Os Tais

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Bangkok tem as dimensões de São Paulo (1569 km2 em BKK, 1530 km2 em SP). Possui mais veículos motorizados, mas o tráfego é um pouco mais fluido, porque os automóveis são menores e vão se esgueirando entre si. O ar é denso como se você estivesse sempre no interior de uma oficina mecânica. Como no Reino Unido, as mãos são invertidas. Existem dois tipos de transportes municipais sobre trilhos. O metrô subterrâneo (MRT) e o suspenso (Skytrain). Para cada um deles há um bilhete único distinto. As áreas verdes são escassas. A mais conhecida se chama Lumphini Park, um parque tranquilo e habitado por corvos enormes e inquietos. Shopping Centers são empreendimentos salomônicos.


Os tailandeses são mesmo muito simpáticos, e qualquer sorriso é correspondido por outro, visivelmente divertido. Sim, estão sempre querendo oferecer algo, mas esta é a regra do jogo. Fumam segurando os cigarros com as pontas dos dedos, chamam com as palmas para baixo (palmas para cima indicam chamar pra briga). Tailandeses são magros e as mulheres não têm curvas, suas pernas são finas e compridas. Meninos tem traços tão delicados quanto os das meninas, e gays são mais francamente aceitos do que em nossa cultura, e por consequência, manifestam-se mais livremente. Você não vê beijos homossexuais porque você não vê beijos de nenhuma espécie. Cumprimentam com apertos de mão – o que eu fui descobrir da pior maneira, após uma situação muito, muito constrangedora.


A sociedade tailandesa se assenta na estrutura familiar. Perto de onde estou há um restaurante, uma estrutura metálica montada na rua, diante de uma garagem que também é cozinha e escritório. O pai cobra e organiza o fluxo das mesas. A mãe maneja as águas turvas ferventes, de onde vai pescando as pastas de arroz e as salsichas de porco esféricas que se parecem com testículos (quase sem gosto, esponjosas), ajudada por uma das filhas que corta os frangos empanados e monta os pratos. As outras filhas, muito jovens, estão sempre mexendo umas com as outras e servindo as mesas. Elas parecem acometidas por uma enfermidade que as torna mais alegres quanto mais trabalham. Os Tais, aliás, estão sempre trabalhando. Não basta colocarem a barracas de fruta e aguardar os clientes. Fazem uma verdadeira escultura com cada porção, retiram as sementes das melancias e os espinhos dos abacaxis. Você não vislumbra a possibilidade de uma garçonete entediada, reclamando porque ganha pouco, frustrada, e almejando um apartamento só para ela, mais autonomia e uma ruptura violenta com a geração anterior para afirmar uma identidade. A identidade aqui se apoia na tradição e na obediência, e não na ruptura. Os jovens só saem da casa dos pais quando se casam. E se não casam, permanecem com os seus genitores, tenham quarenta, cinquenta anos, não importa. Cada casa ou comércio possui uma minicasa. Um pequeno altar, com bonecos coloridos, arranjos florais e luzes douradas. São os espaços reservados aos espíritos do lar, uma forma de agradecer-lhes a hospitalidade e garantir uma vida doméstica feliz.


Os tais veneram seu rei. Diderot encalhou nos Urais e não chegou até aqui. Há imagens da família real por toda a cidade, ornadas por enquadres dourados. Eles adoram dourado. Quando começa a tocar o hino nacional nos auto-falantes, todo mundo pára, braços ao longo do corpo, até que a música termine.


Há uma disparidade social aguda, os pobres camponeses concentram-se no nordeste, a classe média urbana no sul, os muçulmanos recuados no extremo sul, e campos de refugiados ao longo das fronteiras.


O país é escandalosamente barato. Grande parte dos apartamentos não têm cozinha, porque as pessoas comem na rua. Um bom apartamento para uma pessoa ou um casal custa entre 400 e 500 reais de aluguel. Lavar e secar a roupa, R$ 2,5 o quilo. Uma batata Lays, R$ 1,7. Um arroz com frango crocante sai entre R$ 3,30 a 4,10. Nos shoppings e restaurantes, o preço do prato sai entre R$ 7,50 – 9,10. As porções, contudo, são menores que as nossas, e por isso se pode beliscar mais vezes ao longo do dia. Bilhetes de metrô por volta de R$ 2, bilhetes de ônibus, entre R$ 0,60 a R$ 1. Um táxi, se te roubarem vai sair por uns R$ 15. O azar é que a cerveja custa caro, o que pode levar embora toda a economia que você logrou nos seus custos mensais. Nas festas, os tailandeses costumam comprar garrafas de uísque e dividir entre eles, o que deve sair mais barato.


Aqui, um lanche da tarde é uma fruta numa barraquinha, picada na sua frente e servida dentro de um saco plástico e um palito para beliscar, e que custa R$ 1,20. E há pequenas lojas em shoppings que vendem saladas fartas e bem montadas, e que não são uma Caesar ridícula de R$ 16 como em São Paulo, mais R$ 3,50 com molho extra, mas honestos R$ 2 a 3. Nas ilhas ao sul, tudo custa o dobro. O norte, dizem, é ainda mais barato que Bangkok.


Não há fiscalizações ou vigilância sanitária de qualquer espécie, e nem parece possível com a quantidade de gente e negócios informais que se vê. Não fosse a coesão oferecida pelo budismo, o país já teria entrado em colapso ou estaria nas mãos de um partido único, ou de uma junta militar, o que aliás já aconteceu por aqui ao longo de todo o século XX. Nas escolas as crianças têm aulas de meditação e ioga, e não de futebol.


Os Tais são criativos para se vestir e fazem dos bermudões com camisas estampadas dos turistas parecerem fantasias ubuescas. Sabem combinar cortes sofisticados com a leveza exigida pelo calor (temperatura entre 25 a 35 graus todos os dias do ano). É comum observar estudantes de uniformes saias prendadas. São um povo bonito, e dependem dos farangs. Os farangs somos nós, os estrangeiros. Tais e farangs nem sempre são uma boa combinação. Farangs estão aqui há centenas de anos, e são muito bem-vindos pelos Tais. Farangs estão por toda parte, e há de muitos tipos. O país é moldado para acolher farangs. Farangs são altos, loiros, e transformam cartões em dinheiro. Farangs são dinheiro. Andam devagar, e criaram instituições que exigem uma investigação à parte.


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Published on January 31, 2014 09:14
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