Quando a estupidez está certa
Um dos chefes mais toscos que tive na vida, o finado “seu” Pedro, tinha duas frases de efeito que soltava a torto e direito. Na real, tinha mais do que isso, mas essas duas são indeléveis para quem trabalhou com ele.
“O peão não tem que pensar; pensou, fedeu”Claro que todas as frases têm contexto. Ele era dono de algumas lojas de gráfica rápida no Rio de Janeiro, basicamente entre o Centro e a Zona Sul. Antes disso, se não me falha a memória, foi coordenador de obras pela Petrobras. Foi criado entre a peãozada, entre pessoas de baixa cultura e formação e, muitas vezes, de baixa estatura intelectual.
Não que ele fosse um caso de pessoa brilhante ou culta, muito pelo contrário, mas se formou em engenharia e ficou na Petrobras até ser dispensado — nunca soube o porquê, mas desconfio — e abriu seu próprio negócio. Ficou rico. As dondocas de Ipanema comentavam que ele era o “dono de Xerox que ficou milionário”. Não estavam erradas.
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Pois bem… esta primeira frase dele diz muito com o uso de frameworks de trabalho. Pegamos esses modelos para evitar ter que pensar neles enquanto focamos no que precisa ser feito, na entrega propriamente dita. Ou seja: se for para “gastar pensamento” que seja na execução do que faz, na atenção aos detalhes, na qualidade da entrega e tantas outras obrigações que o “peão” tem de executar.
Claro que a frase é de uma grosseria sem tamanho e claro que revela não só um preconceito classista quanto uma arrogância ímpar. Mas quantas vezes não nos deparamos com pessoas que pensam saber resolver uma situação ao invés de “seguir a regra”.
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Tinha um personagem do Walter Lantz, o criador do Pica-Pau, chamado Ursulino ou Ursulão (Charles Berry, em inglês) que teimava em fazer consertos domésticos quando não tinha a menor habilidade para isso.
“É para economizar uns mangos”, dizia. Claro que o caos se instaurava.
Qual seria o framework aí? Ligar para um profissional (ou mais de um) para pedir orçamento e deixar que ele o fizesse; opção B: pegar um curso à distância e aprender (não tínhamos a internet nos anos 1950, meus caros). Saiu do framework, se ferrou; pensou, fedeu.
“Quem não lava banheiro, não pode usar o computador”A frase era BEM mais chula que isso, mas já tenho abusado dessa maravilhosa (cof! cof!) rede social-profissional com meus arroubos e não quero ferir mais os olhos dos meus parcos leitores.
De novo, algumas das lojas ficavam na Zona Sul do Rio de Janeiro e empregava tanto gente BEM humilde quanto “patricinhas” e “playboys” das faculdades do entorno. Muito porque “seu” Pedro tinha medo que os operadores de xerox “aprendessem demais” e fossem para o concorrente. Daí colocava os universitários recém-formados para operar os PCs com Windows 95 e os Macintosh Quadra e Power PC estalando de novos.
O equipamento de impressão das lojas também era de ponta — para a époc — e requeria manutenção “suja” em muitos casos. Limpar uma reveladora de fotolitos era garantia de perder uma camisa ou calça com o ácido acético.
O que acontecia no fim do dia? Quem era da operação de fotocópia, não cuidava das máquinas “digitais” e vice-versa. Ou seja, cabia à gerência fazer a limpeza de tudo. Gerência também conhecida como euzinho da silva.
Em determinado momento, começamos a inverter essa lógica: começamos a contratar gente mais humilde para operar os computadores e os universitários foram migrando para agências de design e de publicidade.
Tenho algumas histórias — ruins, em sua maioria — dessa época e umas lições péssimas, mas uma que se salvou foi que, no momento em que passamos a contratar quem “topava limpar o banheiro”, ficava mais tempo no emprego, se sentia mais reconhecido, mesmo ganhando BEM menos e trabalhando BEM mais.
Tudo bem. Tinham um chefe como eu que ensinava o possível e era o primeiro a indicar oportunidades fora dali. Heheh.
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O resumo da ópera é que, por detrás de duas frases estúpidas e grosseiras, havia um quanto de sabedoria que ia para além do senso comum.
Pena que vinha de uma criatura tão desprezível.
A casa do Zander
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