Luís’s Reviews > Bom dia Tristeza > Status Update

Só de madrugada, deitada na cama, ouvindo o ruído dos automóveis de Paris, a memória me trai, por vezes: revejo o Verão e todas as suas recordações, Anne, Anne! Repito este nome, baixinho, no escuro. Dentro de mim, sinto subir algo que designo pelo seu nome, de olhos fechados: Bom Dia, Tristeza.

Atribuí um sentido simbólico a este gesto, ou pelo menos tentei fazê-lo. Mas hoje, quando se me apaga um fósforo nas mãos, recordo aquele estranho momento, aquele fosso entre mim e os meus gestos, o peso do olhar de Anne e o vazio à nossa volta, a intensidade daquele vazio…

(...) Pensei em Cyril. Gostaria que ele me abraçasse naquele terraço crivado de cigarras e de luar. Gostaria de ser acariciada, consolada, de me reconciliar consigo mesma. O meu pai e Anne permaneciam silenciosos: tinha á sua frente uma noite de amor, e eu tinha Bergson. Tentei chorar, numa atitude de autocompaixão, mas em vão. Era Anne quem eu lamentava, como se estivesse certa de a derrotar.

Anne olhou-me, divertida e insolente, e eu voltei a deitar-me na areia, cheia de inquietações. Elsa perorava sobre as festividades na costa. Mas o meu pai não a ouvia: ocupando um dos vértices do triângulo formado pelos seus corpos, lançava ao perfil de Anne, aos seus ombros, olhares um tanto fixos, impávidos, que eu bem conhecia. A sua mão abria-se e fechava-se na areia, em gestos suaves, regulares, incansáveis.