no começo desse ano, respondendo a algumas perguntas da ...
no começo desse ano, respondendo a algumas perguntas da jornalista natália albertoni, comentei:
Uma coisa muito importante e fascinante no ofício de tradução é o gosto, o prazer em
fazer aquilo. Transcende o aspecto meramente pragmático do trabalho; abre portas a
uma dedicação de outra natureza: é o que às vezes chamo de “tradução afetiva”. Faz-se
por amor à palavra e também, digamos, por humildade perante uma obra que nos
envolve e nos sobrepuja: o diletantismo na verdadeira acepção do termo. Felizmente,
são muitos os profissionais na área de tradução lítero-humanística (que é a que conheço
melhor) que preservam um bom grau de diletantismo nesse sentido estrito. E felizmente
há editoras que abrigam de bom grado esse diletantismo profissional ou esse
profissionalismo diletante. De entremeio a uma contemporaneidade permeada por
ferramentas de automatização do ofício, existem, pois, os profissionais-diletantes que
prezam mais a artesania das palavras do que a tecnologia de automatização; isto é, são
menos operadores de máquinas e mais “tradutores” na acepção digamos humanista,
atualmente até já obsoleta, do termo. E de entremeio à crescente enxurrada de textos
produzidos por várias modalidades de IA há nichos de artesãos de alta qualidade,
aqueles seres que – curiosamente – têm conseguido escapar à extinção e até, um pouco
aqui, um pouco ali, vêm esparsamente se somando e acrescentando novos nichos.
Sobreviverão? Sem dúvida. A onda avassaladora da automatização da tradução cessará?
Não, de forma alguma; aumentará. Isso é bom, isso é ruim? Não sei e não compete a
mim julgar. O bom, com certeza, é que existam nichos onde se pode tentar,
experimentar, renovar, se comprazer naquela antiquíssima atividade que confere sentido
concreto ao termo “humanidade”: o ofício da tradução.
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