Mário e Tarsila

Por Fernando Neves





Foi uma festa, uma verdadeira maravilha ver a  exposição Tarsila Popular, encerrada no final de julho no MASP, bater recorde e se tornar a mais visitada da história do Museu com mais de 400 mil pessoas. E entre as cerca de 120 obras expostas, em meio ao Abapuru, O Batizado de Macunaíma, A negra, Operários e tantas outras pérolas, estava lá o Retrato de Mário de Andrade, pintado pela artista em 1922.





[image error]Retrato de Mário de Andrade, 1922



Parei diante do quadro, bem menos concorrido que outros mais conhecidos da artista, devo admitir, e fiquei por uns instantes viajando na beleza das cores, na composição da obra, dando olhadas de soslaio ao amigo Oswald ao lado. E não pude deixar de me levar um pouco fora da mostra e pensar mais detidamente em Mário de Andrade e na amizade que desenvolveu com Tarsila por longos anos. Ao contrário do que muitos pensam, Tarsila não participou da Semana de 22, conheceu Mário poucos meses depois por uma amiga em comum, Anita Malfatti.





Os dois trocaram cartas que foram organizadas  pela historiadora Aracy Amaral e lançadas em um livro pela EDUSP, Correspondência – Mário de Andrade & Tarsila do Amaral.  Ótima fonte para acompanhar, por que não “bisbilhotar”, as conversas entre os dois que giram por assuntos diversos, desde o interesse pelas tendências artísticas da época, a preocupação com a cultura brasileira, os processos de criação de ambos e até as desavenças com Oswald de Andrade, que foi marido de Tarsila.





Mário, além da extensa obra, também foi  um escritor compulsivo de cartas, muitas delas com a marca do lirismo do autor. Ele mesmo dizia que descansava escrevendo aos amigos escritores, artistas, políticos, músicos. Depois de sua morte foram compiladas mas de oito mil cartas de sua autoria, sem contar as muitas que se perderam. Para Tarsila foram dezessete.





[image error]O Batismo de Macunaíma, 1956



Fui tirado de minha digressão por uma senhora que esbarrou em mim ao tirar uma selfie junto ao quadro do Mário. Sim, o quadro ainda estava lá, bem na minha frente. Hoje, com computadores, celulares e redes sociais parece estranho a troca de cartas mas, aos mais novos, era assim que a pessoas se comunicavam. A escrita com tinta e papel, parece que vai se perdendo. Mas na minha mochila eu tinha comigo o meu exemplar de EU e MÁRIO DE ANDRADE, livro de anotações editado pela Bandeirola, com trechos de poemas e imagens de São Paulo. Anotei ali essas impressões para que não se perdessem. Entre os poemas de Mário, no livro estava este: “São Paulo! Comoção da minha vida …/ Os meus amores são flores feitas de original! … / Arlequinal! … Trajes de losangos … Cinza e ouro …”.





Arlequinal. Mário usou a imagem do arlequim em diversos de seus poemas e até criou essa expressão “arlequinal”, para designar algo ambíguo, carnavalizado. Em uma das cartas enviadas a Mário por Tarsila, ela avisa que comprou para ele um quadro de Picasso, Arlequim. Justamenete.





O escritor e crítico literário, Antônio Cândido disse certa vez que a obra de Mário só pode ser inteiramente compreendida através da leitura de suas cartas. Afasto-me do retrato do Mário. Vou rever O Batismo de Macunaíma, pra mim o quadro mais belo dessa mostra, entre tantas belezas. Mais uma mostra da amizade entre esses dois artistas.





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Published on August 20, 2019 13:25
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