o perdão das coisas

 imagem: Manuel Alves
Se de repete tudo fosse perdoado, nunca teria acontecido nada errado. O mundo seria felicidade e o passado apenas saudade, saber acumulado. Mas as coisas não se perdoam assim. Eu tenho maldade para ti e tu para mim. Não é ressentimento inimigo, é apenas equilíbrio justo de tudo o que é sentido.
Ninguém é imune ao fel. Mas quem sabe que não é a isso que tudo se resume reserva paladar para o mel. Reconhece o prodígio do sorriso, mesmo que o fim do mundo chegue amanhã sem aviso. É a humanidade em nós. Se não perdoarmos às vezes, ficaremos sempre sós. Na prisão do peito, vida sem jeito.No fundo, não vale a pena odiar. O mundo é história contada em outra cena, é amar. Há maldades que fazem duvidar da bondade que temos. Verdades que fazem chorar pela insanidade que vemos. Somos tudo isso e mais. Umas vezes, muito humanos. Outras vezes, animais.Temos fome de tudo e devoramos o infinito. Comemos a própria fome e acreditamos que é bonito. Mas também somos capazes de encontrar o equilíbrio no meio. Mesmo vorazes, partilhamos o pão de mão em mão, porque sabemos que negar alimento é feio.Somos a totalidade das coisas belas, feias e intermediárias. Somos a Humanidade, com todas as suas sequelas, o sangue nas veias a pulsar de possibilidades imaginárias. Cada um de nós, pessoa pequena, é sonho de conseguir o impossível. Cada um é a sua própria voz, protagonista na principal cena, e é medonho não ouvir nem ser audível.Todos choramos de alguma solidão na cama. Todos amamos alguma ilusão que não nos ama. O choro vem e não está lá ninguém. E o desaforo também. Quem pensam que sou? Quem? O mundo não acabou. O futuro é além.E perdoamos a quem nos perdoaria porque é a forma mais elevada de sabedoria. Porque amamos essas pessoas, que para uns são más e para outros são boas. Como nós, que queremos o perdão porque a culpa é o castigo mais atroz que agride o coração.
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Published on May 06, 2014 09:05
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