Nerds & Encrenqueiros discussion

Água mole em pedra dura, não é mesmo? Depois de ser indicado várias vezes, o nosso livro do mês é All the Birds in the Sky (Todos os Pássaros no Céu), da Charlie Jane Anders. Dizem que é um livro que mistura Fantasia e Ficção Científica, e que é bom pra caramba. Mas o que você achou? Não esqueça de marcar spoilers quando necessário!

Para alguém que já tenha lido, ou esteja mais avançado no livro... A escrita melhora? Eu estou gostando muito da história, mas esse "book one" e o começo do "book two" estão me incomodando bastante quanto à construção do texto.

Katarine wrote: "Para alguém que já tenha lido, ou esteja mais avançado no livro... A escrita melhora? Eu estou gostando muito da história, mas esse "book one" e o começo do "book two" estão me incomodando bastante..."

Eu estou amando!! Não sei se tu estais lendo em português, e daí a escrita fica diferente por causa da tradução, mas em inglês eu estou achando bom. É uma escrita mais simples, direta, que não é exatamente lírico, mas que tem um tom de conto de fadas.

Raquel wrote: "Katarine wrote: "Para alguém que já tenha lido, ou esteja mais avançado no livro... A escrita melhora? Eu estou gostando muito da história, mas esse "book one" e o começo do "book two" estão me inc..."

Eu li em inglês, e curiosamente achei que as coisas que me incomodaram não estariam em uma tradução. Mas com o tempo me acostumei com a escrita e até passei a apreciar a "atmosfera" que ela dava a história.

Então, complementando o que estou achando do livro (estou em 35% e não sei se é spoiler ou não, mas vá lá) (view spoiler)[eu estava amando, mas estou um pouco irritada com a atitude infantil do livro quanto ao quanto os adultos são idiotas e não servem para nada além de para atrapalhar. Tá, verdade que alguns pais são assim mesmo, mas não haver nenhum adulto em uma escola que enxergue que a Patricia está sofrendo bulling sério e sendo acusada de coisas que não fez? Poxa, não faz sentido. Toda vez que algo assim acontece (do tipo "o mundo contra a Patricia") eu reviro os olhos (hide spoiler)]

Raquel wrote: "Então, complementando o que estou achando do livro (estou em 35% e não sei se é spoiler ou não, mas vá lá) [spoilers removed]"
Então, eu achei todas as relações descritas no livro muito rasas, e o livro todo muito caricato. Mas comecei a questionar se essa não era a intenção. Até a métade do livro nem tinha certeza se toda a fantasia e ficção não eram meras metáforas.

PQP, que livro é esse?!? Eu comecei amando, ele tinha uma qualidade de conto de fadas que me lembrou Uprooted. Daí no meio dele eu me irritei um pouco, pelas razões que eu menciono acima. Pela metade do livro também fiquei me perguntando o mesmo que a Katarine: se não era a intenção da autora colocar as coisas de uma maneira simplista e infantil. E acho que decidi que era. Os personagens do livro, e o narrador em 3ª pessoa por consequência, veem as coisas com olhar de criança, quando são crianças. Eles crescem e essa visão se amplia. É uma mistura estranha de narração em 3ª pessoa que absorve o ponto de vista dos personagens como se fosse em primeira. Achei que isso ficou muito inteligente, olhando agora que acabei o livro (mas no meio dele me irritou bastante).

(view spoiler)[Eu acho que o livro todo é sobre três binômios que são muito importantes no desenvolvimento emocional coletivo das pessoas nessa era em que vivemos. E os três são praticamente inseparáveis, de tanto que tem a ver uns com os outros.

O primeiro é o binômio normal/diferente. É fácil falar que "ninguém é normal" e que "somos todos iguais", mas é difícil sentir isso. Nos sentimos muito sozinhos nas nossas próprias loucuras internas, até que alguém divida com a gente a sua própria loucura de uma maneira que nos toque. O mundo está cada vez mais unido e mais separado ao mesmo tempo.

O que me traz para o segundo binômio: pertencer/separar. Desde o começo tem essa coisa de eles serem "outcasts", crianças estranhas que vivem à margem das outras, nunca se sentindo verdadeiramente parte - isso muito por causa de conceitos idiotas que colocaram na cabeça dos dois sobre o que é ser normal ou diferente. Eles se sentiam (e eram) muito diferentes um do outro, mas sentiam também uma sensação de pertencimento com a qual lutaram muito internamente. Eles sentiam muita identificação com os seus outros amigos, mas eram extremamente diferentes deles também. Só ao final conseguiram conciliar o pertencer e o separar dentro deles mesmos.

E o terceiro é o proteger/se expor - o binômio que eu acho mais contemporâneo de todos. Eles passaram o livro todo tentando se proteger - um do outro, dos seus amigos, e (principalmente) de si mesmos. Mas só conseguiram de fato quando colocaram a sua verdade um para o outro, quando se abriram. É uma das contradições mais fodas da existência humana, na minha opinião, e que vai mais contra um dos nossos instintos mais antigos: o medo. Para nos protegermos, temos que nos abrir. Temos que expor a nossa verdade para o mundo para conseguirmos nos blindar de fato do julgamento que realmente importa: o nosso. É das coisas mais doidas, mais difíceis e mais contra-intuitivas que temos que fazer para crescer. E dar conta deste terceiro binômio com tanta delicadeza foi a principal razão que amei esse livro (hide spoiler)]

No fim, exatamente porque eu senti que a coisa toda é uma grande metáfora para muita coisa que é pertinente para o inconsciente coletivo do mundo em que estamos vivendo, acabou sendo um dos melhores livros do ano pra mim. Que bom que eu li isso, mexeu comigo de uma maneira muito positiva. Amei!