in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 21
VINTE E UMNaquela manhã, chegavam os pais. Enquanto aguardavam no aeroporto Maria e Rita acertavam os últimos detalhes sobre o que dizer.Com a ajuda de todos tinham feitos compras, arrumado a casa e escondido o que as pudesse comprometer, como o facto de Pedro lá morar e Maria não.Lochan estava ao seu lado, mantinha a promessa que fizera ao irmão. Antes de a deixar no aeroporto, Rhenan só dizia que seria tudo mais fácil se contassem a verdade sobre a sua relação aos pais. A ideia de Maria ficar afastada dele era uma tortura, obrigara-a a prometer-lhe que se manteria dentro de casa antes do pôr-do-sol sempre com o irmão por perto.Viu a família, avançando para os receber. Abraçou os pais e a avó que não tirava os olhos de Lochan. Este sentia o olhar da avó de Maria, porém custava-lhe acreditar que o conseguisse ver. - Bem-vindos, a Dublin! Vamos colocar as malas em casa, depois quero mostrar-vos esta fantástica cidade. – agarrou a avó pelo braço pegando-lhe na mala caminhando na direcção da paragem de táxis. Lochan seguia-as de perto contrariado por não poder ajudar a levar a bagagem.- Estás com um aspecto saudável, mas outra vez mais magra. Temos de resolver isso enquanto aqui estivermos. – a avó sussurrava para que a mãe não as ouvisse.Ao chegarem a casa subiram para se refrescarem, dormiria com a avó no seu quarto. Maria fechou a porta para poderem conversar à vontade.- Tenho tanto para te contar que nem sei por onde começar.- Podias começar por me dizer quem é aquele bonito rapaz que tem estado sempre atrás de ti e que ficou lá em baixo. - Consegues vê-lo? Mas como?- Consigo e sei que está aqui para te proteger.Maria abraçou-a emocionada, a avó nunca deixava de a surpreender. - Só mesmo tu para compreenderes a loucura em que vivo, sei que entenderás tudo que te quero contar. E vou precisar muito da tua ajuda para nos mantermos todos dentro de casa antes de escurecer.- Assim será. Vamos descer que te trouxe uns miminhos.- Pastéis de nata?- Entre outras coisas.- Já estou a salivar.
Não se demoraram muito, até chamarem outro táxi que os deixou no centro de Dublin.Visitaram o Trinity College. Passearam por Stephen’s Green, fizeram um passeio turístico num anfíbio viquingue que lhes deu uma panorâmica geral da beleza e história da cidade. Havia tanto para ver, que os dias não chegariam. E como a mãe não gostava de caminhar, acabaram por almoçar no Temple Bar seguindo dali para casa.Sabendo que o bar pertencia a gentes do Clã, Maria sentia-se segura. Lochan olhava à volta sequioso por uma Guinness.Nessa noite, a mãe que conseguira embarcar clandestinamente uma mala de comida, preparou um fantástico bacalhau com natas acompanhado de um belo vinho branco de Borba. Os pais estavam estafados e já se tinham retirado para os respectivos quartos. Rita ajudou-a a lavar a loiça e a arrumar a cozinha, deixando-a na sala com a avó e sem o saber com Lochan.- Como te chamas meu filho?Lochan pegara no prato que Maria lhe preparara servindo-se de vinho.- Não te assusta que só tu o consigas ver?A avó sorriu-lhe olhando directamente para Lochan.- Senta-te perto de mim meu filho. Lochan fez-lhe a vontade, estava curioso para ouvir a explicação da avó de Maria.- É um prazer conhecê-la.A avó Lena segurou-lhe na mão, Lochan estremeceu ao seu toque. - Consigo senti-la! - olhava para Maria que encolheu os ombros parecia tão confusa quanto ele.Sorria-lhes candidamente enquanto lhes explicava.- Algumas mulheres da nossa família sempre tiveram um sexto sentido muito apurado e que pelos mais diversos motivos esconderam. - falava sem lhe largar a mão – No meio pequeno onde nasci se fosse de conhecimento geral, toda a família seria acusada de bruxaria e as consequências não eram brandas. Por isso decidimos manter estas capacidades dentro do seio da nossa família e com o passar do tempo esquecemo-nos do que éramos capazes. - largou a mão de Lochan para que pudesse comer.Maria sentou-se ao lado da avó absorta nas suas palavras.- Para entenderem melhor o que vos digo tenho de começar por vos contar uma história. – serviu-se de um copo de água bebericando antes de começar - Numa noite em que o céu estava carregado e soprava um forte vento, apareceu à nossa porta, uma lindíssima mulher, cabelo cor do fogo, pele alva, olhos verdes, vestida de negro e com uma pesada capa de pele de ovelha. Lochan pousara o prato vazio, hipnotizado pelas palavras da avó de Maria.- A minha mãe nem pensou duas vezes, convidando-a a entrar, ofereceu-lhe um caldo quente. Ficou a viver num quarto do andar térreo. Ensinou-me sobre ervas, chás, como aperfeiçoar o meu dom. Foi este conhecimento que me permitiu ajudar quem necessitasse. - Porque nunca me contaste?- Nunca pensei que pudesses ter herdado as nossas capacidades. Peço-te que me perdoes por não o ter feito. Mas a verdade é que quando as minhas filhas e sobrinhas nasceram nenhuma tinha o dom. Apesar disso sempre soube que eras especial.- Especial?- Recordas-te da noite em que o teu avô morreu? Nessa noite dormiste na minha cama.- Lembro-me de acordar com alguém a tocar-me na face e não teres sido tu por estares de costas para mim. Não tive medo, mas nessa noite não voltei a dormir. – Maria recordava-se.- E do que te disse no dia seguinte? – a avó Lena sorria-lhe com amor.- Disseste-me que era o avô a despedir-se.A avó anuiu com a cabeça.- Quando me contaste pensei que pudesses ser vidente. Porém não voltou a acontecer e com o passar do tempo coloquei de lado essa hipótese. Convenci-me que as nossas capacidades acabariam comigo, quando morresse. Agora vejo como és extraordinária.- Não me sinto assim tão especial.- És a fiel depositária da nossa herança familiar, é minha obrigação explicar-te a responsabilidade que acarreta e como a deves usar.- Tenho tantas dúvidas. Aconteceu-me tanto nestes meses que nem sei por onde começar.- Não será necessário, tenho sentido a tua ansiedade. Quem é o Rhenan?- Rhenan? Lochan escutava fascinado. - Ao segurar as vossas mãos percebi que existe algo que vos une. E apareceu-me esse nome.Maria olhava para os dedos nervosa.- Talvez eu possa explicar! Lochan olhava para a avó Lena com um profundo respeito. – É o meu gémeo e está perdidamente apaixonado pela Maria. Olhou para a neta.- É verdade?Maria sorriu em resposta.- Mas sabes que se contar aos meus pais, arrastam-me para casa.- Sei e será o nosso segredo. – a sua voz era doce - Lochan gostava que me falasses sobre a vossa família. Mas se me permitem vou fazer um chá e trazer uns bolinhos, depois fechamos esta porta e conversamos calmamente. – já se levantava, caminhando silenciosamente para a cozinha. Maria seguiu-a ajudando-a, enquanto Lochan colocava mais lenha a arder. Não repararam no avançado da noite até Maria notar que a avó estava estafada. Maria enviou uma mensagem a Rhenan. “Amo-te muito. Estou doida de saudades tuas”.Recebeu de imediato resposta. “Não me provoques. Não sabes que não consigo dormir sem ti?”.Maria dividiu a cama com a avó, sempre se sentira protegida perto dela, continuava a ser a pessoa mais importante da sua vida.
Lochan deitou-se no sofá da sala com uma almofada e manta que Maria lhe trouxera, sentia uma paz interior da qual não se lembrava há muito tempo. Aquela mulher que aparecera no momento mais conturbado das suas vidas era como uma brisa de ar fresco. Sentia-se seguro perto dela, a avó Lena conseguia ver através da escuridão que os rodeava, percebia a razão de Maria ser especial.No exterior reinava a paz, se as Sombrasse moviam não as sentia. Desde que se tornara visível aos olhos de Maria que começara a sentir necessidade de coisas básicas como dormir e comer, e o bacalhau com natas estava divinal. Resistiu para não se levantar e servir-se de mais um prato.
Os pais tinham feito uma lista dos locais que pretendiam visitar. Almoçaram no restaurante panorâmico na fábrica da Guinnesscom vista privilegiada sobre a cidade.A avó queixou-se de cansaço e como os pais ainda queriam continuar a sua descoberta de Dublin, Maria decidiu regressar a casa com a avó.Apanharam um táxi.- Minha filha! Não estejas preocupada, não estou cansada, - a avó Lena segurava na mão de Maria com um sorriso matreiro - foi uma pequena mentirinha que arranjei para poder conhecer finalmente o resto da tua nova família.Lochan ria-se divertido.- Foste matreira. - Maria tirou o telemóvel do bolso. Rhenan atendeu ao primeiro toque - Podem ir ter a minha casa?- E os teus pais? - soava preocupado. - Ficaram em Dublin. Venham depressa, temos muito que conversar. - Estamos a sair. Acabavam de entrar em casa quando ouviram um carro estacionar.Passara pouco tempo desde que falara com Rhenan, talvez o sangue de Dragão lhes tivesse dado asas. Maria ria-se com o pensamento enquanto lhes abria a porta.- Estamos sozinhos? – Rhenan falava baixinho com os irmãos e a prima parados atrás dele.- Se estás a perguntar sem pais? Sim!Puxou-a para os seus braços, beijando-a.- Meus! Deixem-se disso, tanto mel enjoa. - Fionn empurrou-os tentando passar – Queres explicar-nos porque fomos convocados?- Para vos apresentar a minha avó, a pessoa mais importante para mim e para o Lochan.- Lochan? - Maeve entrara exactamente quando Maria acabara de falar - Ela também o consegue ver?- Ver, tocar, o bolo todo.- E achava eu que tínhamos uma família estranha. Miúda tu consegues superar-nos.- Cala-te avestruz, não sabes o que dizes. – Maeve já passava à frente de Fionn empurrando-o.- E tu sabes Barbie?Acabaram os insultos, com as línguas de fora.A porta da cozinha abria-se, a avó Lena sorria-lhes calorosamente. - Venham meus filhos preparei um lanche.Começaram as apresentações, entre beijos e abraços a avó Lena rapidamente conquistou os MacCumhaill. Lochan não saía do seu lado animado sempre pronto a ajudar, era uma pena que nenhum dos irmãos o conseguisse ver.O tempo passava a correr, os pais podiam chegar a qualquer instante, despediram-se. Fionn saía satisfeito levando com ele um tupperware de pastéis de bacalhau e rissóis de camarão. A avó segurou Rhenan por um braço.- Meu filho, basta olhar para ti para ver o amor que sentes pela minha menina. Peço-te que olhes sempre por ela, que a protejas. - beijou-o com afecto. Rhenan abraçou a avó Lena prometendo-lhe estar sempre ao lado de Maria.Emocionada despedia-se de Rhenan com lágrimas nos olhos. - Não chores, mo ghrá! – Rhenan limpou-lhas com o polegar, beijando-a.- São lágrimas de felicidade, compreendes agora porque a amo tanto?- É uma mulher adorável. Se a amava através de ti agora que a conheço amo-a ainda mais.- Obrigada! - Tenho de ir Maria antes que os teus pais cheguem. – sorria-lhe divertido, sentia-se um adolescente a quebrar regras - Não te esqueças que combinaram ir almoçar amanhã lá a casa. - Ainda temos de arranjar uma desculpa plausível.Maria e Rhenan beijaram-se com a promessa de em breve voltarem a estar juntos. A avó despedia-se à porta de casa acenando-lhes com Lochan sempre a seu lado. Quando deixaram de ver o carro entraram fechando a porta.- Vovó! Como se chamava a rapariga que trabalhou em casa da tua mãe?- Rhiannon.Lochan e Maria entreolharam-se. - Esse nome diz-vos alguma coisa?- Nem sabes como! - Agora deixaram-me curiosa.- É o nome da feiticeira que nos ajudará, conhecia-a em Tara.- Estiveste novamente na terra das Fadas? Quando? – Lochan soava ansioso. - Numa destas noites.- Como…- Lochan sentia-se confuso.- Vamos para a cozinha, conversamos enquanto preparo o jantar.- Eu ajudo a minha avó, tu podias ajudar-nos a levar as coisas para a mesa.- Largas uma bomba dessas e esperas que esqueça e fique calmo?- Estou aqui, não estou?A avó Lena sorria divertida.Lochan tinha de se conformar com a resposta, insistiria mais tarde. Sentia-se feliz por se útil.Existia um degrau para o interior da cozinha que ficava num nível inferior, era ampla com uma sala e acesso a um jardim vedado por uma cerca de madeira.Começara a chover e o céu escurecia. Os pais tardavam a regressar. Maria telefonou-lhes, mas ia para as mensagens, começava a ficar inquieta. A avó apercebera-se do seu nervosismo. Entregando-lhe uma infusão de chá acabado de fazer. - É um calmante natural, bebe que te vai fazer bem. Fez o que lhe dizia prestando atenção ao que fazia, parecia rezar enquanto deitava sal grosso e algumas ervas dentro de um tacho. Reconhecia o alecrim, o cravinho e a arruda. A avó estava a efectuar um ritual de protecção.- Posso ajudar-te?A avó ficou satisfeita com o pedido da neta. - Repete comigo esta ladainha até os teus pais chegarem, “raio azul de luz protector, protegei-os a todos do mal e da dor”, tens de visualizar essa luz brilhar à volta de todos aqueles que nos são queridos. Temos de nos concentrar nos teus pais e nos nossos amigos, até entrarem não podemos parar.Maria anuiu com a cabeça imitando a avó. Lochan, na sala, reparara que o dia escurecera rapidamente, a chuva aumentava de intensidade, o vento uivava, mas sabia que não eram só os uivos do vento que ouvia, as Sombras rondavam a casa. Sentia-se impotente por não poder ajudar Maria a trazer os pais em segurança. Deixou-se ficar encostado à janela observando o exterior, reparando nos subtis movimentos nos arbustos, sabia que não o conseguiam ver, mas ele via-os e conseguia sentir a sua ameaçadora alegria. Tinha de evitar que Maria corresse ao encontro dos pais, sabia que estava na cozinha com a avó, conseguia ouvi-las. Só a Deusa os podia proteger. O tempo passava e nenhum se mexia das suas posições. Lochan sentia que a protecção que as mulheres pediam estava a resultar, conseguia ver nitidamente uma luz azul envolver a casa estendendo-se pela estrada continuando a avançar. As Sombras afastavam-se uivando de dor. O poder daquelas duas mulheres era muito forte.Na cozinha Maria e a avó tinham dado as mãos, a força das duas avançava, protegendo tudo e todos à sua passagem, a luz procurava a família. Sentiram quando a encontrou, já só tinham de os manter dentro da sua protecção até chegarem a casa. O esforço que faziam era enorme deixando-as extenuadas, mas sabiam que não podiam parar.Lochan gritou avisando-as quando vislumbrou luzes aproximarem-se. Um táxi acabara de parar à porta. Saiu da janela caminhando para junto delas. - Já podem parar o que estão a fazer, resultou. - correu para as amparar, estavam esgotadas. Antes que a porta da rua se abrisse pegou na avó Lena subindo rapidamente as escadas, empurrou a porta do quarto deitando-a cuidadosamente na cama. A avó Lena agradeceu-lhe passando-lhe a mão pela cara, assegurando-lhe que estava bem. Deixara Maria sentada no largo sofá na sala anexa à cozinha, a recuperar do exigente esforço. Não sairia de ali até ter a certeza de que aquela adorável mulher ficava bem. Puxou uma cadeira sentando-se perto da cama ouvindo-a respirar.
A porta da rua abriu-se. Entravam, falando ao mesmo tempo, impressionados com o que tinham visto. Sentia-se estafada, mas não podia deixar que a mãe pensasse que estava doente senão nunca mais se ia embora. Levantou-se do sofá com esforço, sabia que Lochan ficaria com a avó. Colocou um tacho com água ao lume para cozer esparguete, com sorte conseguia cozinhar carbonara. Ouviu a mãe chamar. A porta da cozinha abriu-se.Maria informou a mãe que a avó estava a descansar e que naquela noite seria ela a fazer o jantar. - Onde compraste esse anel? - a mãe olhava para a mão dela.- Gostas?- É bonito. Tentei encontrar um parecido para a tua prima, mas não consegui. Nem mesmo nas ourivesarias. Se encontrares um parecido compra-o e envia-mo.- Fica descansada.A mãe achava o anel bonito? Era um espanto! Era seu e era único.- Vou levar os sacos para cima e espreitar a tua avó. Já desço para te ajudar.- Não é preciso.- Desço já.Maria sentia que a sobremesa seria uma valente seca. Teria de pousar de modelo para as roupas que a mãe decidira comprar-lhe e que não seriam certamente do seu agrado. Suspirava desanimada. A avó nunca descera para jantar e a mãe achara por bem deixá-la descansar. Lochan informara Maria que a avó Lena dormia calmamente. Naquela noite, depois de todos se deitarem e do serão mais longo de que se lembrava a experimentar roupas, Maria preparou um chá e torradas para a avó comer. A protecção que fizera, resultara, porém, deixara-a esgotada.Acordou-a, obrigando-a a comer.Apesar de não ter fome fez a vontade à neta.
Aproveitando o silêncio Lochan dirigiu-se à cozinha, ia comer o que sobrara da massa. Tinha sido fantástico ver o poder combinado de Maria e da avó Lena afastar as Sombras. Suspeitava que ainda deviam estar a pensar no que lhes acontecera. Só era pena que tivesse de regressar, ia ter saudades daquela fantástica mulher. Pegou num copo servindo-se de vinho. Aquela noite não era para dormir, mas para celebrar novos amigos, pessoas que marcavam a sua vida de forma positiva. - Slainté!- ergueu o copo bebendo de um único trago, pegou na garrafa voltando a encher aproximando-se da janela olhou para o exterior onde ainda se vislumbrava a luz azul forte e brilhante.
As Sombras nunca tinham sentido uma força tão poderosa como naquele dia, perdidas nas suas maledicências há demasiado tempo para se darem ao trabalho de ver com quem lidavam. A energia vinda do interior daquela casa era muito forte, muitas tinham sido reduzidas a cinzas, extinguindo-se para sempre. Gol continuava parado no exterior a observar a casa, sequioso de destruir a mulher que partilhava a cama do líder do Clã seguindo-a para onde fosse e naquela noite presenciara o seu poder. Sentia-se enfraquecido com a destruição das Sombras que sempre o seguiam, dizimadas pela forte luz que irradiara da casa. Uivou alto, sentindo rastejar perto de si, não necessitava de olhar para saber quem era, Hel parecia confusa com o que acabara de presenciar. As forças que protegiam os MacCumhaill eram poderosas.Gol protegia-se da claridade que circundava a casa, a raiva que sentia era imensa, atraindo Hel e as demais Sombras para si, era delas que obtinha a sua força.
De manhã, ao abrir os olhos, viu que a avó já se levantara, saltando da cama desceu as escadas a correr chamando-a.- Vovó onde estás?- Na cozinha filha.- Sentes-te bem?- Como nova.A casa estava estranhamente silenciosa.- Onde estão todos?- Foram numa visita turística às montanhas de Wicklow, iam visitar Glendalough. - Glendalough?- Não te assustes, o Lochan já me explicou que é onde vivem. Só com muito azar é que os encontramos. - O Lochan?- Está lá fora a apanhar sol.- Mas isso é possível?- Não sei, mas deve estar a gostar, já lá está há bastante tempo. - riu-se baixinho - Vais tomar o pequeno-almoço que te vou arranjar. Depois vestes-te e vamos para Yggdrasil. Quero conhecer a tua nova casa.- Vais adorar. – os olhos de Maria brilhavam na expectativa.
Acabava de se vestir quando ouviu a voz de Rhenan, desceu as escadas a correr lançando-se nos seus braços, beijando-o.- Mo ghrá! Isso são tudo saudades? - não a largou.- Sinto muito a tua falta, não gosto de ficar longe de ti.- Vamos meninos. - a avó passou por eles com a carteira pendurada no braço, levava um bolo de bolacha com café, acabado de fazer.Lochan apareceu bem-disposto.- Estás bronzeado? – Maria observava-o surpreendida.- Está? - Rhenan parecia tão espantado quanto ela. - O teu irmão está mesmo bonito, como é que conseguiu bronzear-se não faço ideia. Sabes, - Maria pendurou-se no pescoço de Rhenan - se ficares com a mesma cor do teu irmão, passamos os dias fechados no quarto.- Tenho mesmo de te afastar dele!Maria ria-se divertida mordiscando-lhe o lábio. - Vamos. Senão terá de ser o Lochan a levar o carro. – Rhenan gemia de excitação.Era tentadora a ideia de um carro a mover-se sem condutor.
Maeve mostrava entusiasmada todos os cantos da casa, guardando a sala da cave para o fim. Seria ali que tomariam chá depois do almoço. Passearam pelos jardins sentando-se perto do lago. A avó Lena adorara, dizendo-lhes que aquele lugar era especial. Vira fascinada, fotografias da família tiradas ao longo dos séculos. Observava por cima do ombro da avó, era excitante ver Rhenan envergando kilt com as suas longas e musculadas pernas. Sacudia discretamente a cabeça, tinha de se deixar de devaneios, não lhe faziam bem às suas já fracas, sanidade e decência. Rhenan parecia ter-lhe lido os pensamentos, sorrindo-lhe provocadoramente. Desde que se mudara para Yggdrasil, nunca se apercebera que a casa tinha sótão. Sempre adorara casas antigas e aquela era a melhor de todas. Almoçaram um estufado irlandês muito parecido com o que a avó costumava fazer e foram para a cave.A avó contou-lhes, o que fizera no dia anterior com a ajuda de Maria, explicando-lhes como era relativamente fácil criarem uma aura de protecção. Falaram de Rhiannon. Maria contou a sua experiência na noite em que aparecera em Tara onde a conhecera e esta lhe confirmara ser sobrinha de Morgaine. A avó avisou-a, que se tinha estado em Tara, ainda que em sonhos, os Tuathasabiam. Ninguém entrava ou saía do mundo das Fadas sem o conhecimento da sua rainha.- Não percebo, - Maeve, colocou as mãos na cabeça - então a única pessoa que nos pode ajudar a encontrar o Colar de Brisingamené refém de Danu? E esta só a entrega se lhe entregarmos o Colar? Mas isso é impossível!- Contei à Freya, que me assegurou que tudo se resolveria, só temos de esperar e ter paciência.- Falaste com a minha mãe? - Eoghan parecia espantado - Quando?- Numa altura menos boa. - corou enquanto olhava para Rhenan à procura de apoio. Este apertou-lhe a mão, puxando-a para si.- Minha querida, sei o que te aconteceu. Sonhei contigo, estavas muito triste, mas nem tu nem o Rhenan têm de se preocupar. Maria beijou a avó.- Têm de ter paciência, este assunto com os Tuathatambém se resolverá e brevemente contarão com a preciosa ajuda de Rhiannon. Digam-lhe que tenho muitas saudades dela, das nossas conversas e que lhe estou eternamente grata por todos os seus ensinamentos. - Vovó tenho tantas dúvidas. - Tentarei esclarecer o que conseguir. - a avó olhava para a árvore representada na cave.- Sou a primeira chave, mas ainda tenho de encontrar a Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen e nem sei por onde começar. Como e quando vou saber quem são as pessoas que ainda se juntarão a nós? - Eu conhecia a Profecia, Rhiannon falou-me dela, o que não sabia é que seria concretizada com a ajuda de uma das minhas netas. Sabemos que és a sidhee Rhiannon a feiticeira. Não sei quem são o guerreiro e a sacerdotisa, porém confio que se apresentarão quando chegar a hora. – apertou calorosamente a mão da neta - Reparei que têm aqui livros que vos poderão ser úteis. Levantou-se, retirando alguns das prateleiras. Lochan ajudava-a, transportando-os e colocando-os em cima da mesa. Continuava a ser estranho para a família ver os livros levitarem pela sala.Ouviram com muita atenção o que a avó lhes dizia quando até o tempo parecia estar contra eles.Quando se despediram não conseguiram disfarçar a tristeza que sentiam. A avó regressava a casa na manhã do dia seguinte. Abraçou-os, dizendo-lhes algo ao ouvido de modo a que os outros não a escutassem. - Avó, não tem mais daqueles pastéis deliciosos? - Fionn, tentava a todo o custo quebrar aquele momento de nostalgia.- Não meu filho. Mas se pedires com jeitinho, a Maria pode fazer-tos.- A sério? - olhou-a com desconfiança - Tenho a certeza de que serão maravilhosos, mas nunca tão bons como os seus.- Pode ser que te surpreendas.- E os bolos também? - Fionn continuava a olhar para Maria com desconfiança.- Tudo!- Cunhadinha do meu coração vem aos meus braços.- Mas é que nem venhas, - Maria tentava a custo afastá-lo - uma ajudinha Rhenan.- Sabes que essa besta se conquista pelo estômago, enche-lho e ele nunca mais nos chateia.- Também tu? – Maria continuava a tentar afastar Fionn que a abraçava.A avó Lena ria-se divertida, sentia o amor deles pela neta.Acompanharam-nas ao carro com desejos de se voltarem a encontrar muito em breve. A avó convidou-os a visitarem-na sempre que quisessem. Rhenan estacionou o carro, ajudando a avó Lena, despedindo-se com a recomendação de que lhes telefonasse a confirmar que chegara. Beijou-a com carinho esperando que entrasse em casa antes de se despedir de Maria.- Amanhã voltas a levar tudo para casa.- Sabes que não trouxe muito. Até estou espantada que a minha mãe não tenha reparado na quantidade de roupa que tenho dentro do armário e gavetas. – ria-se divertida.- Mesmo assim, espero que seja a primeira e última vez que temos de fazer este teatro. És minha mulher e não te quero longe de mim.- Amo-te Rhenan.Beijou-a, deixando-a sem fôlego.Entrou no carro sem olhar para trás, conduzindo para Yggdrasil com o coração partido por não a poder levar com ele.
Maria e a avó Lena mudaram de roupa começando a preparar o jantar. A família e os amigos chegariam a qualquer momento, esfomeados e certamente com muitas histórias para contar. Naquela última noite, conversaram de coisas triviais como os exames, o casamento de uma prima no início de Julho e nas férias de Verão. Claro que Maria queria regressar a Lisboa, ainda que por um curto período, ir à praia, estar com a família e os amigos, mas isso implicava estar quase dois meses longe de Rhenan, dos MacCumhaill, da sua nova existência. Ninguém parecia notar a sua ansiedade excepto a avó que lhe sorria. Mais tarde, decidiria o que fazer, qual fosse a sua decisão a avó estaria sempre do seu lado.Rita e Maria levantaram a mesa e limparam a cozinha em silêncio, imersas nos seus pensamentos, ainda tinham tempo até ao final do semestre, mas após a conversa das férias tinham de começar a pensar em novas desculpas e tornava-se cansativo mentir tanto.Era a última noite que passava com a avó, abraçou-a, queria conservar nos seus sentidos, o seu calor, o seu reconfortante odor a Primavera.
Acordou com o sol a bater-lhe na cara, abriu os olhos a custo reparando que a avó já se levantara, a mala encostada à porta do quarto. Sentia um aperto no coração, saltou da cama, tomou um duche rápido, vestindo-se como se sentia, de negro.Desceu as escadas, entrando na sala onde a mesa estava preparada. Lochan sorriu-lhe, aproveitando para comer antes dos outros descerem. Se não fosse uma sombra poderia jurar que estava mais gordo. - Mas tu não páras?- Que queres que te diga, sou fraco! Enquanto a tua avó continuar a cozinhar não consigo. Como se chamam estes deliciosos bolinhos? – colocava dois na boca enquanto estavam quentes.- Bilharacos, são de abóbora e são típicos da cidade onde nasceu.- E este doce dos Deuses?- Ovos-moles. – Maria sorria divertida.- Esta mulher é uma Fada.- Não fales nelas, que dá azar.- Tens razão.- Então meninos, estão a gostar?A avó assomava à porta, sorrindo com prazer ao ver Lochan comer com satisfação um pouco de tudo o que preparara.- O Lochan não se queixa. – Maria abraçou-a beijando-a.- Sabes fazer este doce?- Lamento, mas os ovos moles só os sei comer.- Que pena. Avó não me quer levar consigo?- És sempre bem-vindo, mas vais ser necessário aqui meu filho.A avó pegou na mão de Maria levando-a com ela para a cozinha.- Ontem percebi que escondias algo e quero regressar a casa sabendo que não ficou nada por esclarecer. Por acaso terá alguma coisa a ver com o guerreiro de que fala a Profecia?A avó conseguia ler-lhe os pensamentos, não estava habituada a mentir-lhe e não ia começar naquele momento.- Sei quem é, mas a seu pedido não posso contar a ninguém.- Nem mesmo ao Rhenan?- A ninguém. Aqueles irmãos não conseguem manter segredos entre eles.- Já pensaste que se calhar têm razão?- É verdade! Mas tu sempre me disseste que se me for pedido um segredo devo mantê-lo.- Mas também te deves reservar o direito de o expor se as circunstâncias assim o exigirem.- E como sei se o devo fazer?- Saberás! És muito intuitiva, na altura certa, agirás, mas nunca exijas de ti mais do que te é permitido. - segurou-lhe a mão - É aquele miúdo chamado Sergiu, não é?- Sim! Já sei a identidade de três pessoas das quais fala a Profecia, quem será a quarta? Quem virá para fechar o ciclo? Como traremos o Lochan de volta? Tenho a cabeça a mil.- Respira fundo, o tempo prova ser sempre o melhor conselheiro. Tens de dar tempo ao tempo, que ter fé.- Não podes ficar mais uns dias?- Não filha, isto é algo que terás de ser tu a resolver. - O que lhes disseste ontem ao despedires-te?A avó Lena sorria-lhe, passando-lhe a mão pela face.- O que precisavam de ouvir. A porta da cozinha abriu-se, Lochan entrava a mastigar.- Aproveito para me despedir de si, os outros já começaram a descer.A avó Lena abriu-lhe os braços apertando-o e beijando-o com carinho enquanto lhe afagava o cabelo.- Gosto de ti meu filho, espero ver-te em breve deste lado.- Que a Deusa a ouça. O barulho dos passos e da bagagem a ser transportada escadas abaixo colocava um ponto final na despedida. A partir daquele momento seria sempre a correr até embarcarem. Já não teria possibilidade de voltar a falar com a avó sem ser na presença dos pais, mas a visita dela tinha-lhe dado a força de que necessitava.Podia contar com a avó para tudo, mesmo para algo tão estranho como a sua nova existência.
Ficou parada a ver a família passar as portas de embarque do aeroporto de Dublin. Sentia-se vazia, tinha vontade de chorar. - Vamos para casa mo ghrá! – Rhenan aproximara-se, abraçando-a,Voltou-se, estavam lá todos, conseguia ver na cara de cada um o mesmo vazio que ameaçava destroçá-la. A avó deixava sempre a sua marca em todos os corações que tocava, era impossível não a amar.Saíram do aeroporto em silêncio, seguindo directamente para Yggdrasil, não falaram até chegar a casa. Rita e Pedro regressavam juntos.
Os carros estacionaram. Maeve, Maria e Rhenan saíram com Lochan atrás deles.Eoghan retirou a bagagem que Lochan tivera o cuidado de arrumar e que tinham ido buscar a caminho do aeroporto. Amava-os, aquela era a sua família, estava-lhes agradecida por se terem despedido da avó e de a terem apoiado quando mais necessitara.
Published on April 06, 2020 02:00
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