Calor
O sono é um lugar privilegiado para novas experiências.
O sono compreende o que ao dia era apenas ruído, coceira, ardor.
O sono, pêndulo entre o ar e o abismo, é um impulso para o voo, quando não há sombra que puxe pelos cabelos, efeito da gravidade e do pesar.
Voo na horizontalidade vertiginosa, imobilidade desatada, pequena iluminação, apenas os pulmões inflando.
O ar em mim, o que me impede de submergir.
Em casa eu precisava sair e trabalhar o dia todo. Aqui, como tudo já é exterior, preciso deste quarto, e me permito ficar.
Precisa querer muito. O que te impede: confunde ou revela?
Vontade de dormir.
A cidade me desgoverna. O vapor da cidade me empurra de volta para o quarto, onde há um ar frio, potente, uma cama firme e o silêncio dos pássaros no parapeito. Posso me deitar no chão e abrir um livro sobre o budismo sem precisar ler. Posso tomar goles largos de água, trabalhar umas quantas horas, viver descalço.
A paixão precisa descansar. Não vale a pena. Já estamos de partida. Tudo já outra coisa. Não fico. Nunca me sinto só. Vou desfazer compromissos. Tudo o que quero é traduzir signos e voltar a cifrá-los. Retirar e devolver ao lugar, tomar umas cervejas, uma conversa.
Hoje é isso, e amanhã talvez de novo o vulcão desperte.


