Status Updates From Os Sonhadores da Liberdade

Miguel Borissovitch sentiu que, se a demora se prolongasse, não seria capaz de dominar a tremura dos seus nervos. Com a testa encostada à vidraça, as mãos crispadas nos bolsos, não desviava os olhos da carruagem coberta onde se encontravam o filho e a nora. Nem ele nem ela se mostravam à porta. Encolhido atrás, em cima das bagagens, Antipe era uma bola de pele suja, com um nariz vermelho ao meio. (...)

- Iremos pois vê-lo amanhã - disse Sofia. - Será um grande dia para mim.
Ele recuou dois passos, contemplou-a dos pés à cabeça com uma admiração culposa e murmurou:
- Vestirá esse vestido, não é verdade? Fica-lhe tão bem!

Ele apertava-o ao peito e sofria por a ter enganado com tanta facilidade.
«A que abismo desci? - pensava. - Como me reabilitarei aos olhos de Sofia e aos meus? Assim que for minha mulher, dir-lhe-ei a verdade, juro!».
Este juramento apenas o deixou meio reconfortado.

(...) A um gesto de Nicolau, Sofia meteu a chave na fechadura. Então, ele entregou a Deus aquele momento, fez deslizar a lingueta, abriu a porta e saiu. A sua coragem encontrou o vácuo. Voltou-se para Sofia. Considerava-o com gratidão, como se acabasse de vencer dez adversários.

Quanto mais sentia que Roznikoff tinha razão em o censurar pela sua inconsequência, mais pressa tinha de realizar um gesto após o qual não poderia já voltar atrás. Fechou a carta diante do seu amigo e traçou a direcção. Roznikoff perguntou-lhe se, apesar do seu amor, era homem para sair essa noite.

Balouçado sobre a sela, de boca aberta, com as pálpebras semicerradas, Nicolau já não tinha senão uma noção confusa do mundo. Para não cair numa modorra total, pôs-se a falar em russo a Sofia.

(...) De pé na sombra, Nicolau, imóvel, esperava. Assaltada por uma alegria fulgurante, Sofia quis saltar, correr para ele, lançar-se-lhe de encontro ao peito, mas voltou a si. Operava-se nela uma grande concentração de energia, as suas ideias transformavam-se em ferro. Com decisão, fechou as portas da janela. O choque do ferrolho que corria comunicou-se dolorosamente ao seu cérebro.

O tiquetaque do relógio encheu o silêncio. Sofia tomou consciência do facto de ter passado perto de uma hora em companhia dum homem, e a ideia deste encontro inquietou-a. Os pais deviam estar ainda na salinha onde os tinha deixado. Que iriam pensar da sua longa ausência? Decidida a iludir as suas perguntas, levantou-se.

(...) Esperou que se voltasse, que veria enfim o seu rosto. Mas a jovem correu sem parar até ao cimo da escada e engolfou-se na sombra. Esta fuga era absurda e ofensiva. Mais intrigado do que desejaria. Nicolau atravessou o vestíbulo, evitou o corpo de Antipe deitado no corredor, abriu a porta do quarto e ouviu, por cima da cabeça, um passo miúdo que fazia estalar o soalho.

(...) «É possível que lhe tenha agradado?» Tem ela sinceramente a intenção de me tornar a ver? Possuir uma mulher assim, deve ser tão exaltante como entrar a cavalo em Paris». Divertiu-se com esta graça irreverente e, como que exorcizado, mergulhou profundamente num sono inocente.