Berço
meu filho levanta os próprios pés, coloca na boca, a baba vai virando chuva nos carros estampados no lençol. comprei essa roupa de cama antes do Chico
nascer
numa loja em Osasco cheia de mães
quando chega a noite
a luz da loja se apaga
amanhã começa tudo outra vez, se não tivesse pausa
enlouqueceríamos.
Chico, eu digo. Chico, repito, não estou te chamando, estou te contando seu nome,
é assim que as pessoas que quiserem a sua atenção ou
quiserem falar da sua Presença vão se referir a você que acabou de soltar um nhé
em breve será uma palavra, em breve
frases inteiras, histórias em outras línguas até que. um dia você vai usar
as palavras que eu te ensinei
junto com as palavras que você aprendeu
sozinho/ na escola
para brigar comigo, me magoar, e eu vou te magoar também, inevitavelmente, vou magoar seu pai e tudo o que existe
ainda assim iremos à praia
pela primeira, pela décima vez.
te percebo com sono.
afago a sua barriga, tem algo de cachorro nos seus gestos, na sua inocência que sei (e é uma pena)
sei o quanto vai passar. por mais que eu te proteja – polvo que sou –
vai chegar o dia
em que você olhará para a vida sem nenhuma esperança e
conversando com os seus amigos dentro do apartamento de algum deles, todos bêbados, você dirá minha mãe
era boa. um pouco exagerada, neta de italianos, também não tinha senso de direção. mas era boa, a velha, me deu um afeto tão puro
e eu debaixo da terra
sorrirei sem boca nem dente pensando que ganhei uma espécie de sobrevida.
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