Berço

meu filho levanta os próprios pés, coloca na boca, a baba vai virando chuva nos carros estampados no lençol. comprei essa roupa de cama antes do Chico


nascer


numa loja em Osasco cheia de mães


quando chega a noite


a luz da loja se apaga


amanhã começa tudo outra vez, se não tivesse pausa


 


enlouqueceríamos.


 


Chico, eu digo. Chico, repito, não estou te chamando, estou te contando seu nome,


é assim que as pessoas que quiserem a sua atenção ou


quiserem falar da sua Presença vão se referir a você que acabou de soltar um nhé


em breve será uma palavra, em breve


frases inteiras, histórias em outras línguas até que. um dia você vai usar


as palavras que eu te ensinei


junto com as palavras que você aprendeu


sozinho/ na escola


para brigar comigo, me magoar, e eu vou te magoar também, inevitavelmente, vou magoar seu pai e tudo o que existe


ainda assim iremos à praia


pela primeira, pela décima vez.


 


te percebo com sono.


 


afago a sua barriga, tem algo de cachorro nos seus gestos, na sua inocência que sei (e é uma pena)


sei o quanto vai passar. por mais que eu te proteja – polvo que sou –


vai chegar o dia


em que você olhará para a vida sem nenhuma esperança e


conversando com os seus amigos dentro do apartamento de algum deles, todos bêbados, você dirá minha mãe


era boa. um pouco exagerada, neta de italianos, também não tinha senso de direção. mas era boa, a velha, me deu um afeto tão puro


e eu debaixo da terra


sorrirei sem boca nem dente pensando que ganhei uma espécie de sobrevida.

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Published on November 08, 2018 12:39
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Aline Bei's Blog

Aline Bei
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