Luís’s Reviews > Amanhã na batalha pensa em mim > Status Update

(...) Mas enquanto fugia e saía e descia e me ensopava e corria, o meu pensamento principal era outro; pensava sobretudo: «Que pouco resta de mim nesta casa, tão poucos os vestígios que ficaram.» Os ramos das árvores agitavam-se como braços furiosos de uma sublevação popular.

(...) Que maldição, agora terei de recordar também esse nome cujo rosto nem sequer conheço: Franny»; ou imaginei que assim se escrevesse, pelas minhas leituras. Também fiquei calado enquanto pensava nisso, com o cotovelo apoiado no volante e esfregando o polegar contra os lábios. Mas foi por pouco tempo. Talvez nos observassem de longe, da guarita da embaixada alemã às escuras.

O Único levantou os dois indicadores como se se dispusesse a iniciar um concerto, fitando-os com olhos trocistas rememorativos. Bailou-lhe de novo nos lábios o seu meio sorriso e disse:
- Ah, se eu vos contasse!
E todos rimos ligeiramente de novo.

(...) para o seu quarto, ele e o seu coelho anão de novo ameaçados pelos calmos aviões pendentes de fios enquanto dormiam — a oscilação inerte —, sonhando agora com o peso da mãe ausente e cada vez mais leve, passageira de um daqueles aviões, também o miúdo enfeitiçado. Só que o seu feitiço ia-se esfumando e, em breve, se desfaria.

(...) Eram essas três coisas que me restavam da minha visita mortal: o cheiro, o soutien, a cassete e as vozes na cassete. Olhei à minha volta: a noite de inverno, iluminada por muitos candeeiros; o quiosque, às escuras; a nuca do poeta atrás de mim. Não passava carro nenhum, nem havia ninguém. Sabia-me bem o frio.

(...) diminuto, fantasmagórico e impossível que no entanto já se teria verificado várias vezes no passado, ou talvez ainda se verificasse anacronicamente todas as noites quando o miúdo e o marido e a Marta estivessem finalmente adormecidos, sonhando cada um com o peso dos outros dois. «Amanhã na batalha pensa em mim», pensei; ou melhor, lembrei-me.