Izzy Slowly e as selfies

É um assunto recorrente aqui.Não se toca nas mulheres nos pedestais.Há mulheres nos pedestais. As mulheres nos pedestais estão no mesmo patamar filosófico dos ídolos. Não se devassa um ídolo para lhe colocar o braço em cima do ombro imaterial e tirar uma selfie connosco, os belíssimos imperfeitos terrenos.Pensem lá: uma selfie faz mais pela despromoção do ídolo do que pela nossa promoção. Vá, a meio do século passado, se aparecias numa fotografia ao lado de um ídolo com ele a abraçar-te e a enfrentar a câmara ao teu lado, podia haver paridade.Deixava é de haver ídolo. Ou passava a haver dois.Portanto, se não gostas, verdadeiramente, do teu ídolo, devassa-o, toca-o, puxa-o para ti e nivela-o por ti.Não me venhas com o discurso paritário. Ídolo é ídolo.Terei feito cinquenta viagens no trólei 3, em Coimbra, entre o Teatro Gil Vicente e os Olivais, sentado em frente ao Torga, quarenta e nove das quais pensei falar-lhe de Miúra, o touro. Avisaram-me que ele me destrataria e eu nunca ganhei coragem. Da minha janela, via a sua mulher terrena, belga, a fazer tarefas terrenas no quintal da casa deles, à Rua de Camões. O Torga morreu e eu não lhe falei. Vive em mim. Talvez não vivesse se eu tivesse rompido a película de celofane entre nós e ele me tivesse destratado, talvez até incluído numa entrada dos seus diários tardios, escrevendo:"as pessoas não entendem que Adolfo Rocha não é Torga; ainda tinha esperança nesta nova geração de miúdos, mas ainda agora um parvinho se dirigiu a mim e, em vez de me cumprimentar, disse disparatadamente: gosto tanto do Miúra, doutor Torga!"
Izzy Slowly podia ser uma pin-up. Não é.Podia ser uma altíssima vedeta com rabo de silicone. Não é.Podia ser uma miss mundo com um discurso avançado. Não é.Podia ser uma pivô televisiva. Não é.
Izzy Slowly é só uma mulher dos tempos passantes dotada da leveza dos fantasmas e do veludo azul da Isabella Rosselini, tem quase só substância e quase não-aparência e um perfume inefável, infungível, incindível sem hífens, frases intensas sem acordo, eterna menina em busca de uma forma que nunca alcançará, porque Izzy, tendo-se como um elemento irrelevante da poeira estelar que nos homens se reconstitui na terra no fim de cada existência, não aceitará nunca o pedestal.
No entanto, não a podes tocar. Ninguém a pode tocar.E, ainda que as deusas modernas tenham cônjuges e carne, qualquer tentativa de as vulgarizar, mesmo depois da maternidade, ou principalmente, resultará frustrada.
Este é o tempo em que não existem, verdadeiramente, deusas.Ou são excepção as que emergem.Mas, quando uma menina pura, febril, luminosa, passa a adolescência incólume, chega a Izzy Slowly e, sem saber, sobe pelos pedestais com a ilusão de que a vida é lateral, não central.
Como é normal nas deusas modernas, que não sabem que o são, o que nós sabemos ser superlativo é para elas relativo;
É normal que atravessem uma vida carnal inseguras e, por vezes, tristes, quando afinal inspiram o universo sem a ele aspirar e, ao inspirá-lo, criam a dinâmica do abismo e despenham-se sobre os homens que, ao serem banhados por elas, devem curvar-se em gratidão e reverência e nunca ousar tocar-lhes.
Não se toca na dançarina de colo.Não se toca na deusa.
É normal que a dançarina pense que é a deusa e que a deusa pense que é dançarina.
Não há argumentos para Izzy slowly.Só culto e eternidade.
@pguilhermemoreira 2018@pg-mor


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Published on September 14, 2018 10:13
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