A8 - 1

Sem perceber muito bem porquê, A8 larga o jarro da experiência no meio do chão, que se estilhaça por todo o lado. Parece ter tudo ocorrido em longos minutos, muito embora se parta seja o que for numa questão de segundos. Pensava que esta noção e câmara lenta era apenas vivida nos filmes. No entanto, aqui estava ela, de olhos fixos no da instrutora, nem uma nem outra reagindo ao sucedido, sentindo o jarro no ar até chegar ao chão, a inspiração repentina da classe suspende-se. Consegue sentir a troca de olhares dos colegas, nota a quase imperceptível rigidez no maxilar da mulher à sua frente, sente o seu coração acelerar e um nó no estômago. Só depois pensa, “O que é que eu fui fazer?”., as mãos ainda no ar, como se segurassem o jarro agora perdido.
A mulher inspira, ajeita os óculos finos, passa as mãos pelos lábios pintados de vermelho e vira-se para a secretária atrás de si. A8, assim como todos os colegas, sabem o que vai fazer. Esta é Cobra, a sub-directora da escola, a que dá a cara, a que pune, a rancorosa, a ditadora. Só responde perante a directora, mais ninguém. Agarra a peça negra e oval e acaricia-a entre as mãos antes de voltar de novo para A8. Suspira. Ajeita os óculos estreitos uma vez mais, aquele tique já andava a enervar A8 há alguns meses.
- Esse, como tu bem sabes, é sangue de um Dragão Aquático. Mas, será que sabes, - a sua voz tornava-se mais ríspida e alta à medida que ia formulando a questão. - a dificuldade extrema de o arranjar?! Será que sabes as propriedades mágicas desse sangue?! Será que sabes que o único homem capaz de extrair sangue de dragões morreu há décadas e que estamos em escassez?!
Cobra aproximara-se da jovem e olhava-a do alto dos seus sapatos. A8 saiba perfeitamente que aquele corpo seco era da sua altura e só os sapatos e um feitiço de ilusão a tornavam tão grande e ameaçadora. As mãos agarravam o vestido cinzento e largo na tentativa de controlar os nervos e de os esconder da instrutora. A8 largara o jarro com o sangue de propósito, não queria fazer parte daquele “experiência”, como Cobra lhe chamava, mesquinha e surreal. Era suposto a aluna prisioneira beber o sangue e deixar que os restantes alunos treinassem os seus poderes mágicos nela, sem se privarem da sua força total, pois, ao beber o sangue, A8 seria imortal durante 7 horas.
Apenas uma pequena percentagem de toda a escola conseguia beber sangue de dragão sem morrer em agonia. Um aluno por cada grupo. Um aluno que sofria a nível físico, psicológico e emocional uma vez por semana. Claro que aquela aula só podia ser dada pela sub-directora, quem mais teria o prazer de ver um jovem em agonia durante horas?
A8 tinha vontade de lhe cuspir na cara, de lhe responder cruelmente, de lhe gritar. O medo, contudo, apertava-lhe a garganta e pesava no estômago. Inspira lentamente antes de falar, a voz a tremer:
- Peço desculpa, Cobra. Escorregou. Mas, temos um grupo muito bom a treinar para serem caçadores de dragões. Tenho a certeza que em breve vão poder encher as reservas novamente. - E torturar e extinguir mais uma raça, disse para sim, com pesar e ódio.
Cobra accionou o dispositivo na sua mão com um A e um 8 e a rapariga ajoelhou-se com um grito de dor. A marca no seu pescoço, A8, queimava-lhe a pele de forma intensa e um fogo interno apoderava-se de todo o seu corpo. Deixou-a sofrer durante 10 minutos, vendo-a agachada e a soluçar no meio do chão. Os colegas não estavam autorizados a desviar o olhar, já sabiam que, se o fizessem, mais tempo a sub-directora iria ficar ali, punindo-a. Quando, por fim, terminou a tortura, A8 foi recompondo-se aos poucos, limpando as lágrimas, a baba, acalmando os tremores e levantando-se lentamente. Era imperativo que se mantivesse de pé, direita, o mais rápido possível. A punição e a recuperação da mesma era apenas mais um treino aos olhos de Cobra. A sua respiração ofegante era o único som na sala ampla de treinos. Os lábios de Cobra curvavam-se num sorriso leve e demoníaco. O que disse a seguir espantou todos na aula:
- Acho que te vou transferir parar a classe dos caçadores de dragões, então.
Published on August 06, 2018 04:48
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