Livro vencedor do Prêmio Literário José Saramago 2022
A maior e mais importante premiação da língua portuguesa, que revelou Valter Hugo Mãe, em 2022 premiou o brasileiro Rafael Gallo, pelo romance Dor Fantasma.
Rômulo Castelo é um pianista virtuoso e extremamente obcecado pela perfeição. Seu grande objetivo é apresentar ao mundo sua interpretação de Rondeau Fantastique, conhecida como a peça intocável do compositor húngaro Franz Liszt. No entanto, a dedicação que confere à sua busca pela excelência em nada se assemelha ao trato cruel e indiferente com sua família, seus alunos e com todos ao redor. Até que um acidente ocorre, e entre a busca da perfeição e o embate com o real, um destino trágico se impõe. Em som e fúria extraordinários, Dor fantasma compõe uma tragédia envolvente que conta a história da derrocada de um sujeito, um romance de metáforas incisivas, feito com zelo e rigor.
Rafael Gallo nasceu em São Paulo, em 1981. É autor de Rebentar (Ed. Record, 2015), romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, e Réveillon e outros dias (ED. Record, 2012), coletânea de contos ganhadora do Prêmio Sesc de Literatura. Ambos os livros foram finalistas do Prêmio Jabuti. Tem ainda contos publicados em diversas revistas e antologias, como a Desassossego (Ed. Mombak, 2014) e a Machado de Assis Magazine (Ed. Biblioteca Nacional, 2012), que publicou tradução do conto Réveillon para o espanhol.
Como pode a vida ter se tornado isso? Rômulo Castelo, um dos maiores intérpretes de Liszt, que deveria estar à espera somente do chamado para tomar o palco, e imprimir no mundo a marca de sua excelência, Rômulo Castelo relegado à espera de ser convocado para a invalidez. Sem nome em meio ao de aleijados e dementes, pedintes de esmolas perpétuas do governo.
Desde que li O Monte dos Vendavais que não encontrava um protagonista tão desprovido de uma bússola moral. Ele tem uma, que o guia para a excelência enquanto pianista, mas só para essa. Em tudo o resto é falho. E, pior do que ser falho, é achar que tem razão nas suas atitudes e comportamentos. Quando aquilo que dá sentido à sua vida se esvanece, tanto treino para a perfeição enquanto pianista, toda a disciplina incutida pelo pai, de nada lhe servem. Não é só a dor fantasma, o próprio Rômulo é um fantasma.
Rômulo Castelo é um exímio pianista, perfeccionista, não aceita menos que a perfeição aos seus alunos também, homem de difícil trato chega a ser arrogante com quem se cruza no dia a dia, colegas, motoristas de táxi e sobretudo com os seus alunos, trata com indiferença a mulher Marisa e recusa-se a criar laços com Franz seu único filho, pois para Rômulo ele nunca será perfeito muito menos um homem à sua imagem. Rômulo tem um sonho: levar a peça, jamais tocada, Rondeau Fantastique de Franz Liszt às melhores salas europeias e para isso obedece a uma rotina exigente, fecha-se numa sala insonorizada e ensaia horas a fio, todos os dias. A algumas semanas do início da tournée o mundo de Rômulo desaba completamente, um trágico acontecimento veio destruir não só este sonho bem como a estabilidade da sua vida e a partir daqui vamos acompanhando a destruição física e psicológica de um génio, sentimos a sua angústia e desespero para tentar voltar a ser o virtuoso pianista que era. Rafael Gallo traz-nos uma personagem execrável e com a qual, pelo menos eu, não me consegui identificar mas é possível entendermos a dor de Rômulo e vemos o que de mais frágil há num ser humano, Dor Fantasma, vencedor do Prémio Literário José Saramago, é um livro soberbo, com uma escrita irrepreensível e que me arrebatou completamente desde a primeira página.
O zelo exige rigor, repete às agulhadas do metrônomo, como se, a cada tempo e contratempo, contrapusesse faces complementares de um mesmo processo vital. Equivalente à inspiração e a expiração, à sístole e a diástole, o zelo e o rigor.
Rômulo Castelo é um pianista virtuoso obcecado pela perfeição. Dedica-se inteiramente à música, dá aulas na faculdade e em casa ensaia diariamente a peça intocável de Liszt - Rondeau Fantastique – com o objectivo de se tornar o maior intérprete do compositor austríaco.
Conhecida como a peça intocável de Liszt, levou alguns dos maiores pianistas do mundo a desistirem de executá-la, derrotados pelas técnicas irrealizáveis. Rômulo, não; ele a domina e só espera pelo momento certo de mostrar sua interpretação a todos.
Rômulo Castelo pretende apresentar ao mundo o Rondeau Fantastique numa tournée pela Europa que já está agendada e que o consagrará como o maior de todos.
Ninguém pode ouvi-lo antes do momento certo. Falta muito pouco; a estreia de sua interpretação será na turnê europeia, em poucos meses. Rômulo anseia por essa inauguração de si mesmo: até hoje, o executante da peça intocável tem existido somente nessa sala, nesse país marginal – único do planeta perpassado, ao mesmo tempo, pelo signo de um dos trópicos e pelo corte quente da Linha do Equador –, mas em breve tudo mudará. Rômulo Castelo inscreverá sua marca no mundo. Olhos e ouvidos se voltarão a ele, o pianista que concederá a todos a graça de conhecerem, afinal, o Santo Graal de Liszt para o instrumento.
Mas um acidente amputa-lhe a mão, o que o deixa incapacitado de tocar piano e mergulha-o num processo de loucura. A obsessão pela perfeição vai transformando-se em tirania, intolerância e violência e afecta o relacionamento com os alunos, amigos, esposa e filho. Aliás, é na faculdade que uma cena de violência acontece entre ele e uma aluna, é filmada, viraliza na internet, gera um movimento contra ele que acaba por destruir a sua carreira e ainda respinga na esposa que acaba por ser despedida do emprego.
O processo administrativo movido contra o professor, a audiência e o posterior julgamento pareceram-me um pouco irreais.
Rafael Gallo explorou o poder das redes sociais e como seu uso, embora possa ter efeitos positivos, pode tornar-se perigoso e excessivo, mesmo quando a intenção é boa e a punição da pessoa parece justa.
O DESTINO DE TODO CASTELO É RUIR.
Rômulo é uma daquelas personagens detestáveis, um sociopata, que não desperta qualquer tipo de empatia, simpatia, compaixão ou misericórdia. Ao longo de todo o percurso, parece que a vida não tem nada para lhe ensinar. Não altera a sua forma de agir e de ver as coisas, mantendo-se fiel à sua natureza até ao fim. Uma personagem marcante.
4.5 ⭐️ Repulsivo, ambicioso, obsessivo, são estes alguns dos adjectivos que reconheço no protagonista desta história. Um livro intenso que demonstra também como, perante uma adversidade da vida, conseguimos ser tão ausentes de submissão. Uma leitura que recomendo!
Merecedor das premiações, bem escrito e tão emotivo que fica difícil comentar.
Desde a personagem principal, que encerra o que de melhor e de pior pode haver em cada um de nós, aos acontecimentos, as ligações entre as personagens, as reações inesperadas, a empatia e a vergonha, a raiva e o ódio…. As emoções contraditórias que o livro me despertou foram sucessivas e inequívocas.
Uma leitura intensa, que valeu cada segundo que lhe dediquei.
"Dor Fantasma" de Rafael Gallo, foi a obra vencedora do Prémio Literário José Saramago. Este prémio é já um selo de qualidade, considerando a galeria de obras premiadas anteriormente, por isso as minhas expectativas já estavam elevadas.
Rômulo Castelo é um pianista que se dedica a alcançar a perfeição na sua arte. Ensaia de forma exaustiva e almeja ser o maior intérprete de Liszt do mundo. A excelência que impõe a si próprio é também aquela que exige aos outros, de forma obsessiva e sem olhar a meios. Coloca-se num pedestal menorizando e afastando todos, família, colegas, alunos, que, na sua opinião, não atingirão nenhum tipo de excelência por incapacidade, mediocridade ou ausência de disciplina. Mas nem todos os aspectos da vida são controláveis e, a vida de Rômulo sofre um revés que vai pô-lo perante a adversidade.
Rômulo é uma personagem execrável mas fui torcendo para que conseguisse quebrar a espiral descendente em que se enredou, para que aceitasse as alternativas que lhe foram dadas. Senti empatia pelo seu sofrimento enquanto, ao mesmo tempo, o destestava.
Rafael Gallo escreve muito bem e mergulhei por completo nesta história. Há uma tensão constante que torna a leitura viciante. A dor física e psicológica de Rômulo perante a sua nova situação, o afundar gradual da sua vida, os sentimentos e atitudes perante os outros, são descritos de uma forma magistral. Leiam-no!
22 de março foi o dia da apresentação do livro de Rafael Gallo e sei que irei guardar para sempre esse fim de tarde na minha memória. Contou com a presença de Guilhermina Gomes, Bruno Vieira Amaral, Luís Caetano e Pilar del Río - com quem pude privar um pouco e chorar que nem uma Maria Madalena.
Estudei música e sei o quão fácil é ficar obcecado por uma certa peça, um certo sistema, um certo compasso, andamento, tudo. No passado tive professores que sempre me incitaram à perfeição, ficando com as cordas vocais calcadas de exaustão. Agora existe os dois lados da moeda: tenho um ouvido demasiado afinado e irrita-me profundamente quando ouço algo abaixo de tom, nem que seja só uma nesga. Rômulo Castelo vive obcecado com o seu trabalho. É um dos maiores intérpretes de Liszt. "Prestes a ser o maior". Com isso, todas as outras dimensões da sua vida caem por terra.
O termo que retenho após esta leitura é dissonância cognitiva. Sabem que não costumo abraçar o lado mau da força, e este personagem é só mais um exemplo disso. É um personagem execrável, completamente detestável. E Rafael Gallo constrói-o na perfeição. Foi muito fácil olhar para este livro de um ponto de vista psicológico e com isso o conflito foi ainda maior. Olhava para o personagem com empatia, percebia as suas dores, as suas auto-sabotagens, a sua maneira de pensar e agir; e ao mesmo tempo detestava-o.
Devorei o livro em dois dias. Não conseguia parar de ler. A narrativa está belissimamente construída e sentimos quase uma compulsão para perceber o que fará o nosso personagem.
É um livro sobre a condição humana, o ser humano e as suas falhas, a perfeição e a imperfeição, a dor e agonia, a loucura e o desespero. É perfeito. A angústia está no ar.
Para mim é sem dúvida um dos favoritos de 2023 ❤️ Façam um favor a vocês mesmos e leiam este GRANDE livro!
Rômulo Castelo é um pianista brilhante e o melhor executante da obra de Liszt, mas também é uma besta insensível que só vive para a música e a sua perfeição.
A vida profissional corre bem, mas tudo muda num instante. A partir daí, o seu carácter narcisista e revoltado só piora.
Esta obra trata de forma eximía fragilidade humana, o que os acontecimentos da vida nos fazem, a (in)capacidade de lutar, de ver o que está e quem está à nossa volta.
A parte final é um "murro no estômago", chegando a ser chocante.
Rômulo é uma personagem repulsiva, mas será justo tudo o que lhe acontece? Não criamos uma certa empatia de redenção?
É uma obra excecional que vale muito a pena ser lida. Prémio Saramago muito bem entregue!
Com uma prosa bem escrita, acessível, vamos conhecendo uma das personagens mais detestáveis que há muito li. Rómulo é uma pessoa, mas longe de ser humano.
No entanto, apesar de ter detestado (mas profundamente) este homem fictício, adorei o livro.
O fim, a leitura do último capítulo, fez-me pensar na citação que o autor escolheu colocar ainda antes da história começar, como se se tratasse de um aviso ao leitor:
"«Você é o cavaleiro louco que matou o dragão, depois matou também a donzela e por fim destroçou também a si mesmo. Na realidade, você é o dragão.»
Amós Oz"
Pensei que se referia ao personagem Rómulo. Mas agora penso que também pode ser aplicado a nós. É impossível ler este livro e não sentir um desagrado profundo, um quase ódio por um homem que nem sequer existe.
E se pensarmos bem... quem somos nós para julgar? Nem todos os monstros nascem, alguns são criados. E há pequenos vislumbres, nuances a um pai rigoroso, um passado... talvez seja isso. Mas custa desculpar este Rómulo. Mas custa-me pensar assim. Não sou este tipo de pessoa. Não quero ser.
Um livro com essa premissa tinha tudo para ser o maior dos clichês, mas não foi. A escrita do autor é irretocável, trata questões existenciais de um forma única através de um personagem absolutamente detestável. Eu amo narradores inusitados e esse com certeza virou um dos favoritos do ano. Terminei me perguntando se Rafael Gallo leu Lacan, ou se é apenas meu olhar viciado...
"A dor do imenso Nada. Morrer é isso? Sim, isso também é morrer. Não a negação definitiva da vida, mas a afirmação totalizante da perda. Prosseguir vivo, sem a vida que sempre o constituiu; portar consigo uma morte de si mesmo, por entre tantas mortes vindouras, antes que venha a derradeira. Ser um só com a dor, tornar-se o fantasma."
"Estala, estala, estala a medida consistente da perfeição." Este livro é compulsivo. Quando o leitor se dá conta está com uma dor no peito, a tentar conter a raiva que sente em relação ao protagonista desta narrativa: Rômulo Castelo. Este pianista virtuoso é obsessivo, neurótico e arrogante. Na minha opinião, é dos personagens principais mais detestáveis de todos os livros que já li. Odiei-o praticamente desde o primeiro momento, quando regressa a casa após mais uma apresentação magnífica (que consolida o seu estatuto enquanto "um dos maiores intérpretes de Liszt") e vira as costas à sua mulher, Marisa, para se isolar no seu escritório (ou sala de estudos). Aquela sala arquitetamente impenetrável, onde existe o seu piano Steinway, as partituras e o metrónomo que "estala, estala, estala a medida consistente da perfeição". Este lugar é uma alegoria para a solidão, onde só é preciso fechar portas para "abafar sons o tempo inteiro". Rômulo é doente e isso percebe-se logo com esta procura constante pela perfeição, incutida pelo seu pai. Ao longo da história vamos detestando-o ainda mais, pela mania de superioridade e arrogância com que trata os seus alunos, e pela falta de amor e de humanismo com que trata o filho, constantemente a repudiá-lo. Até que o acidente acontece e esse momento dá esperança ao leitor. Faz acreditar que Rômulo vai mudar, que se vai tornar mais dedicado à família e mais terno para os seus alunos. Não se enganem... só piora. Página após página a minha raiva só crescia. Dei por mim a devorar estas páginas com fúria e a questionar-me "porquê?". O livro foi em crescendo até o momento da prótese. Caiu gradualmente a partir daí e depois a queda foi a pique na situação com a aluna (que achei exagerada). Deixou-me em choque no concerto beneficiente... literalmente sem palavras. Foi o meu pico de revolta e tive vontade de atirar o livro. Voltou a subir no discurso final de Marisa. Repito: detestei Rômulo como nunca detestei nenhum protagonista de um livro, mas dou todo o mérito do mundo a Rafael Gallo pela capacidade de nos fazer sentir tanto durante esta leitura. Escrita agradável e de fácil leitura, sinto que o prémio Saramago foi bem atribuído.
Que livraço! Passou, sem dúvida, para o top do ano. Porquê? Porque para além de estar muito bem escrito e a história muito bem construída, acho que nunca tive sentimentos tão fortes por uma personagem como pelo Romulo Castelo. E que sentimentos foram estes? Raiva, asco, irritação, raramente empatia... ou seja, muito pouco de bom. O mais "simpático" que me apeteceu fazer-lhe foi abana-lo violentamente pelos ombros. E eu não sou uma pessoa violenta... Romulo é pianista e professor universitário e prepara-se para uma tournée pela Europa onde vai fazer a apresentação mundial da peça intocável de Liszt, Rondeau Fantastique. Mas a vida parece ter outros planos e troca-lhe as voltas tirando-lhe o chão debaixo dos pés. Ao longo das 275 páginas deste livro acompanhamos o pianista no seu dia-a-dia, conhecemos as pessoas com quem se cruza ou com quem vive, embora que de forma muito superficial, e ficamos a conhecer as suas ambições e o porquê de estas guiarem a sua vida. É um livro muito desconfortável e que nos liva a refletir sobre o porquê e sobre o "e se fosse comigo". Se tiverem coragem arrisquem porque é um livro que vale muito a pena!
É um livro que nos faz pensar em todas as fragilidades do ser humano. Alcançar a perfeição é uma utopia por existirem demasiadas particularidades na relação com nós próprios, na relação com os outros e na relação com a vida. Tem que existir um equilíbrio entre tudo, uma harmonia. Procurarmos apenas a perfeição em algum ponto da nossa vida faz com que descuremos tudo o resto, o que leva a um caminho de infelicidade e de incompreensão de tudo o que nos rodeia.
Rômulo Castelo é um pianista conceituado e uma personagem absolutamente execrável, incapaz de gerar um pingo de empatia. Dito isto, Dor Fantasma é um romance belíssimo sobre a fragilidade e imperfeição humana. Uma obra muito bem conseguida, que me prendeu da primeira à última página.
A obra conta a história de Rômulo Castelo, um pianista virtuoso, que se dedica totalmente na busca da perfeição na sua arte e que, todas as manhãs, ao acordar, se fecha na sua sala e ensaia aquela que é considerada a peça intocável de Liszt, o "Rondeau Fantastique". Em breve, Rômulo irá oferecê-la ao mundo, numa 'tournée' pela Europa que o sagrará como o maior intérprete daquele compositor, mas um acidente troca-lhe as voltas conduzindo-o a um processo de quase loucura, em que, na sua obsessão pela perfeição, se revela cada vez mais intolerante e violento para com os outros. Seja com os alunos ou a própria família. O autor traz-nos aqui uma personagem detestável pela qual não se consegue ter simpatia, mas onde sentimos todo o seu sofrimento a decadência psicológica da depressão e o que esta nova moda da cultura do cancelamento pode fazer a uma pessoa , sendo que se essa pessoa já é intolerante isso pode escalar perigosamente para o total descontrolo. Escrito brilhantemente, este prémio literário José Saramago é um excelente livro que nos faz repensar muitas coisas que por vezes damos por adquiridas. Do melhor que li nos últimos tempos . Leiam,vale muito a pena...
"Morrer é isso? Sim, também é isso morrer. Não a negação definitiva da vida, mas a afirmação totalizante da perda. Prosseguir vivo, sem a vida que sempre o constituiu; portar consigo uma morte de si mesmo, por entre tantas mortes vindouras, antes que venha a derradeira. Ser um só com a dor, tornar-se o fantasma."
Não vou escrever uma opinião porque sinto que tudo o que eu pudesse eventualmente escrever nunca estaria à altura deste livro. As minhas palavras seriam sempre fantasmas a pairar sobre ele.
Terminei este livro há pouco tempo e confesso que estou "destruida por dentro", quando um livro nos deixa assim ... Temos de dizer alguma coisa acerca dele Não é uma leitura fácil nem para qualquer pessoa, pela sensibilidade dos temas e das personagens. A vida está recheada de acontecimentos inesperados... Quando um desses acontecimentos nos retira algo, como é que se aprende a viver? Ficamos iguais, lutamos, baixamos os braços ou fazemos algo que ninguém espera que façamos.. ?! A personagem principal tomou uma destas opções e a que tomou, não vai deixar ninguém indiferente.... Rafael Gallo tem uma escrita quase visual e já tem aqui mais uma fã!!
Demorei um tempo depois de terminar esse livro até conseguir escrever um pouco sobre essa experiência, mas sinto que não é o tipo de história que se pode ler sem que uma vontade de escrever seja gerada. Esse livro é daqueles que pedem pausas entre a leitura de alguns capítulos. A repetição de lemas, palavras e comportamentos constroem um personagem que, em busca da imutável perfeição, nunca se encontra. Rômulo é uma pessoa que desenvolve uma personalidade ancorada no pai, que demanda trabalho, repetição e obsessão até que o objetivo final seja alcançado. Esse é um livro que te surpreende e decepciona o tempo todo, esperamos que o pianista se redima, encontre dificuldades na vida nova sem a mão dominante e soluções para seguir praticando seu ofício e paixão, mas nos deparamos com alguém incorrigível, que, enquanto sempre tem a perfeição tirada de seus braços, ainda se considera melhor do que todos os seres humanos ao seu redor. O artista se sente apto a dizer que todos podem estar errados, menos ele mesmo; Culpa seu colega de trabalho quando ele próprio agride uma aluna e ainda se sente no direito de, através de sua autoridade e influência de professor, conduzir outra aluna a um atropelamento como forma de lição sobre em quem deve confiar. Rafael Gallo trabalha aos poucos com o sofrimento da perda, a dor da permanência da falta e conduz uma escalada de tragédias e erros irreparáveis como um maestro conduz uma intensa sinfonia. Com sua escrita crua e sensível, o autor consegue transmitir o sofrimento daquilo que nunca volta, do sentimento de inutilidade com a perda de seu ofício ou “lugar no mundo”, mas sempre nos lembra sobre com quem estamos lidando, a comiseração não encontra espaço fixo para se instalar. Rômulo Castelo tem a oportunidade de melhorar, mas, como sempre foi ensinado, crê que as repetições são sempre o caminho, nunca a mudança de padrões. Sendo uma pessoa extremamente difícil, o personagem ainda consegue se encontrar com personalidades compreensivas e pacientes, mas ninguém suporta tantas repetições destrutivas. Ele não suporta se ver semelhante ao filho deficiente, sempre visto como uma aberração por ele e quando acreditamos que ele encontrará um novo caminho para tocar piano, acompanhando Franz com sua única mão restante, o protagonista opta por abandonar completamente sua arte, uma vez que, aos seus olhos, esta só representaria a ausência da excelência, e espanca o filho em cima do palco. Então, o personagem termina sozinho, em um ambiente abandonado, apenas com a companhia dos batimentos incessantes do metrônomo refletidos pelas batidas no próprio peito, acompanhado somente da perfeição e de mais ninguém.
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~rómulo castelo melts down at the berliner philharmoniker~
Obviamente não retira qualquer mérito literário à obra, mas as semelhanças gritantes com um dos filmes mais difundidos do mesmo ano afetaram um pouco a leitura.
Achei que nalgumas cenas faltava um pouco de subtileza e o fecho do 3° capítulo pareceu-me, se não inverosímil, no mínimo, demasiado gratuito: pessoalmente, creio que teria sido mais interessante permanecer num território de maior ambiguidade moral.
Faz já algum tempo que não lia um livro que me transmitisse a intensidade de “Dor Fantasma”. Este livro surpreendeu-me muito pela forma impactante como a leitura me atingiu.
Partindo de uma obsessão, o autor conta-nos a história de Rômulo Castelo, um pianista virtuoso, que não aceita nada menos que a perfeição. E é em busca desta perfeição que passa os seus dias, em detrimento do tempo com a família ou amigos. Para Rômulo tudo o que conta é conseguir concretizar um sonho, tocar ao vivo a peça intocável de Liszt, o que acontecerá em breve aquando da sua digressão pela Europa.
No entanto, o destino tinha outro rumo traçado e um acidente irá mudar definitivamente a vida de Rômulo. Como é que alguém que dedicou todo o seu tempo a um objectivo reage quando esse objectivo se torna, de súbito, inalcançável?
É este percurso que vamos acompanhar, sofrendo com esta personagem que chega a ser execrável, provocando-nos um misto de indiferença e pena.
Achei esta leitura muito difícil em todos os sentidos, quer pela temática, quer pela forma como está escrita, que ainda que muito bonita, é exigente.
Mas, sem dúvida, vale todo o esforço, temos aqui uma grande obra, que me fez entender de imediato o porquê de ter sido vencedor do Prémio Literário José Saramago 2022.