“O século XIX foi o ‘século da História’, porque foi igualmente o ‘século do culto dos mortos’. É certo que o cristianismo continuou a fornecer, ainda que com modificações, a narrativa cósmica, histórica e escatológica que dava sentido à vida individual e colectiva. Porém, os tempos modernos – com a sua centração mais subjectiva e imanente, e com a sua crescente crença na capacidade gnosiológica e ética da razão autónoma (sonho de poder expresso no novo ideal de ciência, nas novas concepções ético-sociais e políticas, e nos novos postulados da inteligibilidade do universo e da perfectibilidade humana) – conduziram a uma visão mais secularizada do mundo. Lentamente, esta alterou o modo como o homem ocidental concebia as suas relações com o espaço e com o tempo, provocando inevitáveis mudanças no campo tanatológico, em consequência de uma mais clara assunção do valor da história e da memória.
Fosse em termos exclusivos, ou em coexistência com a esperança transcendente, o aperfeiçoamento memorial aos mortos foi uma atitude que, embora enraizada no núcleo familiar, acabou por ser reproduzida por todos os grupos sociais (associações, partidos, Estado). E pode dizer-se que a sua gestão se mostrou tanto mais planificada, quanto mais extensa e contraditória era a sociabilidade que o culto pretendia reforçar, característica que permitiu pôr a nu a ligação estreita entre o(s) poder(es).
Não admira que tenham sido os meios agnósticos e materialistas, cujas expectativas se limitavam à sobrevivência memorial, a destacarem, com mais enfase, estes elos, bem como a função social das práticas evocativas e comemorativas. Por isso, este estudo, ao procurar apreender os caminhos que levariam ao céu da memória, teve de articulá-los com as lutas pela secularização dos cemitérios, de modo a poder demonstrar que tais reivindicações se inseriam no combate pelo reconhecimento dos direitos fundamentais do indivíduo, e pela realização do ideal moderno de cidadania.”
― O Céu da Memória: Cemitério Romântico e Culto Cívico dos Mortos em Portugal
Fosse em termos exclusivos, ou em coexistência com a esperança transcendente, o aperfeiçoamento memorial aos mortos foi uma atitude que, embora enraizada no núcleo familiar, acabou por ser reproduzida por todos os grupos sociais (associações, partidos, Estado). E pode dizer-se que a sua gestão se mostrou tanto mais planificada, quanto mais extensa e contraditória era a sociabilidade que o culto pretendia reforçar, característica que permitiu pôr a nu a ligação estreita entre o(s) poder(es).
Não admira que tenham sido os meios agnósticos e materialistas, cujas expectativas se limitavam à sobrevivência memorial, a destacarem, com mais enfase, estes elos, bem como a função social das práticas evocativas e comemorativas. Por isso, este estudo, ao procurar apreender os caminhos que levariam ao céu da memória, teve de articulá-los com as lutas pela secularização dos cemitérios, de modo a poder demonstrar que tais reivindicações se inseriam no combate pelo reconhecimento dos direitos fundamentais do indivíduo, e pela realização do ideal moderno de cidadania.”
― O Céu da Memória: Cemitério Romântico e Culto Cívico dos Mortos em Portugal
Rita’s 2024 Year in Books
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