Pedro Guilherme Moreira's Blog

December 17, 2018

10 pessoas a evitar no meio literário português

  A questão não é criar polémica do vazio, mas mapear a perfídia - vá, vamos ser simplórios, dizer quem são os maus - para  que os bem intencionados prossigam pela arte sem interferências.
Por outro lado, uma boa polémica nunca fez mal a ninguém e  hoje faltam polemistas com cultura literária e sabedoria. Aflige-me esse medo do novo puritanismo e dos novos puritanos, do politicamente correcto. Dói? Que doa. A literatura não se fez nem faz para meninos, apesar de serem meninos os que se acotovelam em bicos de pés para serem vistos.Literatura nem sequer é contemporaneidade, o tempo está-se marimbando para os que querem muito: curiosamente, os polemistas tendem a ficar na história. Ora cá estamos.
Mas não vamos dispersar. Serei objectivo quanto aos 10 nomes cuja perfídia e mediocridade (presentes aos saltinhos nos media e alguns com prestígio - vazio, como verão, e que provarei pontual e factualmente) não me oferecem quaisquer dúvidas, depois de quase 9 anos de observação cuidada a partir de dentro.
Passo então à lista, sem mais delongas. As explicações seguem-se à dita.
1.

(continua no Patreon. Ver explicação abaixo)
fonte da foto (texto completo na plataforma Patreon. A partir de 1 Eur/mês tem acesso a todos os posts. Ao apoiar os criativos, e por muito pouco, está a permitir que os seus músicos, pintores, escritores, radialistas, humoristas favoritos lhe possam dar mais e melhor e não dependam do poder mediático ou fáctico. Espreite o Patreon e o projecto. Vai gostar. Pode clicar abaixo em "Become a Patron" - torne-se um Patrono e orgulhe-se disso)

  https://www.patreon.com/posts/23272691 PG-M 2018
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Published on December 17, 2018 13:42

10 bestas a evitar no meio literário português

  A questão não é criar polémica do vazio, mas mapear a perfídia - vá, vamos ser simplórios, dizer quem são os maus - para  que os bem intencionados prossigam pela arte sem interferências.
Por outro lado, uma boa polémica nunca fez mal a ninguém e  hoje faltam polemistas com cultura literária e sabedoria. Aflige-me esse medo do novo puritanismo e dos novos puritanos, do politicamente correcto. Dói? Que doa. A literatura não se fez nem faz para meninos, apesar de serem meninos os que se acotovelam em bicos de pés para serem vistos.Literatura nem sequer é contemporaneidade, o tempo está-se marimbando para os que querem muito: curiosamente, os polemistas tendem a ficar na história. Ora cá estamos.
Mas não vamos dispersar. Serei objectivo quanto aos 10 nomes cuja perfídia e mediocridade (presentes aos saltinhos nos media e alguns com prestígio - vazio, como verão, e que provarei pontual e factualmente) não me oferecem quaisquer dúvidas, depois de quase 9 anos de observação cuidada a partir de dentro.
Passo então à lista, sem mais delongas. As explicações seguem-se à dita.
1.

(continua no Patreon. Ver explicação abaixo)
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Published on December 17, 2018 13:42

December 10, 2018

Começar do Zero no novo mundo

Aqui por baixo desapareceram 15 anos de blogue e vamos começar do Zero.
http://www.patreon.com/more3
Finalmente chegou o dia.Dizem  que a cultura  devolve em triplo tudo o que nela é investido. Há  cerca de 20 anos que percorro as escolas.Tive de recusar algumas cujo custo de deslocação não podia suportar e isso ainda hoje me dói. O meu blogue faz 15 anos e lancei milhares de crónicas. Alguns de vocês gostaram. Há miúdos brilhantes e empenhados que me pedem ajuda, às vezes apenas tempo, e eu não posso porque tenho o meu tempo ocupado com uma profissão,  advogado, que nem sempre sinto como útil ou social. Aliás, ao
contrário da cultura, sinto muitas vezes que estou a perder tempo e a gastar recursos para nada ou até para as contas do Estado ficarem no negativo e não pagarem às pessoas (advogados oficiosos, magistrados, funcionários) o que é devido e no tempo que é devido. Quero reduzir o meu advogar ao que é útil social, cultural e desportivamente. E ainda tenho oslivros que vou lançando e as crónicas que suspendi para repensar tudo. Há investigações dispendiosas, como a que faço há 20 anos em Paris para o livro do meu bisavô escultor. Sou mau a fazer fortunas, mas gosto de pessoas. Há 3 meses saí das redes sociais para me olhar de fora, e percebi que não preciso de alimentar o ego ou sequer de ter uma plateia. Já pessoas que se querem contaminar umas às outras culturalmente, isso quero. Comoquero continuar a ter comigo aqueles que acreditam no mesmo e desafiá-los a serem patronos - porque isto acabará por inspirar outros. Das 5.000 pessoas
que me seguem entre facebook, Instagram e blogue, o objectivo é chegar aos 500 patronos até ao final de 2019 e aí lançar o projecto More 3, que apoiará a excelência dos jovens e a cruzará com a excelência social dos carenciados. Até lá, é para amealhar. Os Patronos podem cancelar, aumentar, diminuir a sua contribuição a qualquer momento e podem interagir dentro da comunidade, o que será muito bem-vindo (sugestões, pedidos, etc). Conto dar aos patronos muito mais do que até aqui. Além da crónica, fotos e da revisitação histórica dos melhores momentos, conto dar sugestões gastronómicas e de viagens e alguns vídeos e áudios,  alguns directos de eventos e grandes competições, live chat e coments, coisa que nunca ou raramente dei. Senti falta de muitos de vocês, mesmo os mais caladinhos, e a minha ideia é ter essa comunidade mais estreita comigo, por um euro que seja. Quero agradecer ao Unas a inspiração do projecto dele, o MalucoBeleza, e espero-vos, ainda hoje, no barco. Ou então reflictam e pensem que o vosso Euro pode gerar coisas boas. E se multiplica por 3. More 3. Por isso, querendo e acreditando, partilhem, pf. Obrigado!! 
Por favor, espreitem emhttp://www.patreon.com/more3
Pedro Guilherme-Moreira10 de Dezembro de 2018
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Published on December 10, 2018 11:48

November 12, 2018

Ricardo Ribeiro semi-deus e o cão que tirava ovelhas das searas



O que dizem os seus olhos? O programa Alta Definição, da autoria do Daniel Oliveira, ficará como marca desta época - anos dez do primeiro século do terceiro milénio - e já integra uma certa mitologia social. Justo ou injusto, se dissermos que é à "Daniel Oliveira" ou à "Gustavo Santos", todos sabemos o que quer dizer. Mas não me compete analisar o porquê. Este serve apenas de intróito à declaração de amor e esmagamento (algo que pode ser situado acima do arrebatamento) à prestação do fadista Ricardo Ribeiro naquele programa.Comecei por não o conhecer, porque perdeu cinquenta quilos. Não perdeu nada com esses cinquenta quilos. Na verdade, ganhou. Mais na verdade ainda, eu nunca o houvera conhecido mais gordo. Nunca aprofundara o olhar sobre esta personagem, muito menos sobre a pessoa.Fiquei impressionado. Profundamente impressionado.Não me costumo impressionar e não me lembro de ficar tão esmagado. Com nada. Com ninguém vivo. E aprendi tanto. Eu que,  de há sete anos a esta parte, me vejo obrigado a comunicar em público e meti na cabeça que aproveitarei cada oportunidade para tirar o melhor dos meus ouvintes ou espectadores. Sou quase sempre incapaz de o fazer. Creio que só o consegui numa certa noite em que falhei. Queria cantar e não tinha voz. Ora este homem, que canta como poucos, fala como eu gostava um dia de falar. Não estudou o que eu estudei, trabalhou desde pequenino como eu não trabalhei e é sábio como eu nunca serei. E gostava. Mas eu não guardei cabras. Nem assentei tijolo. E ele pode ler os livros que eu leio e escutar como tento escutar, mas tem nele uma voz e um percurso que eu renderei como um guarda que tenta proteger e preservar o tesouro que é este seu próximo, como parece que fez o Camané numa certa noite em que ele estava destruído e foi salvo pelos amigos e por uma sopa em que o Camané insistiu e lhe ficou, finalmente, na alma, como nada lhe ficara nesse dia.
Cita Platão, Pessoa, Padre António Vieira, provérbios de vários países, a raça cigana, usa o gerúndio e cada frase é dele, nasceu com ele. Tem mais literatura nas veias do que eu fado nas mãos. E eu, que amo tanto a literatura, tenho de amar o Ricardo, que se salvou com ela como eu quero mostrar a todos, desde pequenino, que é possível.
Não consigo explicar melhor.Todas as minhas palavras serão excessivas em  face da sabedoria do Ricardo. A pose, a força, a lucidez, tudo numa entidade que parece ter crescido para nos tomar pelas sombras e nos arrastar pela luz. Logo eu, dirá ele. Vejam enquanto podem ou, se passar o tempo, pode ser que algum anjo o deixe no YouTube. Ou já lá esteja.
Eu punha o Ricardo em frente a uma câmara todas as semanas, a bem de nós todos. Como fizeram com o Professor Agostinho da Silva ou com o Vitorino Nemésio. Precisava disto há muito. Precisamos todos. Obrigado ao Daniel por isso. E ao Ricardo, claro, embora aqui eu sinta que estou a falar para uma entidade para-divina. Se ele ler isto insulta-me, bem sei, mas é mesmo assim.
Olha, Ricardo, talvez eu um dia seja, pelo menos, esse teu cão que tirava delicadamente as ovelhas das searas.
PG-M 2018foto do instagram de Ricardo Ribeiro
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Published on November 12, 2018 09:43

October 18, 2018

Está na hora da revolução contra-cultura: que se fodam os novos puritanos

nunca deixaste ficar as costas da tua mão
contra as costas de uma mão
desconhecida?
no metro, num concerto, numa passagem
de multidão?
pois fica sabendo:
esse é o assédio que
salvará o mundo

@pguilhermemoreira
2018
fonte da foto
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Published on October 18, 2018 08:25

Está na hora da revolução e da contra-cultura: que se fodam os novos puritanos

nunca deixaste ficar as costas da tua mão
contra as costas de uma mão
desconhecida?
no metro, num concerto, numa passagem
de multidão?
pois fica sabendo:
esse é o assédio que
salvará o mundo

@pguilhermemoreira
2018
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Published on October 18, 2018 08:25

October 2, 2018

Fernando Rocha e o princípio e o fim do mundo (exclusivo patronos)


Jim Carrey, Fernando Rocha, Lobo Antunes, Rodrigo Amarante, Eduardo Lourenço, George Steiner, Shakespeare, Cervantes, Saramago, Robin Williams, vida e morte, panteão, palhaços, gritaria em rede social, depressão, suicídio, grande e pequena arte, existência ou inexistência da literatura, limites do humor, Irene, milagre seria não ver no amor essa flor perene.Tenho o privilégio de ser chamado a escolas e a comunidades de leitores para justificar o meu direito a abrir a boca na contemporaneidade, onde só uma ficção benevolente pode atribuir-nos mérito e demérito artístico. Na verdade, nenhum artista - está visto que eu vejo os escritores como artistas - ou julgador de artistas pode realmente saber se é importante ou não. Nem para o seu tempo, nem para o fim ou princípio dos tempos. Todos, claro, aspiram a isso.
 Não o Rocha.O Rocha trabalha, é um homem bom que até estima e promove quem não o estima a ele, é um dos pioneiros da moda do stand up muito antes de ser moda e arrasa plateias desde o tempo em que os

(continua no Patreon. Ver explicação abaixo) 

 (texto completo na plataforma Patreon. A partir de 1 Eur/mês tem acesso a todos os posts. Ao apoiar os criativos, e por muito pouco, está a permitir que os seus músicos, pintores, escritores, radialistas, humoristas favoritos lhe possam dar mais e melhor e não dependam do poder mediático ou fáctico. Espreite o Patreon e o projecto. Vai gostar. Pode clicar abaixo em "Become a Patron" - torne-se um Patrono e orgulhe-se disso)

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Published on October 02, 2018 17:26

Fernando Rocha e o princípio e o fim do mundo


Jim Carrey, Fernando Rocha, Lobo Antunes, Rodrigo Amarante, Eduardo Lourenço, George Steiner, Shakespeare, Cervantes, Saramago, Robin Williams, vida e morte, panteão, palhaços, gritaria em rede social, depressão, suicídio, grande e pequena arte, existência ou inexistência da literatura, limites do humor, Irene, milagre seria não ver no amor essa flor perene.Tenho o privilégio de ser chamado a escolas e a comunidades de leitores para justificar o meu direito a abrir a boca na contemporaneidade, onde só uma ficção benevolente pode atribuir-nos mérito e demérito artístico. Na verdade, nenhum artista - está visto que eu vejo os escritores como artistas - ou julgador de artistas pode realmente saber se é importante ou não. Nem para o seu tempo, nem para o fim ou princípio dos tempos. Todos, claro, aspiram a isso.
 Não o Rocha.O Rocha trabalha, é um homem bom que até estima e promove quem não o estima a ele, é um dos pioneiros da moda do stand up muito antes de ser moda e arrasa plateias desde o tempo em que os senhores importantes do humor eram os meninos. Na verdade, à beira do Rocha serão sempre uns meninos.
Confessso que andava há anos para escrever isto, mas não lhe encontrava o ângulo certo. Até perceber que o ângulo certo era homenagear e reconhecer este grande humorista que é o Fernando Rocha sem relativizar o que quer que fosse. Eu não sou humorista. Se fosse, gostava de ser o que ele é. Abri este post como abri o post do meu ídolo Jim Carrey. Isso diz tudo. Mas eu vou dizer um pouco mais:
Há muitos pontos de contacto entre o Jim Carrey e o Fernando Rocha, mas, no final, o nosso tuga está mais próximo de nós, mesmo que seja uma estrela mais planetária do que as pessoas pensam. Ambos foram, durante muitos anos, olhados de lado pelos seus pares, mas sempre foi para o lado em que dormiram melhor. Ambos, ainda hoje, são colados a uma imagem frívola e simplificada: a do Jim é a do cómico de filmes light, o que é perfeitamente disparatado e ignorante, a do Fernando Rocha é a do broeiro brejeiro do Porto que só lá chega à custa de muitas caralhadas, o que é perfeitamente disparatado e ignorante.
Eu até admito que alguém que não tenha alma nortenha tenha dificuldade em perceber a pureza dos tipos retratados pelo Fernando. Não tem é o direito de o julgar  por isso. O Fernando foi suporte e chão de muitos humoristas e muitos programas que não tinham onde assentar e se socorreram dele. O Fernando é seguro e sólido, mas, ao mesmo tempo, é genial e trabalhador. Observa, reflecte e adapta o seu material e é, juntamente com o Herman José e o Ricardo Araújo Pereira, um dos grandes do nosso tempo - tomara o Herman conseguir ter a elevação, a humildade e a cultura que o Fernando Rocha tem. Tem-nas, mas nunca antes de si mesmo. Talvez o Ricardo Araújo Pereira seja genuinamente um tipo simples como o Fernando. Não na sua persona pública, isso ele não consegue senão pela celebrada técnica da auto-depreciação e do apoucamento, mas pela forma como busca, estuda e trabalha o conhecimento sobre humor e o partilha connosco. E o faz, claro. O Herman nunca teve esta capacidade: é actual, observador e tem história, mas não necessariamente humilde, até porque acha que já não tem de o ser. Já o Fernando agrega tudo o que ambos têm de bom. Claro que, em alguns círculos, qualquer elogio ao Fernando será sempre um exagero. Mas o Fernando aguenta-se na excelência perante qualquer microfone e qualquer entrevistador ou anfitrião que se ache muito inteligente e sofisticado. O bom do Unas, que é outro puro mas não consegue esconder a sua quequice, caiu de quatro várias vezes quando o entrevistou para o Maluco Beleza. O que distingue o Fernando é que entra sempre, em qualquer lado, da mesma forma que entrou no primeiro minuto da sua carreira. E isso é raro e ímpar
As elites podem não perdoar ao electricista de Gondomar o facto de ele ser melhor do que elas, mas, na verdade, ele é melhor do que elas.
No final, o Fernando comove-me com o seu sotaque largo e a sua forma tripeira de ser. É tão nosso em cada detalhe, na postura, nos tempos, na forma como mexe a boca, nos silêncios. Espero que o Porto não tarde em prestar-lhe a homenagem devida, mesmo que o país se esteja nas tintas, hoje e, provavelmente, sempre. Não devia, mas está. Mas o Fernando Rocha não é menor porque nasceu num país pequeno.
Eu venho desse lugar bafiento que se chama intelectualidade e, se há pessoa que me inspira a ter sempre os pés assentes no chão e o espírito elevado, é o nosso Fernando Rocha. E como é bom, nestas mesas sofisticadas onde põem os escritores, ter a largueza de alma para se ser broeiro, brejeiro e tripeiro e eternizar muitos sorrisos em muitas caras. Mesmo não sendo humorista, mas bebendo dos maiores como o Fernando, que são feitos da mesma massa.
Esse maior é o Fernando Rocha, feito desta massa dos deuses que, no fim de contas, é ser do Porto. E ser o melhor possível do Porto e do Mundo.
Obrigado, Fernando.
@pedroguilhermemoreira 2018

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Published on October 02, 2018 17:26

Aznavour e a Boémia

Dois dias depois de Charles Azanavour se ter imaterializado e ascendido às estrelas, onde já estava  o seu reflexo há muitos anos, ofereça-se-lhe o belíssimo poema do La Bohème em português. Onde estão todos os abismos e ascensões da própria Paris. E não só Montmartre.

A Boémia

falo-vos de um tempo que os menores de vinte
não podem conhecer
naquele tempo, Montmartre pregava os lilases
mesmo por baixo das nossas janelas e,
se isso não pagava o humilde quarto
que nos servia de ninho
foi lá que nos conhecemos
eu chorava de fome
e tu posavas nua

A Boémia, a Boémia,
ou seja,
éramos felizes e só comíamos
um dia em cada dois

pelos cafés vizinhos alguns entre nós
esperavam a glória
e, mesmo miseráveis e com
a barriga vazia,
nunca parámos de acreditar e,
quando qualquer bistrô,
em troca de uma refeição
quente, nos pendurava
uma tela, recitávamos
versos em volta do
fogão e esquecíamos
o inverno

A Boémia, a Boémia,
ou seja, como tu
és bonita e nós
todos génios

muitas vezes me sucedia
passar noites em branco
perante o meu cavalete
retocando o desenho
na linha de um seio
na curva de um quadril
e já era de manhãquando finalmente nossentávamos peranteum café-creme,esgotados, masfelizes
faz falta que nos amemosfaz falta que amemosa vida

A Boémia, a boémia,quer dizer que temosvinte anos e vivemosda leveza do tempo
quando, na roleta dos dias,faço um tour à minha antigamorada, já não reconheçonem as paredes nem as ruasque vi na minha juventudee no topo da escadariaprocuro o ateliê do qualjá não resta nada
e, no seu novo décor,Montmartre parece triste
e os lilases estão mortos

A  Boémia, a boémia,éramos jovens
éramos loucose a Boémiajá não quer dizernada

tradução de PG-M 2018e a magnífica e conhecida performance de Chales Aznavourinterpretando este magnífico poema
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Published on October 02, 2018 15:55

September 14, 2018

Izzy Slowly e as selfies

É um assunto recorrente aqui.Não se toca nas mulheres nos pedestais.Há mulheres nos pedestais. As mulheres nos pedestais estão no mesmo patamar filosófico dos ídolos. Não se devassa um ídolo para lhe colocar o braço em cima do ombro imaterial e tirar uma selfie connosco, os belíssimos imperfeitos terrenos.Pensem lá: uma selfie faz mais pela despromoção do ídolo do que pela nossa promoção. Vá, a meio do século passado, se aparecias numa fotografia ao lado de um ídolo com ele a abraçar-te e a enfrentar a câmara ao teu lado, podia haver paridade.Deixava é de haver ídolo. Ou passava a haver dois.Portanto, se não gostas, verdadeiramente, do teu ídolo, devassa-o, toca-o, puxa-o para ti e nivela-o por ti.Não me venhas com o discurso paritário. Ídolo é ídolo.Terei feito cinquenta viagens no trólei 3, em Coimbra, entre o Teatro Gil Vicente e os Olivais, sentado em frente ao Torga, quarenta e nove das quais pensei falar-lhe de Miúra, o touro. Avisaram-me que ele me destrataria e eu nunca ganhei coragem. Da minha janela, via a sua mulher terrena, belga, a fazer tarefas terrenas no quintal da casa deles, à Rua de Camões. O Torga morreu e eu não lhe falei. Vive em mim. Talvez não vivesse se eu tivesse rompido a película de celofane entre nós e ele me tivesse destratado, talvez até incluído numa entrada dos seus diários tardios, escrevendo:"as pessoas não entendem que Adolfo Rocha não é Torga; ainda tinha esperança nesta nova geração de miúdos, mas ainda agora um parvinho se dirigiu a mim e, em vez de me cumprimentar, disse disparatadamente: gosto tanto do Miúra, doutor Torga!"
Izzy Slowly podia ser uma pin-up. Não é.Podia ser uma altíssima vedeta com rabo de silicone. Não é.Podia ser uma miss mundo com um discurso avançado. Não é.Podia ser uma pivô televisiva. Não é.
Izzy Slowly é só uma mulher dos tempos passantes dotada da leveza dos fantasmas e do veludo azul da Isabella Rosselini, tem quase só substância e quase não-aparência e um perfume inefável, infungível, incindível sem hífens, frases intensas sem acordo, eterna menina em busca de uma forma que nunca alcançará, porque Izzy, tendo-se como um elemento irrelevante da poeira estelar que nos homens se reconstitui na terra no fim de cada existência, não aceitará nunca o pedestal.
No entanto, não a podes tocar. Ninguém a pode tocar.E, ainda que as deusas modernas tenham cônjuges e carne, qualquer tentativa de as vulgarizar, mesmo depois da maternidade, ou principalmente, resultará frustrada.
Este é o tempo em que não existem, verdadeiramente, deusas.Ou são excepção as que emergem.Mas, quando uma menina pura, febril, luminosa, passa a adolescência incólume, chega a Izzy Slowly e, sem saber, sobe pelos pedestais com a ilusão de que a vida é lateral, não central.
Como é normal nas deusas modernas, que não sabem que o são, o que nós sabemos ser superlativo é para elas relativo;
É normal que atravessem uma vida carnal inseguras e, por vezes, tristes, quando afinal inspiram o universo sem a ele aspirar e, ao inspirá-lo, criam a dinâmica do abismo e despenham-se sobre os homens que, ao serem banhados por elas, devem curvar-se em gratidão e reverência e nunca ousar tocar-lhes.
Não se toca na dançarina de colo.Não se toca na deusa.
É normal que a dançarina pense que é a deusa e que a deusa pense que é dançarina.
Não há argumentos para Izzy slowly.Só culto e eternidade.
@pguilhermemoreira 2018@pg-mor


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Published on September 14, 2018 10:13