Fingimento Quotes

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César Aira
“Um ponto com o qual eles concordavam, era a vantagem que a história tinha para saber como se faziam as coisas. Uma cena, natural ou cultural, por mais detalhada que fosse, não dizia como se havia chegado a ela, em que ordem os elementos haviam aparecido, nem o encadeamento causal que havia levado àquela configuração. E justamente, a abundância de relatos em que se vivia, ficava explicada pela necessidade do homem em saber como as coisas haviam sido feitas. Agora, a partir deste ponto, Rugendas ia um passo mais adiante, para tirar uma conclusão bastante paradoxal.
A título de hipótese, propunha que o silêncio dos relatos não implicava nenhuma perda, pois a geração atual, ou uma futura, podia voltar a vivenciar esses mesmos acontecimentos do passado, sem necessidade de que fossem relatados, por mera ação combinatória ou pelo império dos acontecimentos, ainda que tanto num caso como no outro a ação fosse filha de uma vontade deliberada. E até era possível que a repetição fosse mais completa se não houvesse relato. Em lugar do relato, e realizando com vantagem sua função, o que devia transmitir-se era o conjunto de "ferramentas" com o qual se podia reinventar, com a inocência espontânea da ação, o que havia sucedido no passado. O mais valioso que os homens fizeram, o que valia a pena que voltasse a acontecer. E a chave desta ferramenta era o estilo. Segundo esta teoria, então, a arte era mais útil que o discurso.”
César Aira, An Episode in the Life of a Landscape Painter

César Aira
“Os dois alemães continuavam. As novas impressões dos ataques indígenas substituíam as antigas. Ao longo do dia, produziu-se uma evolução que não se completou em direção a um saber não-mediado. Tem se que levar em conta que o ponto de partida era uma mediação muito trabalhosa. O procedimento humboldtiano era um sistema de mediações: a representação fisionômica se interpunha entre o artista e a natureza. A percepção direta ficava descartada por definição. E, não obstante, era inevitável que a mediação deixasse de existir, não tanto por sua eliminação, mas por um excesso que a tornava mundo e permitia apreender o próprio mundo, nu e primitivo, em seus signos. No fim das contas, é algo que acontece na vida todos os dias. Alguém começa a conversar com o próximo e quer saber o que ele está pensando. Parece impossível conseguir averiguar isso se não for através de uma extensa série de inferências. O que é que existe de mais encerrado e mediado que a atividade psíquica? E mesmo assim, esta se expressa na linguagem, que está no ar, e que somente pede para ser ouvida. A pessoa se atira contra as palavras e, sem saber, já chegou ao outro lado e está no corpo-a-corpo com o pensamento do outro. Mutatis mutandis, acontece o mesmo com um pintor em relação ao mundo visível. É o que acontecia ao pintor-viajante. O que o mundo dizia, era o mundo.
E agora, como complemento objetivo, o mundo tinha parido repentinamente os índios. Os mediadores não-compensatórios. A realidade se fazia imediata, como um romance.
Só faltava a concepção de uma consciência que fosse não apenas consciência de si mesma, mas também de todas as coisas do universo. E não faltava, porque era o paroxismo.”
César Aira, An Episode in the Life of a Landscape Painter

Ana Suy
“Eu sinto que a palavra fingimento, que dizer que tudo é fingimento, põe as coisas em uma perspectiva muito destituída de importância; pejorativa, até. Acusar o outro de estar fingindo, dizer que isso é fake e aquilo é falso, é como ter a posse da certeza de que há um verdadeiro por trás, concorda? Então existe o falso e esse falso oculta o verdadeiro. E aí eu penso que a gente encontra uma certa novidade na experiência analítica: o fato de que não é exatamente falso, mas uma brincadeira. Então é como se a vida fosse uma grande brincadeira, e o sujeito que está na posição depressiva é justamente aquele que está impedido de brincar. E isso acontece porque a brincadeira não tem mais graça. E só conseguimos fazer, só conseguimos brincar, se tivermos uma relação com a linguagem, de saber o que é isso, mas não ser tão isso. Porque como Freud disse: “Brincadeira é uma coisa muito séria para as crianças”. Então, ao vermos uma criança brincando, percebemos que ela está fazendo uma coisa muito séria, mas ela não está delirando nem alucinando, ela sabe que aquilo é uma brincadeira.”
Ana Suy, Eu só existo no olhar do outro?