presenças e voltas ao redor do sol
erva cidreira e gengibreno dia cinco de dezembro do ano passado, logo ao acordar, reproduzi um antigo hábito, olhar o Instagram. fazia tempo que eu não tinha este aplicativo instalado no celular e mais tempo ainda que não era o meu primeiro “bom dia” porém, o mesmo me fez logo de cara ver um story do namorado de um grande amigo, era aniversário, suspirei aliviada por ter sido lembrada a tempo. coisa que no ano anterior não aconteceu, esqueci completamente e fui desmascarada ao longo de uma conversa dois dias depois em um bar, saudades. pude me desculpar mas não negar.
diante do lembrete e da chance de fazer diferente, fui tomada pelo ímpeto de telefonar pra ele, telefonei logo de manhã, passamos 1 hora ao telefone. senti muito contentamento, semelhante ao que senti às 7:30 da manhã, no dia do meu aniversário daquele mesmo ano, quando ele me ligou. era uma data atípica, eu tinha um misto de vazio, incerteza e planos adiados, fazia só 10 dias que o país tinha fechado, eu ainda não tinha traçado saídas para a aproximação à distancia. aquela ligação, me lembrou que existia presença.
reflito há alguns anos sobre nutrir presenças. tenho muitos questionamentos com as redes sociais, seu ritmo, sua forma de aproximação e influência nos hábitos das pessoas mas, compreendi que existem vínculos que só consigo acessar por elas. estimo os que consigo telefonar e conversar longamente porém também tenho queridos amigos que só consigo acessá-los por encontros presenciais marcados sem antecedência. e isto me ensinou que não tenho como estabelecer um padrão único de comunicação e proximidade, cada vínculo e momento de vida propiciam diferentes meios.
com o passar do tempo, comecei a anotar as datas de aniversário de pessoas queridas em um bloco de notas a cada vez que eu era surpreendida com um novo deslize ou golpe de memória. houve um amigo que fui lembrada do seu aniversário porque publiquei um texto que fez muito sentido para o momento em que ele vivia e o considerou um presente. ele me mandou mensagem me relatando isto e pude parabenizá-lo, fui presenteada também. este ano uma amiga me falou que sua agenda e seu coração a lembraram da data do meu aniversário, pude senti-la perto assim como quero estar dos que amo.
dias atrás foi meu aniversário, vinte seis de março, recebi novamente a ligação daquele amigo, algumas felicitações pelo Instagram, áudios, telefonemas, uma carta e um parabéns dessincronizado por vídeo-conferência. é o segundo ano vivenciando este novo mundo que talvez perdure por mais tempo e provavelmente a medida usada para mensurar “quando a pandemia acabar” não seja um tempo hábil para esperar pelo afeto, pelo encontro de formas possíveis. a vida tem se mostrado cada vez mais efêmera e os mecanismos de defesa mais necessários. dias depois mas ainda em comemoração a este completar de ano, tive um café por video-conferência com uma querida amiga, optamos por não esperar até que encontros físicos sejam possíveis, nos rendemos a esta possibilidade de nos encontrarmos à distância.
este aniversário foi melhor que o anterior, me senti feliz, senti afeto, senti esperança que é o que move e dá início a mais uma volta ao redor do sol mesmo sendo brasileira.

presenças e voltas ao redor do sol was originally published in Poesia Sem Nome on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.


