 1980, onde a população tenta viver em tempos dificeis, onde se observa de tudo, desde esquemas para sobreviver até às "burrocracias" onde se tenta avançar "em nome do socialismo".
Ao Narrador interessa-lhe as aventuras desse cão que perturba a pacatez de imensa gente nessa metrópole, e que de uma certa maneira, se torna no herói improvável de muitas situações. E é aí que se vê um pouco como é a natureza humana.
(EN) "O Cão e Os Calundas" tells the story of a dog, a german sheperd roaming in the city of Luanda during the first post-independence years. The story, told in a series of short stories, tells all of its adventures, during the comiinuist days of Angola, where people tried to survive making all possible schemes, like all in the human nature. All in a well-written and humored way.
Uma boa frase para ilustrar o 25 de Abril é de Pepetela: "A sinceridade é o primeiro princípio do marxismo e informar com verdade é fazer a Revolução".
Virando radicalmente de assunto, mas mantendo-nos no mesmo livro, retirei esta frase singular: "Quando um casal começa a cansar-se de o ser, tem de aparecer o terceiro elemento, ou para rebentar de vez com a ligação errada, ou para a renovar. Geralmente é um filho ou um amante".
O cão e os Caluandas é um livro perfeito. Vários contos acerca de um cão que anda por Angola e que retrata esplendorosamente este país. De Pepetela conheço este e mais um, apesar de ter comprado mais uns quantos (a aguardar leitura). Este é realmente um prazer.
Até hoje tinha lido um livro dele que me tinha deixado extremamente desapontado - o terrorista de Berkeley, Califórnia. Mas este redimiu. E de que maneira.
Um narrador/escritor pede a diversas pessoas de Luanda que contem sua história com um pastor alemão que vaga pela cidade. Através dele nos é revelada a vida que pulsa e atravanca na capital de Angola.
Na cidade grande, cada pessoa vive uma vida inteiramente particular, mas todos estão conectados pelo espaço. Um cão que transita por toda a cidade, logo se torna personagem de todas as histórias. Linda, divertida e poética homenagem ao caos urbano.
Com muita originalidade, Pepetela mostra um retrato da Luanda pós-independencia, contando pequenas histórias que têm em comum a presença de um cão de raça pastor alemão, que é uma desculpa em torno da qual tudo gira. No final, o livro tem um glossário que eu gostaria de ter descoberto antes, mas socorri-me da internet para saber o significado de algumas palavras.