Status Updates From Carta Para Minha Mãe

georges tells the story in such a way that it makes you feel like his mother is there reciting her memories to you

Ora, eu não queria deixar-te partir sem te ter conhecido, sem te ter compreendido. (...)
Continuei a pensar. Continuei a tentar compreender -te. E compreendi que, durante toda a tua vida, foste bondosa.
Não necessariamente para os outros, mas para ti, no fundo de ti própria.

Mas tu não querias saber de luxos. Não querias saber de lares. O que tu querias, isso sim, era a tua casa, a casa que conseguiras comprar depois de muito teres trabalhado e que era finalmente tua.

Todos nós temos pessoas que nos acompanham durante um percurso mais ou menos longo. Só à hora do balanço é que podemos fazer as contas e reconhecer a influência que cada uma dessas pessoas teve no nosso destino.

Eras de outra raça. Além disso, tinhas medo, um medo que começara quase no dia em que nasceste.
E com o teu sorriso um tanto vago, difícil de definir, decidiste lutar.

...esses inquilinos representavam aquilo a que mais tarde te ouvi chamar a tua "velhice"
Porque continuavas a recear, talvez por causa da tua mãe, das panelas vazias em cima do fogão, o fantasma da tua velhice.
Nessa altura, Désiré já não existiria, nem o seu ordenado mensal, reduzido mas suficiente. Quanto a nós, teus filhos, recusavas-te a contar connosco.
Tinhas de garantir a tua velhice.

Em Pedigree, eras uma personagem mais ou menos esquemática. Descrevia alguns dos teus actos e gestos, lembrava algumas das tuas frases.
Hoje, o que eu queria descobrir é a alma da verdadeira Henriette.

Tive de passar dos setenta anos para perceber que não só o meu passado mas também o teu e o do meu pai, que tanta importância têm para o que vim a ser depois, são como uma parede em branco.

Há uma grande parte do teu passado que não deixou qualquer rasto, e é justamente a que mais me seduz.
Tudo me leva a supor que já eras uma miúda extremamente nervosa, extremamente sensível, mas que , não sei por que milagre mantinha o seu equilíbrio e a sua teimosia.

Pergunto-me agora se não tinha de haver um malvado na família, e esse malvado era eu.

...só se conhece de facto alguém quando se conheceu a sua infância.

O que hoje compreendo é que um casal que tenha filhos não é apenas um casal. E as pessoas, por vezes, esquecem-se disso. Na mesma casa, junto delas, quase sempre presentes, há olhos de crianças que as observam, que as julgam à medida da sua inteligência.
Pensam que são apenas um pai e uma mãe.
Não é verdade. São dois indivíduos cujos gestos, cujas palavras, cujos olhares são julgados impiedosamente.

O meu pai era um homem meigo, mas, como todos os Simenon, nunca se mostrou expansivo.
Há um pormenor de que me lembro e que talvez seja significativo. Um dia, num momento de desânimo, disseste-lhe:
- Quando penso, Désiré, que nunca me disseste "amo-te"...
- E o meu pai respondeu, de olhos húmidos, tenho a certeza:
- Ora, tu estás aqui.
Terá sido isso que te endureceu?

A desconfiança nascera contigo. A pequena órfã de cinco anos, que vivia sozinha com a mãe, não podia acreditar em milagres.
Todavia, pensando bem, o principal objecto dessa desconfiança era eu.
Por amor? Por medo de que eu desse um passo em falso? Por receares que eu pudesse cometer sabe Deus que vigarice?
Só tu, mãe, poderias responder.