Status Updates From Florbela Espanca a vida e a...

Este querer-me bem se me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.

Mesmo a beijar-me a tua boca mente ...
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vãos dizeres! ...

Mas que me importa a mim que me não queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo

(...)

Ah, a miséria dos nossos ouvidos surdos, das nossas almas fechadas! «Les morts vont vite ...» Não é verdade! Não é verdade! Os mortos são na vida os nossos vivos, andam pelos nossos passos, trazemo-los ao colo pela vida fora e só morrem connosco. Mas eu não queria, não queria que o meu morto corresse comigo, não queria! E escrevi estas páginas ...

"Hoje que chega Sua Majestade, está um dia péssimo de chuva e vento." O dia de aniversário de Florbela é o dia do seu funeral. Nesse acaso, mais belo que toda a premeditação, que é a invenção do acaso sem o seu espírito, há todo o arrebatamento final duma vida suplicante e transida. A vila de Matosinhos é varrida por uma tempestade. Não é possível fazer o enterro, porque desaba sobre o cemitério uma chuva torrencial;

Na verdade, está exausta no fim do ano de 1930. "agora é que o Vento está da cor dos meus versos e quase da cor dos meus olhos!" - escreve, ao professor Battelli, em 30 de Novembro. Refere-se a uma figura de Eolo dos livros corais da Catedral de Siena e que ele lhe mandou. É incansável a distraí-la esse delicado amigo. (...)

Bela salvaguarda aquela identificação com o pai como um miserável fio de humanidade. É a sua filha querida, que ele levava ao Paço de Reguengo para que cumprimentasse a rainha. "Quero um vestido igual ao da rainha!" Mas não; não quer ser o beijo que ela lhe deu. Vingar-se-á daquele beijo, de ter sido julgada tão indefesa para o receber. "Sonho que um verso meu tem claridade / para encher todo o mundo!" (...)

Os primeiros tempos desse casamento não parecem ter sido desgraçados. Não têm muito dinheiro. O irmão socorre-a para que compre um vestido, promete-lhe um lenço de seda e frequenta com o casal a boa companhia que vai almoçar ao Lumiar à quinta que Milburges comprou. Bela sai muito. Janta no Leão de Ouro, aparece nas reuniões onde se dizem versos. (...)

.) É nas velhas legendas que se pronuncia o ciclo do quotidiano.Adopções múltiplas que unem os grupos e os indivíduos mais fortemente do que as leis do clã ou do sangue - aí vamos encontrar certa forma nova de viver e de amar e que ressoa no timbre de Florbela,que é,em grande parte,o timbre da sua sinceridade profunda.A sociedade não entendeu o seu gosto pela dispersão.Não era imoral,era apenas ingenuamente criadora.

(...) Ora bem, este aflorar ligeiro sobre o sentido profundo das coisas foi o que fez a celebridade de Pessoa. Mas não passa dum sintoma de degenerescência. O facto de encontrar uma receptividade extraordinária no leitor comum, e às vezes incomum, quer dizer que certa brutalidade face ao pensamento agrada, porque se relaciona com o sentido de toda a brutalidade, que se toma por audácia.

A excessiva sensibilidade de Florbela, paralela sempre ao narcisismo que ela possui, podia conduzi-la a certos estados de ofensa que noutras pessoas não passariam de breves melindres. Temos de considerar a maneira como as circunstâncias do seu nascimento lhe foram reveladas.

Florbela recebe em Lisboa o baptismo da snobe. Não é ainda a cabotina que fica retratada nas fotografias mais conhecidas, com o colar de pérolas e o vestido de faille preto. Mas já não se parece nada com a pequena Bela de chapéu de ceifeira na cabeça, a ler um livro, encantadora criatura como um modelo de Renoir.