A carta da morte e a cura
Olá.
Sabe, estou começando a aprender a dizer adeus. Quer dizer, é meio impreciso isso. Já digo adeus há tempos para diversas coisas. Quando algo para de funcionar (relacionamentos, livros, empregos, posturas), me desapego na hora e sem olhar para trás. Sempre acreditei que a boa memória sobrevive até mesmo a um mau fim. E é fato. Consigo reconstruir a ternura e o afeto (até meso os tesões) de momentos diversos com gente que nunca mais quero ver pela frente. Ou de costas.
Não sei se o mesmo acontece com elas.
Mas há laços que não se desfazem. Família, amigos de longa data, fotos vexatórias e textos assinados. Sempre haverá um deles que surgirá de algum canto escuro lhe relembrando de um passado que você queria ter cortado. Mas, principalmente, a gente não consegue se livrar de si mesmo.
Há memórias minhas que me fazem querer caber debaixo da cama e de lá nunca mais sair. Posturas e posições que me arrependo de tão desnecessárias. Textos (assinados! assinados!) que nunca deveriam ter visto a luz do dia, quiçá serem publicados em mídia impressa, televisada e radializada.
Obviamente queria dar adeus a isso tudo, mas não dá. Fazem parte do que sou hoje. Se não tivesse sido um babaca aos quinze anos, talvez fosse um babaca imbecil (ao invés de só um imbecil) hoje em dia. Nossos erros são tijolos de nossa alma.
Ou a argamassa. Vai saber.
Só que esse não é o assunto. Tergiverso, como sempre.
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Essa é mais uma carta derivada. Já escrevi sobre a morte (minha, dos outros, dos sonhos) diversas vezes. É um tema recorrente, claro, e que gosto de digerir, ruminar, antes de cuspir em texto.
A gente tem que se preparar para a morte.
A gente tem que falar mais sobre a morta. A própria morte.
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Fico acompanhando os parentes de amigos terminando suas histórias e todo mundo perdido entre lembranças e arranjos. Fico pensando em como meus filhos ficariam sem mim e o que preciso deixar arrumado para evitar dar dores de cabeça. Fico pensando se vale a pena continuar caminhando se não consigo mais me lembrar dos primeiros passos ou do sorrisos dos meus filhos. Fico pensando e ajo um pouco por vez.
Há planos. Minha filha sabe minhas senhas (perigo!!!) e poderá tomar atitudes num evento inesperado. Tenho um plano funeral que é meia boca, mas já resolve parte dos imbróglios. Mas é o suficiente?
Não tenho renda para os filhos. Não tenho bens. O que facilita por um lado e desampara no outro. Tenho dívidas enormes, mas morrerão comigo (espero!). Tenho amor infinito por eles e isso sempre deixei claro.
Não planejo morrer logo, claro. Assim como meu amigo Heinar, o plano é ser imortal, mas é improvável que consiga. É difícil entrar para a ABL.
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Racionalmente entendo a finitude das coisas. Psicologicamente sei que é impossível imaginar o mundo sem mim, sem meu olhar. Fico flutuando no ínterim desses dois vergalhões de pensamento.
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Essa carta não é feliz, inédita ou romântica. É apenas o que sinto no momento, sentado no hospital, acompanhando minha mãe ao se tratar. Olho para aquela senhora e só consigo ver a jovem mulher que me acompanhava na escola, lutava para manter seu emprego e dignidade no mundo. A força da natureza que se resumia em sua fúria e garra, descansa esperando o outro trazer a cura.
Beijo.
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