Zander Catta Preta's Blog: A casa do Zander

August 18, 2023

Dez anos

Filho,

Estou escrevendo essa mensagem porque não sei se você vai querer falar comigo no teu aniversário. E te entendo perfeitamente. Sinto o mesmo quando chegam as datas festivas com relação ao meu pai.

Sabe, sei que não sou bom nessa coisa de paternidade. Queria muito ser. Mesmo. Sinceramente. Foi um sonho da minha vida inteira: ser um pai melhor do que o meu foi para mim. Falhei. Falho todos os dias. A ausência completa é melhor que a decepção que sou para vocês.

Não quero com isso dizer que a vida não me preparou para ser pai, que não sei ser bom porque nunca aprendi. Ninguém aprende, a não ser com exemplos e errando. Pois os tive. Foram poucos, de amigos muito próximos, mas tive.

Também não vou dizer que não tenho responsabilidades sobre o que aconteceu ou acontecerá na nossa relação. Não se trata disso. Assumo todas as responsabilidades dos meus erros contigo. Todas.

Aqui se trata de dizer que há amor que nasce aqui e vai praí. É amor sincero, incontestável e faz parte do melhor que há em mim. Você é parte desse melhor que há em mim. Por você, há dez anos, redescobri um novo motivo para acordar pela manhã e fazer coisas que normalmente não conseguiria. Não por sacrifício, mas por vontade, desejo e força que não sabia que existiam em mim.

Há dez anos estou acordando e dormindo pensando num moleque debochado que mora do outro lado do Brasil. Um moleque que dá cara à minha saudade.

Sei que sou imperfeito. Mas só tenho essa imperfeição para oferecer. É tudo de mim. É o todo de mim que te é oferecido. Não sei se te será o suficiente na vida ou se te tornará uma pessoa boa, capaz, apta ou saudável. A gente nunca sabe. Queria poder fazer mais, ser diferente, ser alguém que não sou. Não consigo. Não apenas na paternidade, mas nos relacionamentos de uma forma geral. 

Não sei lidar com o outro.

***

Filho, a carta é para você, mas acabo falando de mim. Sou assunto demais para essa minha cabeça velha e acaba tomando minha voz. Não deveria.

***

Há dez anos você chegou de sopetão. Veio numa maré de felicidade e trouxe esperanças, amor incondicional e muito cocô e xixi. Trouxe histórias, aprendizados e uma capacidade de regenerar tudo ao seu redor. A gente aprende a olhar o mundo de outro jeito quando está do lado de uma criança a quem amamos. 

Há uma década que alguém me desperta o sonho de presença. De querer essa pessoa do meu lado o tempo todo, todo o tempo. E, pelo mesmo tempo, senti a força da distância falando forte.

Confesso que antes de você, sentia isso, mas a distância era resolvida com uma passagem de ônibus e uma noite mal dormida. Hoje é mais complicado.

***

Temos internet, vídeo, telefone, telegrama, carta e tudo o mais. Mas minha falta de habilidade é quem cala o movimento. De novo, a responsabilidade pela distância é minha, meu filho. Nunca poderia colocá-la em outra pessoa. Jamais.

***

Já disse que não sou bom pai, né? E que sou imperfeito. E distante. Também já disse que amo sinceramente, mesmo sabendo que isso não resolve as coisas.

Pois é.

***

Escrevo essa carta porque não sei se você irá querer falar comigo. Te entendo. Acho justo, até. Só queria que você soubesse que sinto sua falta, minha criança mais-que-perfeita.

Do seu pai,

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Published on August 18, 2023 07:59

May 4, 2023

Porque parei de sonhar

sim. esse cara tem um emprego de merda

Bruno Lacerda <https://www.linkedin.com/in/urldobruno/> é uma persona interessante no LinkeDisney™. Posta coisas intrigantes, apesar de óbvias. E isto não é ruim. O óbvio precisa ser dito ocasionalmente para não ficar ululante.

Recentemente ele postou sobre os sonhos e de como eles não residem no trabalho. Digo, no emprego das pessoas. Normalmente os sonhos envolvem viagens, iates, mansões e um desenho animado do pica-pau. Os meus sempre foram mais singelos: ganhar na mega-sena e me mudar para um bordel de alto nível. Lá eu encontraria amor, alimento, drogas, sexo e abrigo até a minha morte (o que se daria umas duas semanas depois da mudança, certamente). Como a mega-sena não vem, aceito trabalhos, frilas e empregos que teimam em me tungar tempo e paciência.

Fico puto quando vem o papinho “faça o que ame e você nunca mais terá que trabalhar na vida”. Caralho… que babaquice.

Piadas de bordel à parte (mas nem tanto…), eu quero é trabalhar muito. Tipo muito mesmo. Mas não queria que minhas contas dependessem do meu trabalho. Queria fazer o que acho bom, certo e justo e, principalmente, o que sei fazer de melhor, sem ter que me preocupar com as contas de luz, gás e telefone, pensão, comida e… ah… já estou me deprimindo.

Sabemos que a vida não é assim. Talvez eu pudesse ter feito isso entre os 14 aos 20 anos, mas eu estava ocupado demais trabalhando para pagar as contas da casa. Depois poderia ter feito isso dos 21 aos 30, mas estava com meu tempo tomado pelos empregos que me cobravam todas as horas do dia. Literalmente. Sábados, domingos e feriados, inclusive. Depois fiquei velho e desencantado e deixei os sonhos na gaveta. Bora trabalhar que os boletos, etcetera.

mulheres, iates, mansões, mulheres, carros…

Uma das diferenças entre uma pessoa adulta e uma pessoa infantilizada (não to falando de crianças, mas de um processo) é que esta não sabe diferenciar o que é construção social — fantasia coletiva ou pactuada tacitamente — e realidade real e oficial. A gente caga, mija, trepa, come e dorme na realidade e não vai muito mais que isso aí. O resto todo (ou quase) é construção, fantasia e “storytelling” (desculpe, Jorge Rocha! amo-lho!). Dinheiro é construção social tanto quanto as leis, os gibis e a lenda da Loira do Banheiro. Só que um é aceito mundialmente, os demais… bem…

Bom, acho que vocês entenderam o ponto.

Certa vez, um ex-chefe meu ficou indignado comigo quando disse que não gostava de viajar e, num segundo plano, que não gostava do que fazia. Em tese eu deveria gostar porque o fazia muito bem. Tinha até ensinado a ele o que deveria fazer na firma, quando chegou. Não só fazia bem, como fui referência daquele assunto na firma por anos — e no mercado também, mas isso já faz mais de quinze anos — e eu deveria amar aquela função, aquele trabalho.

Ele se esquecia que para eu ir para o trampo levava mais de uma hora no trânsito. Que meu salário era um dos menores da equipe. Que eu não era promovido porque não tinha uma faculdade. Que não conseguia fazer uma faculdade à noite porque a firma era na casa do caralho torto e quebrado e tinha absolutamente nada por perto. Que, mesmo apesar disso, tinha tocado o setor inteiro sozinho por meses a fio e estruturado a área. Enfim. Fodam-se eu e aquela companhia.

Caguei pra TIM.

Nesse dia falei para ele: “Cara, tem um pessoal que limpa fossa sanitária; literalmente o trabalho deles é uma merda só. Você acha que eles gostam disso?” Apesar disso, estão lá trabalhando e bem. Só não acredito que uma pessoa, ao ter um filho, diga: “Essa criança irá limpar merda de esgoto!”

As pessoas trabalham para pagar as contas, para colocar comida em casa, para poder comer e cagar, beber e mijar, dormir e trepar e criar filhos (quando existem). E não tem nada errado com isso.

Me irrita sobremaneira o discursinho de “ame seu trabalho”. Na real, elas querem dizer “ame seu emprego”, o que é bem diferente. Tive um professor de desenho, o saudoso Urian, que dizia singelamente: “Caguei pra emprego! eu quero é trabalhar!” A sabedoria do véio era pristina. Quero muito trabalhar escrevendo, editando livros legais, publicando quadrinhos pela Z Edições, sendo ponte para que as pessoas realizem sonhos de serem publicadas e — quem sabe — atingirem à imortalidade por conta de suas obras. Também adoro cozinhar, passear, namorar (pelado, se possível), ver séries, ler livros, e se eu pudesse fazer disso tudo profissão (porque trabalho já é), faria já.

Mas há boletos e tenho o último sonho de fechar um ano onde não tenha que me preocupar se conseguirei pagá-los no fim do mês. Assim como uns bons 35% da população do meu país.

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Published on May 04, 2023 21:29

May 3, 2023

Jurei que não ia falar da nova lei, mas só cometo perjúrio…

Este texto era para ter ido como comentário no Instagram. Mas como estou na fase de mania e escrevendo mais que fala o véio da cobra, vou postar textão no blogue, que é lugar de direito.

Amigo — querido, queridíssimo — meu, mas de linha ideológica totalmente divergente da minha postou o seguinte:

O primeiro ponto a ser levado em conta é que essa briga é de “gente grande”, não tem ninguém inocente ou idealista aí.

Se, por um lado, as mídias tradicionais perderam MUITO dinheiro com a migração das verbas publicitárias desde os anos 2010, as BigTechs, absorvem essa receita (aumentam, na real, mas isso é outro papo) sem nenhum controle real-oficial do que é publicado, divulgado ou transmitido.

Teve o Marco Legal da Internet, de 2014, que, em tese, delimitava o que vale e o que não vale na net, principalmente quanto à responsabilização das empresas sobre as mensagens que transitavam. Ou seja, trata-se de um território que já está meio pavimentado (e, não, não é censura ou ditadura).

Há espaço para melhora no Marco Legal? claro, sempre há, mas estamos falando de dar passos atrás e voltar a ser o bang-bang que era nos tempos de IRC, ARPAnet e afins. Só que com MUITO mais gente e muito menos interesse de geração de conteúdo de qualidade.

O segundo ponto é sobre o “ditar o que as empresas podem ou não dizer”.

Desculpe, mas isso é válido, sim, senhor. Excetuando na ficção, tudo dito em tom factual, noticioso ou opinativo tem a responsabilidade da Verdade. Exemplo: se uma empresa pública um balanço adulterado aos acionistas — partindo do pressuposto que é uma empresa de capital aberto — ela tem o compromisso com aquelas informações, sob pena de ser processada. Se uma cervejaria usa componentes duvidosos, ela tem compromisso com a transparência naquilo que está envasando.

Uma cervejaria até pode dizer que está “engarrafando sonhos”; ou a empresa multi-marcas dizer que está “positiva”, mesmo com um EBITDA negativo. O problema será quando essas mensagens virarem o carro-chefe das empresas e/ou começarem a lesar consumidores (ou acionistas). Se no primeiro caso, é improvável; no segundo é quase certo.

O que vimos recentemente nas eleições de 2016 nos EUA e de 2018 no Brasil (também em 2020 e 2022, mas com olhos mais atentos e precavidos) foi um literal abuso desses canais para espalhar notícias falsas (mamadeira de piroca? sério?) e cooptar quem não tem tempo para fazer checagem ou tem senso crítico desenvolvido.

Vou um pouco além e aponto o mau uso das redes sociais em disseminação de tratamentos inócuos para a COVID e o movimento de difamar as vacinas de uma forma geral. Algum desses canais se responsabilizou pela divulgação dessas informações inverídicas? alguém audita os processos de exclusão de perfis que espalham mentiras e/ou ódio nas redes? alguma dessas redes faz o tracing dos usuários para que estes sejam responsabilizados pelos crimes cometidos?

Então… as pessoas podem até dizer que fazem, mas precisamos de transparência nesses processos e métodos. Hoje, sem regulamentação explícita sobre isso, não dá.

O terceiro ponto é o dano observado. As leis se adaptam reativamente à sociedade. Ou seja, a maioria das legislações não vem prever o improvável — há exceções, mas são isso —, porém tentam evitar que um dano ocorrido volte a acontecer. E é assim que deve funcionar mesmo. Até porque o que era válido no passado pode passar a ser inaceitável num momento futuro. Como a escravidão, por exemplo.

Na boa, podemos até ter paixãozinha para com uma BigTech da vida (não tenho), ou com as grandes mídias (tenho menos ainda), mas temos dois momentos recentes da história brasileira onde houve condução informativa e manipulação de massa (ativamente e por inação) por conta dos dois meios de divulgação de informação.

A imprensa já é bem regulada (só falta o exercício da regulação, mas aí são outros quinhentos) com as leis de calúnia e difamação. Não evitam um caso Escola Base, Loira do Banheiro ou Assassinatos de Ouro Preto, mas há a responsabilização de mídia e um compromisso tácito de divulgação de uma verdade (note o uso do “v” minúsculo). Ou seja, um veículo pode se posicionar cultural e politicamente e sofrer as consequências disso, como qualquer adulto responsável.

Já as mídias digitais apresentam uma situação mais complicada. Como não são detentoras da geração de conteúdo, apenas os espalham, fica mais difícil controlar e responsabilizar um ato de ódio, disseminação de inverdade ou campanha ideológica. Note que não estou falando de esquerda ou direita, de censura prévia ou cerceamento à liberdade de expressão. Estou falando de responsabilização. Novamente, de tratar como adulto as pessoas jurídicas.

Tá na hora das BigTechs saírem da adolescência.

Todo bom capitalista sabe que o mercado precisa ser plural para ser virtuoso. A concentração de poder em uma ou duas empresas tende a estratificar os serviços, as receitas e diminui concorrência. Tô generalizando (há monopólios virtuosos, mas são exceções) e acho que não preciso pregar a convertidos aqui.

Então é bom sublinhar que, da mesma forma que o Grupo Globo concentrava 70% da receita publicitária até os anos 2010, formando um monopólio de informação e opinião, as BigTech viraram monopolistas em prática e execução. Não existe um concorrente de peso de microblogging ao Twitter; um serviço de buscas como o Google; de video como o YouTube (também da Alphabet); de rede social (seja lá o que isso signifique) como o Facebook; de mensagens instantâneas como o WhatsApp; e de fotos como instagram (sendo que esses três são do mesmo grupo, a Meta).

Se isso não é truste, não sei mais o que é um. =)

Isto posto, comentarei os pontos levantados pelo meu amigo.

“Em que democracia uma empresa é obrigada a publicar uma opinião favorável a algo que não concorda?”

Em qualquer uma. Sério. Principalmente se a empresa se diz isenta ou “apenas um meio de comunicação”. Se ela é “neutra”, deveria publicar toda e qualquer coisa a ser dita, certa? se ela não é neutra, tem opinião e posição, esta precisa ser clara e regulada.

Ah, mas não é uma empresa de comunicação. A gente vende cerveja! Beleza. Mas aí, no teu rótulo, você precisa colocar quais os ingredientes, o tempo de conservação, de envasamento, o teor alcoólico, proibida a venda para menores, que pode dar um lesa-lelé se beber demais, etc. Tudo conteúdo que a empresa não quer ver no seu produto, mas tá na lei.

“Ain, Zander. Você não entende nada. Não é cerveja, é serviço”. Pior ainda. Aí precisam estar claros os termos de uso, os níveis de relação entre as partes, os do’s and dont’s. De novo, coisas que as empresas não querem publicar. Ou se retratar, quando fazem merda. Jornal faz isso, empresa de telecom também, empresas de viagens, cervejarias e supermercados. Todo mundo se responsabiliza pela merda feita.

Na boa, Google precisa decidir o que quer ser da vida. Se mídia, serviço ou produto. E mesmo que seja um amálgama de tudo isso, precisa ter limites e regras ainda assim. (E que frase patética, gente… pqp!)

“Temos o direito e o dever de discordar do que quer que seja e temos o direito e o dever de expor nossa opinião assim temos o dever e o direito de obedecer às leis.”

Sem problemas com isso. Só que obedecer leis não é direito, é obrigação. E opinião é que nem o fiofó: todo mundo tem, mas só deveria ser mostrada com consentimento do outro.

E digo mais: há dois mil anos (aprox.) não se leva a sério a opinião como orientação da verdade. Tem uma baita história aí, mas não cabe nesse momento discutir. Só te digo: quanto menos opinião, melhor; quanto mais análise, estudo e discussão embasada, melhor.

(detesto opinião)

“Quando perdemos o direito de discordar do partido de plantão corremos o risco de perder nossa liberdade.”

Cuidado com os discursos conspiracionistas, meu amigo. A última coisa que observo no momento é que a mídia — os jornais principalmente, não sei se está lendo — concordar com o atual presidente. Aliás, Folha e Estadão fazem um trabalho constante de martelar os governos federais. No que estão certos, aliás. E cuidado com o “cherry picking”. Olhar só o que teu viés de agrado mostra, afasta teu argumento da Verdade Possível (sou bem conservador com esse conceito, por sinal, indico dois livros do Henry Frankfurt, pensador conservador de direita que escreveu “About Bullshit” e “About Truth”). Continuando no tópico, concordo com a frase em si, só não creio — na real, tenho certeza — que não é isso que está acontecendo.

E liberdade é um conceito que vai BEM além do direito de discordar. Digo até que essa parte é a menos importante do conceito de liberdade. Basta lermos Sartre em O Ser e o Nada (tô tão bookdropping hoje).

“O grupo que está no poder tem intenções claras.”

Que grupo, meu amigo? No poder hoje tem gente de esquerda e direita (ou alguém dirá que o Alckmin é de centro? pelamor…); tem progressista e gente do agrobusiness, gente que fez campanha virulenta contra o presidente no primeiro turno e gente que apoiou desde o primeiro momento.

De novo, o fantasma do comunismo que assombra uma galera que tá com preguiça de fazer análises mais concretas das merdas que estão/podem acontecer. Não caiamos nessas simplificações, por favor.

“Não é à toa que estão despejando nosso dinheiro de impostos para mais uma vez comprar o congresso.”

Cara… quando leio essa frase, vejo uma criança descobrindo que o mundo é vil e torpe e os olhos lacrimejam um ponto solitário.

Mas vamos lá. QUALQUER governo que assumisse o poder precisaria negociar com um dos piores congressos jamais eleitos na nossa história. Tipo, QUALQUER um. Ciro, Tebet, Soraya. QUALQUER um. E a única língua que o nosso modelo político entende é o de verbas públicas. É bonito? não. Concordo com isso? tampouco. Dá para mudar agora? obviamente, não.

Isto posto, qual a intenção? implementar uma ditadura venezuelana? sério? depois do desgoverno absurdo que tivemos agora? quais são as tais “intenções claras”? quais são os objetivos óbvios do atual governo (além de defenestrar o abominável e tentar voltar o jogo jogado antes dele assumir)?

Sem dizer isso, você está repetindo o modelo dos fantasmas no armário. Dos Inimigos Ocultos, das Forças Internacionais e todo bicho-papão usado à esquerda e direita para assustar ou agregar quem tá inconformado, mas não sabe bem o porquê.

Por fim (ufa!). Não sei se esta lei em especial é perfeita nem se é boa o suficiente. O Marco Legal, em tese, já era bem robusto, mas “não pegou” o suficiente. Só sei que quem faz dinheiro comigo, com o meu trabalho e com o que consumo de informação, tem que ter o mínimo de responsabilidade pelo que traz e leva. Como, por exemplo, revelar quem divulga vídeo de pessoas nuas sem consentimento do outro, quem organiza grupos neonazistas, grupos de ódio a nordestinos, gays, mulheres, animais, etc. Coisas que vão além do partido político no poder.

Né?

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Published on May 03, 2023 16:47

Quando a estupidez está certa

Um dos chefes mais toscos que tive na vida, o finado “seu” Pedro, tinha duas frases de efeito que soltava a torto e direito. Na real, tinha mais do que isso, mas essas duas são indeléveis para quem trabalhou com ele.

“O peão não tem que pensar; pensou, fedeu”

Claro que todas as frases têm contexto. Ele era dono de algumas lojas de gráfica rápida no Rio de Janeiro, basicamente entre o Centro e a Zona Sul. Antes disso, se não me falha a memória, foi coordenador de obras pela Petrobras. Foi criado entre a peãozada, entre pessoas de baixa cultura e formação e, muitas vezes, de baixa estatura intelectual.

Não que ele fosse um caso de pessoa brilhante ou culta, muito pelo contrário, mas se formou em engenharia e ficou na Petrobras até ser dispensado — nunca soube o porquê, mas desconfio — e abriu seu próprio negócio. Ficou rico. As dondocas de Ipanema comentavam que ele era o “dono de Xerox que ficou milionário”. Não estavam erradas.

***

Pois bem… esta primeira frase dele diz muito com o uso de frameworks de trabalho. Pegamos esses modelos para evitar ter que pensar neles enquanto focamos no que precisa ser feito, na entrega propriamente dita. Ou seja: se for para “gastar pensamento” que seja na execução do que faz, na atenção aos detalhes, na qualidade da entrega e tantas outras obrigações que o “peão” tem de executar.

Claro que a frase é de uma grosseria sem tamanho e claro que revela não só um preconceito classista quanto uma arrogância ímpar. Mas quantas vezes não nos deparamos com pessoas que pensam saber resolver uma situação ao invés de “seguir a regra”.

***

Tinha um personagem do Walter Lantz, o criador do Pica-Pau, chamado Ursulino ou Ursulão (Charles Berry, em inglês) que teimava em fazer consertos domésticos quando não tinha a menor habilidade para isso.

“É para economizar uns mangos”, dizia. Claro que o caos se instaurava.

Qual seria o framework aí? Ligar para um profissional (ou mais de um) para pedir orçamento e deixar que ele o fizesse; opção B: pegar um curso à distância e aprender (não tínhamos a internet nos anos 1950, meus caros). Saiu do framework, se ferrou; pensou, fedeu.

“Quem não lava banheiro, não pode usar o computador”

A frase era BEM mais chula que isso, mas já tenho abusado dessa maravilhosa (cof! cof!) rede social-profissional com meus arroubos e não quero ferir mais os olhos dos meus parcos leitores.

De novo, algumas das lojas ficavam na Zona Sul do Rio de Janeiro e empregava tanto gente BEM humilde quanto “patricinhas” e “playboys” das faculdades do entorno. Muito porque “seu” Pedro tinha medo que os operadores de xerox “aprendessem demais” e fossem para o concorrente. Daí colocava os universitários recém-formados para operar os PCs com Windows 95 e os Macintosh Quadra e Power PC estalando de novos.

O equipamento de impressão das lojas também era de ponta — para a époc — e requeria manutenção “suja” em muitos casos. Limpar uma reveladora de fotolitos era garantia de perder uma camisa ou calça com o ácido acético.

O que acontecia no fim do dia? Quem era da operação de fotocópia, não cuidava das máquinas “digitais” e vice-versa. Ou seja, cabia à gerência fazer a limpeza de tudo. Gerência também conhecida como euzinho da silva.

Em determinado momento, começamos a inverter essa lógica: começamos a contratar gente mais humilde para operar os computadores e os universitários foram migrando para agências de design e de publicidade.

Tenho algumas histórias — ruins, em sua maioria — dessa época e umas lições péssimas, mas uma que se salvou foi que, no momento em que passamos a contratar quem “topava limpar o banheiro”, ficava mais tempo no emprego, se sentia mais reconhecido, mesmo ganhando BEM menos e trabalhando BEM mais.

Tudo bem. Tinham um chefe como eu que ensinava o possível e era o primeiro a indicar oportunidades fora dali. Heheh.

***

O resumo da ópera é que, por detrás de duas frases estúpidas e grosseiras, havia um quanto de sabedoria que ia para além do senso comum.

Pena que vinha de uma criatura tão desprezível.

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Published on May 03, 2023 16:46

Dando trabalho

Então.

Ando meio cansado. Meio não. Totalmente. 2022 tem sido um ano de merda (não, não pedirei desculpas pelo termo) e teima em não acabar.

Há alguns anos falei para amigos que iria sair das estatísticas de #emprego/desemprego. Simplesmente iria desistir de procurar. Obviamente todos me demoveram da ideia (boletos e a pensão do meu filho são argumentos muito mais contundentes, na real).
Só que o mundo corporativo devora corpos e almas e deixa só o bagaço. Vivemos numa cultura neolítica onde se você não está “pronto pro mercado”, você passa fome. Se você não faz o curso com o coach A ou tira a certificação B, passa fome. Se não fala as coisas bonitas e prazerosas, passa fome. É preciso ser feliz, conveniente, conveniente, simpático, jovem, bonito, branco, hétero e cis, ser dos 1%. Senão passa fome, fica pendurado num sistema de merda que te arrasta para as dívidas que você nem sabe se quer contrair.

Mas a máquina tá lá, tendo de girar e você precisa ficar 2h pendurado em conduções — mesmo podendo trabalhar à distância — , escutar bosta vomitada pelas chefias que realmente acreditam no esterco que falam.

Falam nada que sobreviva a dois minutos de escrutínio intelectual; nada que sobreviva a dez minutos de realidade nas ruas. Nada que não tenha sido escrito antes e melhor do que os livros regurgitados.

Bosta repastada.

***
Defende-se o direito de quem já os tem em lotes (os donos do capital, da mídia, da tua ferramenta de produzir e falar para o mundo); defende-se o direito de ser mais achacado, aviltado e denegrido; o direito de ver seu amigo que não é padrão ser escorraçado e, quando ele reclama, debochar, falar que é “mimimi”. Defende-se acima de tudo o direito de ser estúpido. De negar o trabalho coletivo das ciências e tecnologias (as pessoas confundem as coisas; tecnologia é tudo, desde o fogo, pequenos gafanhotos). Em suma: defende-se tudo que não é a gente porque temos medo da diferença, do diferente.

“Ain, Zander… o que isso tem a ver com emprego e desemprego e você estar cansado?” Porra. Tem que desenhar?

***
Tô velho. Sou bipolar. TDAH. Exausto de ter trabalhado desde os 14 anos e precisar trabalhar mais 14 para me aposentar. Exausto de pensar que certamente não chegarei na idade devida (e que várias empresas não pagaram o MEU DIREITO de INSS). Mas, sobretudo cansado de ler que as empresas são santas, são isentas de regulação, que a PORRA DO MERCADO se autorregula.

Meu caro. Não se regula. As única tendência constante — do mercantilismo até hoje — é o movimento pelo monopólio, ou, como é bonito falar hoje, tomar conta da cadeia produtiva de ponta-a-ponta. Truste. Cartel. Monopólios.

***
Tá na hora da gente parar e pensar: Google ser um gigante beneficia a vida das pessoas? Idem pro Twitter, Meta outras ferramentas. Amazon ser um gigante melhorou a economia global? Mas melhorou mesmo? Quais os limites delas todas?

***
Digo que estou cansado e escrevo textão. Provavelmente um suicídio de LinkedIn, mas foda-se.

Cansei.

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Published on May 03, 2023 16:45

Dos objetos que precisam ser inventados: o falatório

Sou uma pessoa de ranços e rancores. Toda discussão que tenho, todo comentário imbecil que leio e todo argumento mal-ajambrado que escuto me ressoam dias a fio. Anos até. Tem um ou outro que já estão se apresentando para o serviço militar obrigatório.

Mas a maioria é esquecida, ainda bem.

A profissional paga para me escutar me diz que preciso transformar “essa energia” em algo mais produtivo ou criativo. Ela deve pensar em arte-terapia ou uns textinhos em blogues; eu penso em fazer aulas de kung-fu ou defesa armada. Ou comprar um taco de baseball mesmo. Tanto faz.

Confesso que escrever ajuda e comentar comentários em redes sociais tem sido meu hobby. Só que é pouco produtivo. Meus rancores com o mundo corporativo me renderam um livro (e talvez um segundo em andamento); meus desamores, umas centenas de textos; minhas frustrações como pai e parente, uma série de cartas para a filha (e algumas para o filho, em andamento).

Só que nunca produzi material suficiente sobre a imbecilidade digital.

***

Esse enorme nariz (comparável com o meu próprio) não é para reclamar que à direita (e à esquerda) as pessoas falam/escrevem merda. Nem das mentiras, desinformações, desonestidade intelectual, cherry picking e outros animais argumentativos ruins (ou maus mesmo) que abundam e afloram por todos os lados. Ninguém está isento de encontrar ou produzir um desses bichos. Nem eu, claro. A questão é realmente o que faço com esse desconforto; é uma questão interna mesmo.

Daí caiu a ficha. Sempre que entro no banho ou começo uma atividade repetitiva (tipo lavar louça, varrer a casa, etc.), vem a resposta ou um texto “inteiro” sobre o assunto que me incomoda no momento. A assombração é exorcizada em palavras, cadência e verbo. Claro que dá para largar tudo e ir para o computador e escrever. Dá até para pegar o celular e anotar as ideias. Ou mesmo ter um caderninho pendurado a tiracolo o tempo todo e anotar na hora, com as mãos cheias de sabão ou gordura. Não, né?

Também dá para ditar para o celular ou para um gravador os pensamentos, já os ordenando para ficar mais fácil a escrita no fim. Dá, sei que dá. Não faço.

Sei que tem várias ferramentas que me auxiliariam, mas a sensação é que nenhuma se compara com o momento de sentar à frente de um teclado e escrever. Nada se compara a reservar meu tempo para formatar bits e bytes na ordem que preciso para passar meus pensamentos.

Enquanto não inventam uma máquina de datilografar movida a pensamento ou um dilatador de tempo portátil, fico exercitando a disciplina e o Tetris da minha agenda.

***

Para quem acompanha o blogue, tanto a disciplina quanto minha organização de tempo têm falhado absolutamente (pelo menos para escrever, criar ou desabafar). Porém, as perturbações continuam. Recentemente resolvi “debater” com uma pessoa que colocou em seu mensageiro eletrônico um banner sobre as recentes manifestações fascistas em Brasília. A favor. Obviamente isto rendeu vários “textões” que foram respondidos com um educado “discordo” e ponto final.

É direito daquela pessoa falar isso, afinal de contas. A pessoa pode realmente achar que estamos sob uma ditadura de esquerda; que o STF roubou as eleições (as de agora, claro; as de 2018 foram certinhas); que há uma trama entre o congresso, o judiciário e os meios de comunicação para implementar o projeto do Foro de São Paulo. Todo mundo tem o direito de ter suas convicções, ainda que totalmente desvinculadas da realidade. Tem maluco para tudo no mundo.

O ponto é que isso me irrita. Novamente, a pessoa tem nada a ver com a minha irritação; este é um problema meu; e já disse que a melhor forma de expurgar essa irritação é transformar em texto. E o ideal seria na hora que bate a irritação. E o maravilhoso seria sem me tomar um segundo do meu tempo. Daí vem o desejo por algo que conseguisse canalizar essa fúria momentânea, essa irritação passageira. Sim, porque sempre passa, se esvai sem deixar rastros ou aprendizados. É esse o problema.

Então, se inventassem esse dreno da minha fala furiosa, eu poderia olhar para o objeto, o texto ficaria pronto e seria espalhado aos sete ventos e quatro mares (ou algo assim).

***

Pensando bem, melhor que não exista. Melhor saber que é preciso mais que a fúria para algo se manifestar. Que o discernimento é um filtro que funciona no frio, não no fervor da raiva.

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Published on May 03, 2023 16:43

August 31, 2022

O gato

Descanse, Lúcifer, nosso anjo peludo; nosso diabo querido

O ano não tem sido fácil para a família. Vários tios se foram — uns abruptamente, outros em sofrimento — e quem fica olha pela janela os poucos dias que restam. Os filhos da avó diminuem, ficam mais fracos e distantes do presente. O passado é seu futuro, pelo visto.

Lá em casa a gente se segura como dá. O país bamboleia economicamente e a recessão apertou a todos. A filha retorna aos estudos, o filho cresce distante e amado, eu me agarro aos afetos e à rotina. É o que dá norte para as manhãs e esperança à noite. O futuro tenta se fazer presente, mas tá difícil.

O alento que a gente tinha em casa, mesmo nos momentos difíceis, tinha quatro patas e aprontava virando latas, comendo plástico. Era peludo e adorava revezar as camas. Destruiu poltrona e mala que não queria mais, adorava seus arranhadores. Era nossa criança caseira, segundo uma amiga. Pouco miava, parecia um passarinho. Passarinho-cachorro-gambá-coruja, segundo a filha. Recebia as pessoas na sala, pedia para sair para a varanda fazendo manha. Fazia manha para subir na janela. Manha para ir à área. E era uma faísca para fugir de casa pro corredor do prédio, parando na primeira quina.

Adorava armar emboscadas e, quando conseguia nos “capturar”, parava sem saber o que fazer. No início, né? Depois entendeu que era uma brincadeira de pegador e saía em disparada para se esconder. E se escondia como uma avestruz, deixando sempre uma parte do corpo para fora.

Adorava também dar sustos na gente. Ficava nas cadeiras e agarrava as calças e camisas quando a gente passava. Era uma maneira de dizer “ei! To aqui! Olha para mim!”. A gente te olhava, Lúcifer. A gente te olhava muito. E fotografava. E trocava as fotos que tirava quando estávamos longe (ou eu, ou a filha). E chamávamos o outro para ver as posições esquisitas em que você se metia. A gente te admirava.

Você foi muito rápido nas nossas vidas, rapaz. Meu molequinho peludo, ainda sinto tua falta andando pela casa e cabeceando a gente ao pedir carinho.

Agora vamos desmontar tudo que preparamos para você: as aparas de arranhar dos sofás, a caixa de dormir que você nunca usou (e foi tão cara), as tigelas de comida e bebida. As “escadas” montadas em casa para você escalar.

A gente vai guardar os momentos felizes na memória em algum momento, mas agora é muita tristeza que a gente tem para colocar para fora, sabe? É muito choro e saudade. É passado-presente que prepara para um futuro breve.

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Published on August 31, 2022 08:26

March 5, 2022

Mais sobre identificação no discurso e a dor de corno de cada um

E lhe pegam pelo nariz, rapaz.

Às vezes acho que as pessoas têm dificuldades de sair da adolescência intelectual. Há uma busca incessante pelo “pai” perdido, idealizado, depois que a gente “mata” o pai real na mente. É um tal de buscar por um grupo de música, um time ou jogador de futebol, uma causa, um nome para chamar herói que não posso deixar de comparar com o comportamento gregário dos adolescentes.

A parte mais difícil de amadurecer é saber que a gente pode estar errado.

E temos tanto medo de estar errados, que transferimos a autoridade de nossas falas para esses heróis e grupos. “Não sou eu quem diz que isto é certo, é o meu ídolo, o meu mito”, “O grupo tal não pode estar errado, torço por eles desde pequeno”.

O lance é que é tudo feito por ser humano e eles erram.

Tem um ditado bom que diz “não conheça seus ídolos”. É verdade. Você imediatamente os tira da capa de perfeição e os sujeita à sujeira da realidade. Eles têm esmegmas, badalhoques, unhas encravadas, mau hálito, cáries, caspa, flatulência. Reais ou metafóricas; físicas ou verbais.

Agora a moda é transformar político em herói. Moda velha, na real. Desde os tempos mesopotâmicos, transformam-se os reis-guerreiros em deuses, em imortais. A gente não muda com o passar dos milênios.

E a retórica é a mesma: “se falam mal do meu herói é porque apoiam seu inimigo”. Muitas vezes é verdade, mas nem sempre. Dá para discordar dos dois lados. Dá para chamar o juiz inepto de inepto, do atual presidente de incapaz e do principal candidato à eleição de um país de corrupto. Dá e com folga de fatos e dados para todos os lados. O problema é que alguém vai ficar machucado no processo. Sempre terá alguém que se verá refletido nesse ídolo e a crítica será vista como uma ofensa pessoal. Esse pensamento maniqueísta economiza energia cognitiva e dificilmente revela verdades.

Da mesma forma, quando alguém fala uma bobagem, uma besteira — ou fala merda mesmo — sendo apontada, esta se sente ofendida. Percebam que muitas vezes o que se aponta é a fala, não a pessoa, mas a tendência é considerar a crítica — ainda que bruta — ao que foi dito como crítica à pessoa. Atentem ao discurso, amigos. Atentem. Nem sempre é sobre você o que se fala.

***

Na minha terra tem um ditado: “não aguenta a zoação, nem venha jogar na rua”. Quando você compartilha uma ideia na Rede Mundial de Computadores, a Internet, e deixa a caixa de comentários aberta, não conte apenas com elogios e palmas. Haverá uma multidão pronta para lhe ignorar e outro grupo (menor), pronto para lhe contestar. Provavelmente eu.

***

Esse lance da gente precisar do Salvador da Pátria, do Herói da Guerra, do Gênio do Mercado, é muito pedestre. É acreditar demais que alguém tem um poder divino, miraculoso, de mudar o mundo com seus gestos mágicos ou plenipotentes. Não é assim que a banda toca. Todo poder real emana da influência que alguém possui. Seja por sua máquina administrativa (igrejas, exércitos, empresas, dinheiro) ou por sua capacidade de mover mídia e mensagem. E nada disso funciona “eppur si muove” sem muita colaboração do coletivo, do todo que empodera essas pessoas. Poderia citar nomes diversos de várias áreas, mas cada um pode pegar exemplos a partir de seus vieses.

O que entendo que precisamos sempre ter em mente é a rede que sustenta esses heróis. Os porquês deles estarem ali e serem comentados naquele momento. Nenhuma tartaruga sobe uma árvore. Ninguém vira herói “ad hoc”.

A gente aprende — nos mundos corporativo-administrativos — a usar várias técnicas de análise de problemas. As mesmas podem (e deveriam) ser usadas no dia-a-dia. Tem o famoso 5w2h — o que, por quê, (a) quem, onde, quando, como, e quanto (what, why, who(m), where, when, how, how much) — que dá um bom grau para mapear quase qualquer situação. Tem outra, a dos cinco porquês, que ajuda a verificar as causas-raízes desta situação mapeada. Mais outra, a CTF (considerado todos os fatores) que desenha todas as redes de influência de um fato.

Isso tudo junto desmonta qualquer herói, qualquer mito, qualquer gênio. Tira deles a magia, o campo de distorção de realidade que faz a gente acreditar no impossível ou improvável. É o tal do pensamento crítico, sabe? A gente faz pouco uso.

Só que pensar criticamente dá trabalho. Cansa. É mais fácil comprar uma mensagem midiática X e tocar a vida, repetindo-a bovinamente, vestindo uma camisa X e gritar palavras de ordem sem pensar nas consequências.

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Às vezes penso em me juntar à legião de picaretas de cursos instantâneos e fazer um de pensamento crítico. Mas aí me lembro dos meus valores éticos e deixo para lá. A grana não é tanta assim.

***

Valores são a exceção dessa brincadeira toda. Não que eles precisem estar impressos em rocha, claro. Um valor que você tenha definido no início da sua vida adulta — acumular riqueza monetária — pode mudar aos quarenta e tantos anos — acumular saúde física e mental. Mas esses valores nortearão sua vida e tenderão a ser absolutos, mais resistentes a críticas e questionamentos vindos “de fora”.

O bom é que Valores não têm sobrenomes ou aparecem na TV (ou no TikTok), mas se sublinham ali. E Valores, apesar de irem para a boca de candinhas, são abstratos. Não se pode ser um detentor de um Valor. Nem se ter um latifúndio de Valores. Ações, tratados, escolas. Valores tendem a ser individuais, porém compartilháveis enquanto conceitos.

Quando leio sobre uma guerra e alguém demoniza (ou deifica) alguns dos personagens midiáticos, me pergunto instantaneamente: que Valores aquela mídia está tentando me vender? Qual a ideologia por detrás? Quem ganha com aquela mensagem? Nem sempre é claro.

Pois é. É difícil ser adulto.

***

A guerra não é boa para ninguém. O único herói possível nela foi aquele que tentou evitá-la a qualquer custo. E falhou.

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Published on March 05, 2022 08:09

March 3, 2022

A carta da morte e a cura

Olá.

Sabe, estou começando a aprender a dizer adeus. Quer dizer, é meio impreciso isso. Já digo adeus há tempos para diversas coisas. Quando algo para de funcionar (relacionamentos, livros, empregos, posturas), me desapego na hora e sem olhar para trás. Sempre acreditei que a boa memória sobrevive até mesmo a um mau fim. E é fato. Consigo reconstruir a ternura e o afeto (até meso os tesões) de momentos diversos com gente que nunca mais quero ver pela frente. Ou de costas.

Não sei se o mesmo acontece com elas.

Mas há laços que não se desfazem. Família, amigos de longa data, fotos vexatórias e textos assinados. Sempre haverá um deles que surgirá de algum canto escuro lhe relembrando de um passado que você queria ter cortado. Mas, principalmente, a gente não consegue se livrar de si mesmo.

Há memórias minhas que me fazem querer caber debaixo da cama e de lá nunca mais sair. Posturas e posições que me arrependo de tão desnecessárias. Textos (assinados! assinados!) que nunca deveriam ter visto a luz do dia, quiçá serem publicados em mídia impressa, televisada e radializada.

Obviamente queria dar adeus a isso tudo, mas não dá. Fazem parte do que sou hoje. Se não tivesse sido um babaca aos quinze anos, talvez fosse um babaca imbecil (ao invés de só um imbecil) hoje em dia. Nossos erros são tijolos de nossa alma.

Ou a argamassa. Vai saber.

Só que esse não é o assunto. Tergiverso, como sempre.

***

Essa é mais uma carta derivada. Já escrevi sobre a morte (minha, dos outros, dos sonhos) diversas vezes. É um tema recorrente, claro, e que gosto de digerir, ruminar, antes de cuspir em texto.

A gente tem que se preparar para a morte.

A gente tem que falar mais sobre a morta. A própria morte.

***

Fico acompanhando os parentes de amigos terminando suas histórias e todo mundo perdido entre lembranças e arranjos. Fico pensando em como meus filhos ficariam sem mim e o que preciso deixar arrumado para evitar dar dores de cabeça. Fico pensando se vale a pena continuar caminhando se não consigo mais me lembrar dos primeiros passos ou do sorrisos dos meus filhos. Fico pensando e ajo um pouco por vez.

Há planos. Minha filha sabe minhas senhas (perigo!!!) e poderá tomar atitudes num evento inesperado. Tenho um plano funeral que é meia boca, mas já resolve parte dos imbróglios. Mas é o suficiente?

Não tenho renda para os filhos. Não tenho bens. O que facilita por um lado e desampara no outro. Tenho dívidas enormes, mas morrerão comigo (espero!). Tenho amor infinito por eles e isso sempre deixei claro.

Não planejo morrer logo, claro. Assim como meu amigo Heinar, o plano é ser imortal, mas é improvável que consiga. É difícil entrar para a ABL.

***

Racionalmente entendo a finitude das coisas. Psicologicamente sei que é impossível imaginar o mundo sem mim, sem meu olhar. Fico flutuando no ínterim desses dois vergalhões de pensamento.

***

Essa carta não é feliz, inédita ou romântica. É apenas o que sinto no momento, sentado no hospital, acompanhando minha mãe ao se tratar. Olho para aquela senhora e só consigo ver a jovem mulher que me acompanhava na escola, lutava para manter seu emprego e dignidade no mundo. A força da natureza que se resumia em sua fúria e garra, descansa esperando o outro trazer a cura.

Beijo.

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Published on March 03, 2022 06:29

February 27, 2022

A carta de retorno (e fico?)

Oi.

Vira e mexe a gente se ama nos meus sonhos. É um amor tão gostoso e tão forte que fica me atormentando até a hora do almoço. Atormenta porque você não tá aqui, né? E atormenta porque me deixa com vontade de lhe pegar e fazer da manhã uma música do Chico Buarque, daquelas que inspiram outros casais a arranhar as paredes e incomodar a vizinhança com seu gozo e felicidade.

Hoje não foi diferente. O lugar foi impróprio, claro. A cama, desconhecida, não me dava o espaço para o alívio necessário. A ausência deverá ficar ainda assombrando até eu voltar para casa e tirar a armadura de domingo. Daí, na cama de novo, talvez substitua essa falta por alguma fantasia tirada da memória de algum momento que nunca existiu. Coisas de menino que mantemos como hábito até o fim da vida.

***

Tem rolado um papo de fim dos tempos, do mundo, da humanidade, da vida das pessoas que queremos bem. Não sei o porquê, mas isso me dá mais vontade de pegar uma mochila cheia de preparações e ir te visitar. Passar uns dias contigo — talvez nu, talvez suado, talvez tomando chá e jogando gamão —, olhar no teu olho (num só!) e dizer que ficará tudo bem.

Mentiras fazem bem nessas horas.

•••

Tá nos meus planos uma viagem curta, mas os arranjos ainda estão mal-arranjados. Não prometo sem me movimentar para fazer cumprir. Daí cumpro. Irei. Irei com desejo, com carinho e amor. Irei e volto. E venha. E volte. Ou fico, ou fica. Fiquemos.

Beijos.

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Published on February 27, 2022 08:11

A casa do Zander

Zander Catta Preta
Pensamentos esparsos de uma mente desconexa
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