Uma das coisas que eu mais amo na leitura é a sua capacidade de nos transportar para outro lugar, outro tempo. Às vezes ela nos desperta memórias que a gente nem lembrava mais que estavam guardadas em algum lugar da nossa mente.
Eu estava sentado na minha cama, no meu quarto em Sabará na casa da minha mãe. Eram 06:50 e eu lia um capítulo do livro
Amigo imaginario quando aconteceu. Eu estava lendo sobre o momento que Christopher (nome difícil de escrever!) entra na biblioteca e pede um livro para a bibliotecária. Foi aí que mágica começou. De repente, sem nenhum aviso prévio, eu não estava mais na minha cama, não estava na casa da minha mãe, não estava sequer em 2021. Quando dei por mim, estava em 2007, na escola na qual fiz o meu ensino médio. Eu estava na biblioteca e entrava com aquela expectativa gostosa de “o que será que vou escolher agora?”. O clima lá fora estava frio, pois eu estudava de manhã. Conseguia visualizar com clareza o azul da minha camisa de uniforme. Na mão, eu trazia um livro para entregar. Ele tinha sido meu amigo nos últimos dias.
Entrei na biblioteca e fui para as estantes. Aquela sensação de familiaridade me preencheu e me levou para aquelas estantes que tinham os livros que eu mais gostava. A gente sempre tem nosso cantinho favorito na biblioteca, não é?
Então ali começava a batalha que eu precisava travar: qual livro escolher? Eu só podia levar um, então eu precisava escolher bem, pois só poderia trocar de livro no dia seguinte. Talvez algumas pessoas não consigam entender isso, mas para um adolescente introvertido como eu era, passar o resto do dia com um livro ruim era algo terrível.
Após escolher o livro, vinha aquele momento que você caminha para a mesa da bibliotecária e espera enquanto ela faz o registro. São minutos de ansiedade que te separam do livro. Não sei por que, mas eu nunca começava a ler o livro antes que o registro fosse feito. Era como se eu precisasse esperar que ele fosse meu oficialmente (mesmo que por um período apenas). Acho que eu só considerava que “valia” se fosse assim.
Lembro claramente das minhas conversas com a bibliotecária. Ela era uma mulher tão maravilhosa e sempre sorria quando eu chegava. Ela sabia que eu nunca saía da biblioteca sem levar outro livro. Acho que ela nunca me ouviu dizer “só vim entregar esse”. Isso para mim não fazia o menor sentido. Tantos livros ali, todos me esperando para compartilhar as suas histórias. Era claro que eu sempre levaria um.
Lembro de um dia que a bibliotecária (como eu gostaria de lembrar o nome dela!) começou a rir ao ver que eu tinha preenchido todos os espaços da minha ficha. Eu fiquei preocupado, será que eu não poderia pegar mais? Então ela abriu um sorriso gigantesco e me deu a ficha de presente.
“Agora a gente começa outra” — é o que me lembro dela dizer.
Por muitos anos eu guardei aquela ficha. Não sei se ainda a tenho, de qualquer forma, a lembrança dela está guardada em mim.
Eu não sei o que vou achar da leitura desse livro (
Amigo imaginario) mas só de ele ter me proporcionado essa viagem no tempo e no espaço, já valeu a leitura. Valorizem as bibliotecas, façam amizades com as bibliotecárias. E o mais importante, leiam sempre para acessarem as memórias que vocês nem lembravam mais que estavam aí guardadas.