Voltar
Um dia a gente volta.
Quase cinco anos fora, e um dia a volta ao Brasil.
Fui embora de um jeito que era assim: quis fugir, viver num país diferente, viver de uma forma que nem eu sabia direito o que era, fazer uma vida que eu imaginava um sonho, e foi tudo uma merda esplêndida, com muitos fogos de artifício. Merda de um jeito que nenhuma das fotos do Facebook mostrou. E teve dores, e teve dúvidas (as minhas, não as dos outros), e teve isso de entender - do que era isso que eu fugia?
E teve muitas alegrias, também.
Teve muitas visitas ao Brasil, e em cada uma era uma ponte em chamas, meu lost in translation, e ao longo de meia década eu ganhei muitas bagagens a mais pra resolver. Aqui, sozinha, dentro do peito, no silêncio das minhas escolhas e desencontros tão familiares. "Ah, você está em Paris..." Pra além do glamour aparente, saiba: lá não falavam a minha língua. Mas aqui já não falavam, também.
Existe muito de viagem, mas nunca vi algo sobre voltar. E voltar tem isso, sabe? Que o lost in translation não se resolve nas fronteiras. "E agora? Onde você vai morar?" Só que o meu namorado é alemão. Eu, que não sei nem de mim, sei muito menos de nós, essa entidade abstrata que no fim das contas não passa de uma conjugação qualquer num tempo que se chama "primeira pessoa do plural". Me diga, se for verdade: você alguma vez soube alguma coisa sobre o seu "nós" pessoal?
Olha, eu não sei se algum dia nesse planeta ele vai querer viver pra sempre aqui. Nem eu. Não sei a que lugar do planeta eu pertenço - e quem dirá ele, que nunca pisou pés na tropicalidade sem limites, sem coerência, cheia de amor e de verdades intransponíveis. Pra te dizer bem a sério, nem sei se tal planeta ainda foi criado no nosso sistema solar. O que eu sei é que tenho dúvidas. Deus sabe melhor se algum dia vou conseguir me entender. E tenho certeza que o outro, esse enigma, só me existe na diferença incompreensível. Seja na primeira pessoa do plural ou na terceira do singular. Ponto.
Então eu volto. Assim, em reticências. Com um casamento possível-provável, muitas burocracias internacionais no horizonte, uma mochila de trinta litros cheia de materiais de desenho, uma casa emprestada, um namorado um pouco turco-um pouco canadense-um pouco alemão. Sem planos, sem fronteiras, sem esquadros, sem vontade de entender ou esperanças de ser entendida.
Bem do jeito que tem que ser, porque onde há definições, não se engane - também há limites. O traço disforme é mais difícil de caber nas réguas, só que em compensação tem muito mais espaço pra correr
: Eu.


