revoltei, Recife foi a saudade

sou natural de recife, sempre morei aqui mas houve um tempo em que comecei a viver a cidade. observa-la, sentir os lugares, perceber que Recife é um organismo vivo. a cidade visivelmente amanhece, entardece, anoitece e vai dormir, mas nem sempre. recife festeja, muda de cores e sons. a cidade se movimenta, se transforma. dias úteis, férias escolares, sol de rachar, chuvas repentinas. parte dela bebe cerveja, dança brega, recita poesia mas unanimemente todo mundo se encontra. já diz uma grande amiga e escritora, Yasmin Galindo em um de seus textos:

(em Recife) "Todo mundo, de alguma forma, conhece-se e está marcado a cruzar-se mesmo que não se saiba."

tempos atrás encomendei um quadro com um verso de Tacio Russo, um grande artista e particularmente um mestre. conheci Russo alguns anos atrás, no sarau do Controverso Urbano, tempos que marcaram a minha história. também foi a época em que comecei a escrever e além de tentar expressar sentimentos, a minha primeira musa foi a cidade. recife me ensinou muito de quem sou.

"Tudo aqui é meio poético e meio caótico; por isso, profundamente vivo, é um entremeio de vida, sente-se o ar de Recife inebriado, há sempre o que se descobrir no seu território pequeno."
Jardim do Baobá — Recife-PE

nos últimos anos passei a vivenciar outras cidades além de Recife, algumas em passeios pontuais mas também residi por um período em Belo Horizonte. minha estadia em outra cidade me ensinou o sentido plural e transitório do que é lar. me ensinou em tempos em que tudo que é seguro e possível é o que está dentro, lá fora é distante, inseguro e o que entra requer cuidados.

fui à BH sem data pra voltar, sentia que em algum momento voltaria mas fiz de lá meu novo lar, independente do tempo, e descobri a cidade nas pequenas coisas, cada passo autônomo era uma grande conquista. o supermercado mais próximo, a praça no caminho, a caminhada no bairro no domingo de tarde.

graças à minha namorada e companheira de vida que descolou uma bicicleta pra mim, comecei a me aproximar da cidade, tentar entendê-la. que som tem BH? quais cores? que música? andar de bicicleta me fez enxergar o lugar sob a minha própria ótica, trilhei caminhos por onde as minhas pernas aguentavam subir, descobri rotas, vi lugares e construções. uma descoberta solitária, com máscara mas ainda assim, com vento no rosto.

BH me ensinou a leveza dos pedais de fim de semana na Avenida dos Andradas, a decida de bike no viaduto da Francisco Sales, Avenida do Contorno e Santa Tereza. toquei percussão com Seu Henrique na barraca de instrumentos artesanais na feira hippie em um domingo de manhã. tomei sorvete na Savassi, subi pra olhar os bares fechados no Maletta. vi o por-do-sol na Lagoa da Pampulha, os grafites da cidade. senti saudades do Truck do Desejo, do Angola Janga, do samba na Cozinha da Ita, da cachacinha no Mercado Central e do hambúrguer do Las Chicas. aprendi também que é impossível comprar qualquer coisa sem ter uma breve conversa com alguém e as vezes nem tão breve assim.

Ciclofaixa na Avenida dos Andradas — BHFeira Hippie — BH

fui à BH por questões de saudade, por revolta à saudade e retornei à Recife com outras. Russo escreveu que “Se depender da cidade, você nunca vai esquecer de mim”, eu aqui escrevo que se depender das cidades, agora no plural, eu nunca vou me esquecer de mim.

ps. leia o texto “21 de junho de 2021” de Yasmin ou melhor, leia o seu blog todo.

revoltei, Recife foi a saudade was originally published in Poesia Sem Nome on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.

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Published on July 26, 2021 07:50
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