Adeus; Mãe Genoveva; O encontro; Gló; A palavra mágica; O fantasma; Saturno; O jogo de Deus; Praia; O sexto filho; A fonte; O morto; Fado corrido; O cerco; Redenção; Linha quebrada; A galinha; Havia sol na praça; A estrela; O imaginário; A visita; O espirro; O fresco; Asa de Corvo; Uma esplanada sobre o mar; Carta.
«Toda a complicada imaginação das gentes encontrava ali a peça necessária para trabalhar. E não só a das gentes proletárias, mas das outras que em rigor já se não chamavam gentes. Pode mesmo dizer-se que eram essas a melhor clientela, até porque tinham melhor bolsa, que em rigor já se não chama bolsa mas carteira...»
Vergílio Ferreira, escrevendo no Portugal de Salazar, descreve um país ancorado nos confins dos tempos e que permaneceu inalterado quase até aos nossos dias. Frases magníficas, num português sem rugas, mas que nos introduzem afinal num mundo primitivo, com as suas anacrónicas noções de honra e os seus insólitos rituais de inspiração bíblica.
VERGÍLIO FERREIRA nasceu em Gouveia, a 28 de Janeiro de 1916. Seminarista no Fundão, licenciou-se depois em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra e foi prof. liceal em Faro, Bragança, Évora e Lisboa (desde 1959). Ficcionista e pensador, estreou-se com o romance O Caminho Fica Longe (1943) e o ensaio Sobre o Humanismo de Eça de Queirós (1943). Escritor dos mais representativos das letras portuguesas da segunda metade do séc. XX, a sua vivência fechou-se no labirinto do existencialismo sartreano. Entre as suas obras destacam-se: Manhã Submersa (1954), adaptado ao cinema por Lauro António e vencedor do Prémio Femina para o melhor livro traduzido em França em 1990, Aparição (1959, Prémio Camilo Castelo Branco), Cântico Final (1960), Alegria Breve (1965, Prémio da Casa da Imprensa), Nítido Nulo (1971), Rápida a Sombra (1974), Signo Sinal (1979), Para Sempre (1983, Prémio Literário Município de Lisboa), Espaço do Invisível (1965-87), em quatro vols., Até ao Fim (1987, Grande Prémio de Novela e Romance da APE), Em Nome da Terra (1990), Na Tua Face (1993, Grande Prémio de Novela e Romance da APE). De assinalar são também o diário publicado a partir de 1981 (Conta Corrente) e o vol. de ensaios Arte Tempo (1988). Em 1991 ganha o Prémio Europália, pelo conjunto da sua obra, e em 1992 é-lhe atribuído o Prémio Camões. Foi condecorado pela Presidência da República com o Grande-Oficialato da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1979 e, em 1985, foi nomeado para o Prémio Nobel da Literatura. Faleceu em Lisboa, a 1 de Março de 1996.
"Não há nada mais igual do que o mar ou o lume ou uma flor. Ou um pássaro. E a gente não se cansa de os ver ou ouvir. Só é preciso que se esteja disposto para achar diferença nessa igualdade. Posso olhar o mar e não reparar nele, porque já o vi. Mas posso estar horas a olhar e não me cansar da sua monotonia."
Do total de vinte e seis contos, reunidos neste livro, gostei muito de alguns; de outros menos e dois ou três nem terminei de ler. Mas há sete que me puseram de "joelhos" e que merecem muito mais que as míseras cinco estrelas. Por eles, tenho de desprezar a média...
Mãe Genoveva Gló A Palavra Mágica O Sexto Filho O Morto A Galinha O Espirro
A prosa de Vergílio Ferreira é sublime, embora sem artifícios de linguagem (palavras "caras"). A sua imaginação é prodigiosa ao criar histórias - a maioria passadas entre gente pobre, das aldeias, em época de opressão - cujo conteúdo vai além do que está à superfície. Todos os contos são dramáticos - afinal o tema principal é a Morte - "essa banalidade ridícula da morte. Tudo é erro e ludíbrio: o triunfo, o poder, as ideias, mesmo as matemáticas. Há só uma coisa que não." mas alguns são narrados com humor negro que nos fazem rir e, simultaneamente, nos incomodam. Como a "anedota" que Vergílio Ferreira gostava de contar: "Havia um homem que dava marteladas na própria cabeça apenas pelo prazer imenso que sentia quando parava de martelar."
Very inspiring stories, one of them in a deep subtle humor about the political turmoil just after the revolution. Inspiring and fresh, his short stories are not only well written but manage to keep a rhythm of their own...
Os contos de Virgílio Ferreira são fantásticos. Um, especialmente, tem um sentido de humor muito próprio, parodiando a realidade durante o período pós revolução em que todos aprendiam a conviver com a realidade multipartidária e o entusiasmo ideológico. Só o coveiro, sabendo dos ritmos da vida e da morte, mantém os ritmos contra tudo e todos, declarando orgulhosamente: "O morto é meu"...
Adorei, este livro! Apesar do drama e do existencialismo que lhe está inerente.
É um livro, que transmite em cada conto, uma lição de vida!
Deste modo, a lição mais importante que este precioso livro transmitiu-me foi, a de que nós passamos a maior parte do nosso tempo preocupados com "coisas" sem importância, e o que realmente importa, como o amor, o "carpe diem" é totalmente ignorado.
Subjacente a esta lição, está de certa forma, o facto de nós enquanto sociedade não falarmos abertamente da morte (continua um tabu). Creio, que se nós já tivéssemos superado o medo/pavor do que a morte representa para nós enquanto indivíduos, enquanto sociedade. Nós nos dedicaríamos ao que realmente interessa, como o amor e o "carpe diem" e deixaríamos de ter o stress de "coisas" banais e pequenas do nosso quotidiano.
É-me difícil não relacionar com algumas das situações descritas por Vergílio, uma vez que retratam o nosso Portugal rural de uma forma tão sublime e castiça - infelizmente, este Portugal aparenta não haver mudado assim tanto desde os tempos de ditadura. Fascina-me terrivelmente o emprego de uma linguagem tão corriqueira e corrente, impregnada em expressões, gírias e termos regionais, que deste modo exacerbam a realidade das experiências e circunstâncias vividas pelas personagens.
Vergílio intenta passar mensagens várias ao longo destas breves narrativas, porém, e a meu ver, nada há mais que o retrato do fastidioso e mundano projeto de viver e estar presente no mundo, buscando-lhe os contornos, tantas vezes elusivos, da beleza e do humor, e incrementando-lhe a fadiga e a languidez inevitáveis da faina e das relações humanas.
Alguns dos meus contos preferidos:
Adeus ; A palavra mágica ; O fantasma ; O jogo de Deus ; Praia ; A fonte ; A galinha ; A estrela ; O imaginário ; Asa de Corvo ; Carta.